“Em Portugal a opção nuclear não serve”

“Em Portugal a opção nuclear não serve”


Por mais que França tente puxar pelo nuclear, e que a China esteja a investir, Portugal não tem motivos para apostar nesta energia, assegura João Peças Lopes.    


Portugal sempre esteve um pouco à parte na discussão sobre a energia nuclear, até mesmo na segunda metade do último século, quando a corrida ao nuclear varreu o globo, à boleia da Guerra Fria. Agora, com o receio de que as energia renováveis não cheguem para suprir a transição verde e que o nuclear possa ser uma outra opção sem emissões significativas de gases com efeito de estufa, Lisboa assistiu enquanto Berlim e França se digladiavam em surdina nos bastidores da COP26 – no seio da União Europeia, uma série de países, liderados por França, que obtém mais de 70% da sua eletricidade de reatores nucleares, tenta rotular esta energia de verde, para aceder a subsídios europeus, enquanto outros países, encabeçados pela Alemanha, com longa história de movimentos antinucleares (ver páginas 10-11), se opõem, avançou a Associated Press. 

Contudo, em tempos, também em Portugal se ouviram vozes exigindo produção de energia nuclear. Logo nos anos 70, ainda durante o Estado Novo, o assunto veio à baila: a então Companhia Portuguesa de Energia (CPE) falava de uma central nuclear em Ferrel, perto de Peniche, a meio caminho entre Lisboa, Porto e Coimbra. Em democracia, lá voltaria o tema, levando a população de Ferrel a insurgir-se, em 1976, muitos deles munidos de forquilhas e bastões, outros montados em tratores, para impedir o começo dos trabalhos de construção. A revolta de Ferrel inspiraria a música Rosalinda, de Fausto, e sairia vitoriosa anos depois, na década de 1980, quando o Governo de Cavaco Silva enterrou esses planos nucleares. Volta e meia, voltava-se a falar deste tema sensível, com propostas como a do empresário Patrick Monteiro de Barros, em 2005, mas a ideia nunca receberia luz verde do Governo de José Sócrates, decidido a apostar tudo nas energia renováveis. 

A questão é que o nuclear nunca foi uma opção que fizesse sentido, garante João Peças Lopes, professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e diretor associado do INESC TEC. “Costumo dizer aos meus alunos: nem precisamos de ir para as questões da segurança dos reatores nucleares, os riscos de contaminação de com águas radioativas, as emissões para a atmosfera, ou da questão de onde armazenar os resíduos. Antes disso, há questões técnicas e económicas pelo qual isso não servem para Portugal”, assegura o docente.

Passando a explicar. “Quando se falava disso, na época de 80, pretendia-se construir uma central nuclear com uns mil megawatts. E o sistema elétrico português – que foi evoluindo, hoje tem uma capacidade significativa, porque investiu muito nas energias renováveis – há vinte, trinta anos, teria uns dez mil megawatts de potência instalada. Ou seja, estaríamos a fazer depender de uma única unidade uma parcela importante das necessidades elétricas do país”, diz. “Isso põe em risco a segurança de abastecimento, porque essas unidades, como qualquer outras, têm sempre avarias, períodos de manutenção, e isso implicava ter uma quase duplicação dessa capacidade, para ficar de reserva. Isso significa custos adicionais, claro”, um problema que se mantém, assegura. 

Será que a recente promessa de França, durante a COP26, de apostar em reatores nucleares cada vez mais pequenos, baratos, feitos em série, poderia resolver o problema? “Estou para ver quando é que isso vai acontecer”, reage Peças Lopes, descrente. “Quando isso acontecer, voltamos a falar”, continua. “Estes são sempre sistemas extremamente sensíveis, extremamente sofisticados, com exigências de seguranças enormes”. 

Ainda assim, Portugal ainda vai beneficiando de alguma energia nuclear comprada a Espanha ou França – no terceiro trimestre de 2021, 0,65% da eletricidade providenciada pela EDP a residências e pequenos negócios, no plano não-verde, tinha origem nuclear, e 0,64% no que tocava a empresas. Agora, com Espanha a planear encerrar as suas centrais nucleares nos próximos 15 anos, a começar com Almaraz, mesmo essa fração mínima diminuirá. “Resta saber se o plano vai para a frente, com a forma como o preço dos combustíveis está a evoluir”, ressalva o professor da FEUP. 
Mesmo o facto de as energias renováveis não serem sempre fiáveis – em alguns dias do ano pode faltar o sol para a energia solar, o vento para eólica, ou a água para a hidroelétrica – e a nuclear ser das poucas energia firmes sem emissão de CO2 não convence Peça Lopes. “Este sistema exige potência firme, mas também exige potência firme flexível”, reflete.  Ou seja, que permita aumentar a produção elétrica momentaneamente, quando faz falta, e a energia nuclear “tem uma produção constante, não tolera grandes variações ao longo do dia ou da semana, não foram feitos por isso”. 

Para o professor catedrático, a solução pode passar pela queima de gás natural de reserva nesses momentos, com sequestro de carbono, para que não vá parar à atmosfera. Ou então até tem uma proposta bem mais ambiciosa, que tem andado a investigar, a produção de hidrogénio verde, fabricado com energia renovável, nos momentos em que há potência desaproveitada na rede. 

“Somos dos países europeus com maior capacidade de armazenamento de gases como o hidrogénio em cavernas subterrâneas, naturais”, sobretudo na zona do Carriço, ao sul da Figueira da Foz, sublinha João Peças Lopes. Aliás, é nesse género de cavernas que são armazenadas a reservas estratégicas de gás natural. “Há pessoas que dirão que a eficiência é muito baixa, é verdade, hoje, com a tecnologia que temos, anda pelos 40%. Mas nos próximos dez anos, vinte anos irá subir”, nota. E mais vale isso que desperdiçar energia renovável excedentária.