1. Daqui para a frente, cada um dos cerca de 9 milhões e 300 mil eleitores portugueses tem tempo e opções de sobra para decidir em quem votar, em quem não votar, em abster-se, em votar branco ou nulo. Há uma diversidade enorme nos partidos de que os média falam. Há, também, muitos outros que só emergem em eleições, nem se percebendo como subsistem, a não ser por interesses provavelmente obscuros. Uma curiosidade específica do burgo é uma coisa chamada Livre, que tem por chefe Rui Tavares. A criatura tem o condão de perder todos os sufrágios e de ser comentador em tudo o que é comunicação social, vá-se lá saber porque bula. O Presidente Marcelo fez, entretanto, o que tinha a fazer com sensatez no discurso de convocação de legislativas. Deixou recados a todos, começando pelos da ‘‘geringonça’’, mas não esquecendo Rio quando lembrou que ele próprio, enquanto líder do PSD, fez o supremo sacrifício patriótico de viabilizar orçamentos para não prejudicar a entrada no euro.
2. ‘‘Vamo-lá-ver’’. Quem não perdeu tempo foi António Costa. Saltou para a RTP na qualidade de primeiro-ministro (assim fica aberta a porta para o líder do PS daqui a uns dias) e deu uma “quilométrica” entrevista em que disse tudo e o seu contrário. Está disposto a entender-se à esquerda, mas também à direita, no mais claro pragmatismo. Aliás, Costa nunca deixou de fazer isso, como prova o facto de se ter entendido com a ‘‘geringonça’’ e com Rui Rio para acabar com os debates quinzenais, num arranjo de bloco central de interesses políticos jamais visto. À passagem, prometeu uma série de benesses mesmo em período eleitoral e vitimizou-se o mais que pôde. Para a história, fica também a fabulosa imagem de que ele é a maçaneta da porta e não a fechadura (a imagem é bem vista). Vá lá que admitiu que as portas se abrem para dentro e para fora e disse que, desta vez, se não for o PS o partido mais votado, deixa a liderança do partido. Foi uma bela cartada. António Costa sabe que, com o seu ar bonacheirão, os portugueses o vêm como um moderado. Foi uma boa pressão de procura do voto útil e um apelo subtil à maioria absoluta, uma vez que internamente a alternativa socialista é Pedro Nuno Santos, o típico representante da esquerda caviar que também há no PS.
3. O Bloco de Esquerda está, entretanto, de cabeça perdida. Derrubou António Costa e teme que ele não lhe perdoe, ao contrário do que fará com o PCP, com o qual tem afinidades ideológicas e pessoais. Por isso, o Bloco entrou na luta interna dos socialistas e quer Pedro Nuno Santos à força toda. O desplante contraria o princípio básico de um partido não se imiscuir diretamente na vida do partido do lado. É a crise do desespero. Catarina sabe que tem a sua sobrevivência política e material em jogo. Se alguém é profissional da política, é ela.
4. Apesar de convocado para Aveiro, terra do seu lugar-tenente Salvador Malheiro, o conselho nacional do PSD voltou a correr mal a Rui Rio e bem a Paulo Rangel. Rio queria mexer na data das diretas antecipando-as em excesso. Em cima da hora, tirou da cartola a ideia de aceitar a votação de militantes sem quotas pagas nos dois últimos anos. Logo ele que foi o pai da refiliação, que liquidou uma série de sociais-democratas adormecidos, e que, há anos, rejeitou a mesma proposta feita por Luís Montenegro. É a chamada democracia de geometria variável. Rio tentou também usar o torpedo João Jardim para voltar à carga com um adiamento das diretas. Mas falhou. Jardim tem agora ainda menos peso do que tinha antes e que era mais mediático do que efetivo. No final dos trabalhos, as atitudes dos candidatos diziam tudo. Rio estava exaltado e incomodado. Rangel estava calmo porque conseguiu o que queria. Agora é tempo de campanha interna, mas já com recados para os eleitores de fora do partido. Entre os dois candidatos há profundas diferenças de estilo, de pensamento e de método. Rio é mais impulsivo e Rangel mais racional. A intoxicação das sondagens a favor do candidato mais conveniente a António Costa já começou. Basta ler a formulação das perguntas. Não vale a pena dizer quem é. É obvio! Vale sim a pena assinalar uma diferença substancial. Rio já fez saber que entrega o partido se perder. Rangel terá de ficar, construir uma oposição e eventualmente um acordo que não leve à espanholização de Portugal. Rio, que não ainda 20 anos no 25 de Abril, acha-se velho, quando na realidade está na força da idade para um político. Rangel é muito mais novo e arejado. A palavra está agora nos filiados do PSD, o que não é a mesma coisa do que os militantes e a máquina.
5. Ontem à tarde, já não sabendo o que inventar, Rui Rio proporcionou ao país mais um inédito número de circo político. A partir do Porto, claro, anunciou que vai dedicar-se totalmente à campanha para primeiro-ministro, deixando as minudências internas para uma equipa. Ele, Rio, vai fazer oposição a António Costa, dispensando-se das questões de debate entre portas, até porque todo o país o conhece. Abriu uma única exceção para a Madeira. No fundo, deixou Rangel a falar sozinho e furtou-se a quaisquer debates diretos sobre a liderança, fugindo ao debate de ideias e diminuindo as diretas que, na verdade, são as primárias para candidato a chefe do governo. Para Rio, vale tudo para ficar no lugar e chegar a primeiro-ministro, mesmo à conta da subversão da democracia interna. Convenhamos é que não tem falta de imaginação para inventar pretextos para não debater a sua liderança.
6. Alterar as regras eleitorais no meio das corridas é uma tentação nacional recorrente. No PSD, Rangel conseguiu travar Rio. Curiosamente, nas eleições para a Associação Mutualista Montepio têm-se verificado também algumas tentativas de mexer em certas coisas, subvertendo o estabelecido. Os mutualistas são mais de 600 mil. Muitos estão distantes do que se passa na instituição. Mas era bom que se mobilizassem e não deixassem passar certas manobras de secretaria que têm levado a que a associação tenha sido sistematicamente controlada por um grupo concreto e pouco capaz de gerir. É tempo de regenerar a organização.
7. Foi escrito aqui, há mais de um mês, que o terceiro movimento de vacinação estava a correr mal. E está mesmo, como mostram noticias recentes de uma comunicação social que finalmente começou a reagir. Também se disse que íamos a caminho de uma nova vaga, provavelmente mais fraca, mas que pode impor restrições. Caminhamos nesse sentido. Disse-se ainda que, além da vacina, é preciso um medicamento. Já na altura se sinalizou que ele vinha a caminho e agora a Pfizer confirma. É um grande sinal positivo! No meio desta turbulência, falta o rosto de alguém que assuma as responsabilidades. A DGS, Graça Freitas, substituiu-se ao vice-almirante e não dá conta do recado. O oficial agora é vedeta (humana e não navio ligeiro). Aguarda funções de Estado ao nível top. Assim seja. Mas é bom lembrar que há nas forças armadas muitos oficiais tão capazes como Gouveia e Melo e menos dados ao mediatismo. O facto é que na ausência de uma voz de comando marca-se passo.