A data de 30 de Janeiro, ontem anunciada ao país pelo Senhor Presidente da República, para as próximas eleições legislativas antecipadas, em resultado da dissolução da Assembleia da República, atribuem uma margem de manobra temporal, evidentemente necessária aos partidos políticos que estão, neste momento, a atravessar uma situação de normalidade democrática interna com marcação de eleições directas e congressos electivos ordinários que visam clarificar, respectivamente, as suas lideranças e eleger os órgãos políticos e dirigentes, bem como assim, procederem à elaboração das listas com que se irão apresentar a sufrágio, pois se não há democracia representativa sem partidos, por maioria de razão, não poderia haver eleições sem que os partidos políticos, principalmente os que têm inequívoca e indiscutível representação parlamentar e forte dimensão e enraizamento popular na sociedade portuguesa, estivessem efectivamente em condições mínimas de as disputar em pé de igualdade com os demais adversários concorrentes.
Mas, colocando agora de parte as razões e os artefactos subjacentes à actual crise política aberta pelo chumbo, na Assembleia da República, do Orçamento do Estado para 2022, o que verdadeiramente está em causa nas próximas eleições legislativas é a nossa real situação económica e financeira enquanto Estado-nação, membro de pleno direito da União Europeia, que não mais deve ser escondida nem sonegada aos portugueses, fazendo-se todas as contas de forma séria sobre o que temos pela frente nos próximos anos e décadas.
O que está realmente em causa nas próximas eleições legislativas, independentemente da data em que irão ocorrer e que agora está indiscutivelmente decidida, é sabermos com o que contamos dos respectivos partidos políticos e seus líderes e demais candidatos à Assembleia da República e, indirectamente, nos termos da Constituição da República Portuguesa, candidatos ao próximo Governo de Portugal.
Mais do que perder tempo com intermináveis e estéreis discussões sobre as culpas (várias e diferentes) do passado que já ninguém poderá mudar – e que são repartidas, obviamente, pelos partidos políticos que governam o país há 45 anos – o que verdadeiramente importa é conhecermos, em rigor, as respostas que todos os partidos políticos que vão a jogo têm de nos saber dar, na ponta da língua, quanto ao que querem fazer deste, e neste, país.
E, para além dos partidos políticos, cada um de nós – cidadãos, eleitores e contribuintes – tem também o dever de fazer um esforço em saber dizer o que é que pretende do, e para o, seu país. Todos e cada um de nós devemos de nos perguntar e saber responder um conjunto vasto de questões e, em função dessas respostas, procurar correspondência ou como agora se usa um “match” relativamente aos programas dos vários partidos políticos em concorrência no sufrágio eleitoral e votar mais com a razão, ou seja, de acordo com esse “match” e menos com emoção, isto é, com a afinidade quase irracional da ligação umbilical a um mero emblema.
A política partidária dos anos 20 deste século XXI já não se coaduna com a forma clubística com que tem sido vivido o actual regime democrático oriundo do 25 de Abril de 1974!
Para além disso, deve, quanto a mim, estar presente um outro princípio norteador que tem a ver com a credibilidade das propostas apresentadas e da sua exequibilidade, bem como assim, da credibilidade que transmitem e da confiança que geram os seus respectivos proponentes. Sendo certo que essa é uma avaliação comportamental que não dispensa um juízo de valor que cada um dos cidadãos eleitores e abstencionistas farão no momento das suas livres escolhas em 30 de Janeiro próximo.
Nas democracias pós-modernas e realmente avançadas que medem o seu sucesso não apenas pelo crescimento económico – que no nosso caso é absolutamente decisivo e imprescindível – mas sim por um conjunto de vários outros indicadores como por exemplo taxas de felicidade das suas respectivas populações, caso ainda não se tenha apercebido, são países cujo pragmatismo venceu há muito e completamente o dogmatismo na forma como são governados e na maneira como os respectivos partidos políticos se comportam quando são titulares do poder executivo, mas também quando estão na oposição.
Quererá isso dizer que os partidos deixaram de ser ideológicos ou que estamos também perante o fim das ideologias? Não creio. Não estamos é perante ideologias de aplicabilidade coerciva cuja finalidade e objectivo se encerre em si mesmas. São, antes, ideologias democráticas com uma correlação real à promoção e concretização do bem-estar individual, seja económico, cultural e social, resultante da vontade expressa pela livre escolha em eleições, muito mais participadas pelos seus cidadãos eleitores, e que se percebe, devidamente esclarecidos, conscientes e, acima de tudo, extremamente exigentes com quem os governa e com a forma com que se gastam recursos financeiros públicos, ao contrário do que ocorre noutras latitudes democráticas cada vez menos sadias, como é, infelizmente, o caso português.
