Produtos. Preços disparam pós-pandemia

Produtos. Preços disparam pós-pandemia


Dos hortícolas ao leite, dos táxis à falta de carros, o período pós-pandémico no país tem sido marcado por um aumento gradual nos preços dos bens e serviços. Agora, com o aumento do preço dos combustíveis, a situação agravou-se, e há já registo de escassez de produtos.


Por José Miguel Pires e Sara Porto

Já viu isto? Aumentaram-me este queijo em um euro – custava menos de três – e já protestei com o fornecedor», diz-nos a dona Lurdes, uma figura do mercado de Santos, em Lisboa. «Protestei porque a qualidade não aumentou», explica, enquando olha para a banca da sua charcutaria acrescentando ao Nascer do SOL que vários produtos ficaram mais caros na última semana. Se no mercado de Santos ainda não se sente um aumento muito acentuado, já numa das principais grandes superfícies fornecedoras da restauração lisboeta, a Makro, a conversa é outra. Praticamente toda a carne importada teve aumentos significativos. «Costumo comprar bifes do lombo do Brasil que custavam 13,99, sem IVA, e agora estão a 17,99, sem IVA. Também o peixe galo e o polvo tiveram aumentos muito significativos. O polvo que comprava a oito euros, agora está a 12. O peixe galo é a mesma coisa. É óbvio que vou ter de aumentar os preços no restaurante», diz Luís Manuel, dono de um restaurante em Belém. E sente a falta de alguns produtos, questionamos. «Não, só algumas bebidas alcoólicas é que estão em falta» Já noutros supermercados houve clientes que ficaram admirados com a inflação de produtos como a couve-flor e as alfaces. 

É este o panorama que o Nascer do SOL vislumbrou, ao procurar, por entre os portugueses, como têm sido as experiências nos supermercados e nas lojas de retalho pelo país, numa altura em que se fala da escassez de determinados produtos e no aumento dos preços dos mesmos – especialmente aqueles que são importados -, em muito associados ao aumento do preço do combustível, bem como aos problemas globais que se vivem em termos de transportes de bens e matérias-primas. Os mesmos problemas que têm causado crises um pouco por todo o mundo, fazendo aumentar globalmente o preço dos bens. Na Alemanha, por exemplo, a inflação já atingiu uns estrondosos 4,6%, o maior valor nos últimos 28 anos.

O cenário atual em Portugal é de escassez de alguns produtos, mas ainda não há falhas graves. Já na semana passada, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), tinha garantido ao i que «não vamos ter prateleiras vazias», e que «é escusado estarmos com alarmismos». 

Papel mais caro

O caso do papel é curioso. Esperam-se no setor, segundo sabe o Nascer do SOL, aumentos de 40% no próximo mês de janeiro, por exemplo, no preço do papel para a impressão de jornais, revistas e livros. «Especialmente na Europa, antes da pandemia, a procura do papel estava baixa, portanto havia excesso de papel. Entretanto, houve fábricas que fecharam e agora, com a nova procura do papel os preços aumentaram», explicou ao Nascer do SOL fonte do setor.

«O papel para a imprensa europeia vem do norte da Europa, ou mesmo da Europa central, com o aumento do combustível, acaba por influenciar o preço final», revelou a mesma fonte. 

O caso dos jornais é específico, até porque «há fábricas que, ao invés de fazerem papel para jornais, ou para livros e revistas, acabaram por deslocar a produção para o cartonado, no fundo, para a embalagem».

Junta-se ao papel de jornal, nos produtos que verão os preços aumentar, o papel higiénico, rolos de cozinha e também guardanapos, por exemplo.

Leite a 30%

Jorge Oliveira, presidente da Associação dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP), revelou ao Nascer do SOL que, efetivamente, é inevitável um aumento no preço do leite e derivados nos próximos tempos. «Está tudo a aumentar os preços na ordem dos 20-30%. Todos os produtos que compramos, na produção, fertilizantes, produtos para alimentar os animais, tudo aumentou nessa proporção. O que está a acontecer é que, para nós produtores, tivemos um aumento de 1,5 cêntimos, e precisamos de pelo menos mais 6 cêntimos para cobrir o aumento nos custos», revelou o presidente da APROLEP. 

Jorge Oliveira revelou ainda os ‘perigos’ de parar a produção neste momento, relembrando que na indústria do leite «não há uma máquina que podemos simplesmente desligar e ligar», e alertou para a possível escassez destes produtos, que, aliás, nota, já se faz sentir.

A falta de stock de cereais 

Pedro Mota, membro da Anapo (Associação Nacional de Avicultores Produtores de Ovos), revelou ao Nascer do SOL que a associação espera que não se chegue ao ponto «da falta de produtos», no entanto, revela que «o stock de cereais é curto». «Há necessidade de aumentar o preço dos ovos, as matérias primas, embalagens, energia, etc… E os ovos, para o consumidor, continuam ao mesmo preço do tempo que se compravam baixos, ou seja, ainda não foram refletidos os aumentos de preços, muito menos o acréscimo dos custos de produção», elucida. Para Pedro Mota «a necessidade de aumentar preços é grande, os produtores estão descapitalizados, com falências na iminência», revela. 

Carne mais cara

Também os produtos de carne subiram – e subirão – de preço, revelou ao Nascer do SOL fonte da Associação Portuguesa dos Industriais de Carne (APIC). «O aumento de preços é inevitável, face aos vários aumentos que tem havido em todos os fatores de produção».

A difícil obtenção de matérias primas e materiais de embalagem, bem como de mão-de-obra e de motoristas são as razões apontadas para justificar estes aumentos, que, acusou a APIC, não se deverão retrair antes do Natal. «Prevê-se dificuldade no futuro próximo, na obtenção de algumas matérias primas auxiliares e materiais de embalagem. Estima-se que poderão haver aumentos no Natal.»

Uber e táxis mais caros

O setor dos táxis e dos TVDE foi dos que mais sofreu e sofre. Muitos ‘uberistas’ foram à falência durante a pandemia e agora há muito menos oferta. «Em termos de preços, neste momento, a Uber e a Bolt portam-se muito mal com os motoristas, pois meteram preços reduzidos para os clientes. Chama-se Ubercyber e Bolteconomic (os dois são abaixo de custo). Com o preço a que está o combustível eu não os pratico. Desligo essas aplicações. Mas temos colegas que os praticam, infelizmente. A maior parte deles estrangeiros que aqui trabalham e que vivem 20 numa casa», começou por explicar um motorista dessa aplicação ao Nascer do SOL, que depois partiu diretamente ao cerne da situação: «Os preços estavam exorbitantes [na passada quinta-feira]. Não havia metro e a procura foi muita. São eles que fazem os preços, não somos nós… Nós só podemos optar por ou fazer o preço mais reduzido, ou o mais alto». 

Para além disso, elucidou o condutor, «desde que a pandemia ‘acabou’ os tempos de espera aumentaram, bem como os preços». «Porque há muito menos carros a funcionar. Há muitos motoristas à procura de carros e não os há… Não há carros para venda. Queres comprar um carro hoje e estás, no mínimo, seis meses à espera. Obviamente que isso faz com que os preços aumentem muito porque a procura é maior do que a oferta.» O Nascer do SOL sabe que, para além da escassez de carros, também existe uma falta de peças, levando uma simples reparação a levar mais de um mês. Resumindo: não há carros e os que existem quando se avariam têm de ficar parados até que as peças necessárias cheguem do exterior. O que poderá levar uma eternidade…