1. Amanhã saberemos o dia das legislativas antecipadas, resultantes da rejeição do Orçamento que o Presidente considerou, desde logo, matéria suficiente para dissolver o Parlamento. Pode-se concordar ou discordar, mas a decisão é absolutamente legítima. Consoante a data escolhida, deturpando factos, muitos pensarão que Marcelo está a apoiar este ou aquele. Na verdade, para garantir a plena democraticidade do ato e uma indispensável equidade, há que dar tempo aos partidos todos de, minimamente, arrumarem a casa. 23, 30 de janeiro ou 7 de fevereiro são datas possíveis, embora a maioria dos partidos prefira 16 de janeiro, o que favorece o PS, Rio e Rodrigues dos Santos, que acabam mandatos e manifestamente querem seguir sem ir a votos internos.
2. A guerra civil em curso no CDS e as clivagens no PPD/PSD (independentemente dos motivos legítimos de cada um dos adversários) são uma benesse para o Chega de Ventura, para o Iniciativa Liberal e, obviamente, para o PS de António Costa. O IL está sereno como o seu líder Cotrim de Figueiredo e tem todas as hipóteses de crescer com a desagregação do CDS/PP. O mesmo se passa com o Chega (um partido simultaneamente de protesto e de direita radical) que funciona como um cata-vento, como se tem visto nas autarquias em que elegeu representantes. Há notícia de acordos pontuais com o PCP, com o PS e com o PSD. Ventura remata para onde está virado. Funciona como um caudilho e é eficaz. Só a compreensão do voto útil no PSD ou uma improvável coligação à direita pode limitar o seu crescimento. De facto, uma coligação da direita moderada, tipo Moedas, poderia talvez atingir os 43% suscetíveis de dar maioria absoluta. É o caminho que Rangel gostaria de traçar, se ganhasse. Mas não vai ter tempo e as tensões são tão grandes internamente em cada partido que já seria surpreendente o CDS sobreviver e que os PPD’s e os do PSDs, ou seja lá o que são nesta altura, se coligassem minimamente na feitura de listas do partido que Sá Carneiro fundou com tanto sacrifício e coragem.
3. Por seu lado, o Bloco e o PCP foram apanhados na contradição absoluta de rejeitarem o OE e não quererem eleições. Assim sendo, o PS de Costa ganha potencial de manobra e eventualmente de crescimento. Embora seja altamente duvidoso que atinja uma maioria absoluta, está, no mínimo, bem posicionado para ser o mais votado. Depois logo se verá, mesmo que uma solução governativa leve até mais tempo a constituir do que os 54 dias que conduziram ao difícil parto da ‘‘geringonça’’. Haverá sempre uma solução, mesmo que passe por nova chamada às urnas em pouco tempo. Tem custos? Tem! Mas a democracia é um sistema caro, ao contrário das ditaduras, como se vê na China, por exemplo.
4. Em resumo, os portugueses que votam (e são poucos) vão decidir quem preferem para primeiro-ministro. As opções pré-eleitorais serão António Costa “O Habilidoso”, de um lado. Do outro, teremos Rui Rio, “O Truculento”, ou Paulo Rangel, “O Racional”. Costa está calejado em governação nacional. Rio é inexperiente nesse campo. É determinado ao jeito “quero, posso e mando” e “vai ou racha”, o que não augura uma governação estável. Rangel é sobretudo um tribuno intelectual, mas é capaz de gerar e gerir consensos. À esquerda a escolha está feita. À direita compete aos militantes do PSD, esperando-se que não surjam novas manobras antidemocráticas nas próximas reuniões do partido. Uma tentativa de recalendarização ou de adiamento das diretas seria um golpe interno, um atropelo à democracia, ao jeito do que fez Rodrigues dos Santos no CDS, mas de um modo ainda mais autocrático.
5. Quanto ao Presidente Marcelo há que louvar a circunstância de ter posto logo as cartas na mesa e dito ao que vinha. Surpreendeu por isso e por persistir na procura de soluções junto do PCP, do Bloco e da Madeira. Simultaneamente, criou diversões para a comunicação social. Desta vez foi com uma ida ao Multibanco. A anterior foi andar às voltas de carro da Faculdade de Direito, no dia da sua reeleição, baralhando os jornalistas. Como aqui se escreveu antes da reeleição, ninguém podia esperar que ele mudasse. Cada um é como é. Ele é assim: verdadeiramente imprevisível, um pouco inseguro e traquinas. Adora estratégias e factos políticos, mesmo que às vezes o deixem atado por um tempo. Mas, reconheça-se, que, apesar disso, não perde o sentido de Estado.
6. Deixemos a política pura. Todos os portugueses estão hoje cientes do caos que reina na área da saúde. O SNS está a colapsar, como se vê pelos hospitais do Estado, dos quais o de Setúbal é o paradigma. A eficácia está também a diminuir em entidades privadas que rebentam pelas costuras, com a multiplicação de seguros de saúde por parte de cidadãos assustados. Qualquer dia, é preciso fixar residência em Espanha para ter médico. Além de múltiplas situações lamentáveis, verifica-se também que, quando se tenta pôr costuras novas ou renovadas em certas unidades públicas, as soluções são muitas vezes inadequadas e frágeis. Que o diga quem se dirija ao Serviço de Doenças Infecciosas do Egas Moniz, em Lisboa. A proliferação de equipamentos no exterior da unidade – provavelmente a única localização possível – faz lembrar uma indústria tradicional. A ausência de sinalética, a entrada pela retaguarda e a exiguidade da sala de espera saltam à vista e desesperam quem ali vai. Vá lá que o contraste é feito pelo atendimento competente e atencioso dado aos utentes, os quais, cada vez mais, têm de ter a dupla designação de doentes e pacientes.
7. Segundo o Observador, a GNR está a analisar vestígios orgânicos e papel higiénico no sentido de provar que o trabalhador atropelado pelo carro do ministro Cabrita não estava propriamente a trabalhar na faixa central da A6, pouco antes de ser colhido. Estas diligências somam-se a outras e a comportamentos no sentido de desresponsabilizar o ministro. É tempo de se exigir o levantamento do segredo de justiça, a responsabilização política do chefe do Governo por encobrimento e de abrir um inquérito ao procedimento da GNR. Eis um caso em que manifestamente a oposição de direita moderada desertou.
8. Foi feita a sinalização do aparecimento de vespas asiáticas no parque Eduardo VII, em Lisboa. Os dados foram devidamente transmitidos a quem de direito, salvo ao ICN (suposto Instituto da Conservação da Natureza), onde não se atendem telefones. Ninguém fez rigorosamente nada, nem contactou a pessoa que deu o alerta (no caso o cronista). Carlos Moedas terá muito que fazer em muitas áreas com a proteção civil municipal e bombeiros. E também com ciclistas e trotinetistas. Até quando vão andar por todo lado sem seguro, colhendo peões, batendo em carros, fugindo a seguir, sem nunca serem incomodados pelas múltiplas forças policiais que todos pagamos?
Escreve à quarta-feira