Creio que também em Portugal é já tempo de pormos todas as perguntas em cima da mesa e de tudo questionarmos com vista à optimização deste país que tem todas as condições para ser muito mais do que isto em que se tornou nos últimos 20 anos de completa estagnação económica e consequente retrocesso social.
Admito, porém, embora jamais possa concordar, que os portugueses se tenham resignado de tal ordem que nada queiram efectivamente mudar. Que não se importem mesmo que tudo vá piorando sucessiva e consecutivamente como é visível da análise dos mais variados indicadores disponíveis. Acredito que haja já na nossa sociedade, cada vez mais enfraquecida e ludibriada por uma classe política medíocre dominante, uma dependência do Estado que impeça as pessoas de pensar e de agir livremente com medo de perderem o pouco que têm, julgando que é o Estado quem tudo lhes dá.
Que noção terá hoje o nosso povo quanto ao que é ser contribuinte?
Que Portugal queremos para o presente e para o futuro? Que tipo de país, concretamente, queremos ser daqui para a frente?
Em que áreas da nossa economia vamos e devemos apostar? O que precisamos desenvolver? O que gostaríamos de criar? Onde sentimos maior facilidade e mais capacidade de sermos melhores do que outros?
Que tipo de educação queremos para as nossas crianças e jovens? Manter o que hoje temos com escolas públicas a custarem mais dinheiro aos contribuintes do que as propinas das privadas mas sem terem a possibilidade de escolher em qual delas podem matricular os seus filhos?
Que modelo de saúde queremos para os portugueses e para Portugal? Um SNS estritamente público a dar o máximo de si mas sem resultados brilhantes por pura cegueira dogmática e ideológica ou um Sistema Nacional de Saúde que envolva toda a rede pública e privada de cuidados médicos tendo como primado, única e exclusivamente, o utente?
Que modelo político-administrativo queremos ter? O que hoje existe? Faz sentido num país com esta dimensão geográfica e territorial quanto populacional, um mapa administrativo com 308 autarquias locais? E as actuais 3.091 juntas de freguesia? (lembro apenas que eram 4.259 antes da reforma imposta pela Troika e que se preparam para ser revertidas mais 600 entretanto aprovadas por este Governo de António Costa) Porquê? Para quê? Com que ganhos de eficiência e de custos?
Que modelo queremos ter na administração indirecta do Estado? Será lógico, quanto imprescindível, manter empresas megalómanas falidas no domínio público? Empresas como a TAP – mas também aquela outra regional açoriana SATA – ou a CP só para citar três monstros sorvedouros que sugam insaciavelmente recursos financeiros de dimensões absurdas de dinheiro dos contribuintes que que simplesmente não dispomos e que tanta falta fazem noutras áreas bem mais importantes e urgentes? Ou pura e simplesmente alienamos isto tudo, desonerando o Estado desta monstruosidade, e focamo-nos naquilo que é essencial?
Como continuaremos a financiar tudo isto sem que nada mude?
Há alguma consciência de que o país perdeu, num ápice, mais de 200.000 habitantes em apenas 10 anos e que não temos garantias nenhumas de inverter a tendência, pelo contrário, tudo indica que seremos ainda muito menos em 2031?
Como vamos então financiar o Estado cada vez maior e mais caro se somos cada vez menos a contribuir?
Perante isto temos ou não teremos de fazer escolhas e tomar opções concretas no que ao financiamento do Estado, pela via de impostos, diz respeito?
Sentimo-nos bem, como sociedade que trabalha e dá o máximo de si todos os dias, em ver sistematicamente o nosso país no fim da tabela de todos os estudos comparativos, divulgados quase diariamente pelo Instituto Mais Liberdade – cujo trabalho tem sido notável desde a sua fundação em Fevereiro passado – bem como de todos os estudos feitos pelas demais entidades nacionais e europeias que apontam para que Portugal seja, pela trajectória que leva, nos próximos 4 a 5 anos, o país mais pobre de toda a União Europeia? Estamos confortáveis com essa situação cada vez mais provável?
Acreditamos ser possível viver eternamente à conta de subsídios europeus? Achamos mesmo que os outros Estados-membros da União Europeia nos vão financiar ad eternum sem nos exigir nada em troca?
Não nos importamos em viver com rendimentos mínimos e pagar impostos máximos?
Estamos de consciência tranquila ao assistir ao empobrecimento acelerado das nossas classes médias que não vêem aumentos salariais há anos consecutivos e que em breve estarão a receber o salário mínimo nacional por mera aproximação deste?
Estas são apenas algumas das perguntas simples que todas as pessoas podem e devem questionar a si mesmas e verificar nas propostas dos partidos políticos o que é que cada um deles tem para nos dizer…
Façamos este exercício sobre aquilo que temos e aquilo queremos e concluiremos, pela nossa própria cabeça, quem nos pode dar essas garantias de manutenção ou de mudança!
Jurista.
Escreve de acordo com a antiga ortografia.