Por Nuno Jardim Nunes, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico; Presidente do Departamento de Engenharia Informática e Co-PI do Projecto BIGERAChair
O Técnico recebeu um financiamento de 2.5M€ para criar uma iniciativa transversal em design de tecnologias blockchain para problemas sociais. Financiada pelo programa Horizon 2020, no âmbito das Cátedras do espaço europeu de investigação (ERAChair), o projeto BIGERAChair tem como objetivo atrair uma equipa interdisciplinar que permita posicionar o Técnico na liderança europeia da investigação nestas tecnologias e nas suas aplicações.
Popularizada pelas criptomoedas, em particular a bitcoin, a blockchain é um registo digital partilhado e inalterável que facilita o processamento de transações e rastreamento de ativos. Um ativo pode ser tangível (uma casa, carro, dinheiro, terreno) ou intangível (propriedade intelectual, patentes, direitos de autor, marcas).
Praticamente qualquer ativo pode ser rastreado e negociado numa rede baseada na tecnologia blockchain, reduzindo o risco e os custos para todos os intervenientes envolvidos. A grande vantagem dos registos distribuídos é que não necessitam de qualquer controlo centralizado (por exemplo um banco um governo ou uma instituição com reputação) o que os torna simultaneamente confiáveis e robustos. Mais uma vez o exemplo da bitcoin demonstra isso, recentemente a China baniu as operações em criptomoedas.
Apesar de lá estarem grande parte dos computadores que constituem a rede da bitcoin ela foi capaz de se reconstruir rapidamente noutras geografias. Esta resiliência das redes distribuídas acaba por se tornar um grande ativo para os defensores destas tecnologias. O seu impacto até na organização de sistemas democráticos e de participação de cidadãos cresce diariamente.
No âmbito deste projeto o primeiro objetivo era recrutar uma pessoa de grande experiência internacional para liderar a cátedra. A escolha recaiu sobre a Professora Catherine Mulligan, doutorada em Cambridge e cofundadora do centro de investigações em criptomoedas do Imperial College em Londres.
Com um perfil que combina informática, design e economia a Professora Mulligan traz uma importante experiência industrial para o Técnico, quer em empresas tecnológica com o a Ericsson, Vodafone e Fujtsu, quer a nível institucional como o Future Cities Catapult, o Fórum Económico Mundial, das Nações Unidas e da Fundação Bill e Melinda Gates onde colaborou em grupos estratégicos importantes na definição de políticas de colaboração digital.
A iniciativa transversal proposta tem a designação de DCentral Lab (dcentral-lab.org) e inclui a ligação aos grupos de investigação existentes no Instituo de Tecnologias Interativas do LARSyS e também do Grupo de Sistemas Distribuídos do INESC-ID (liderado pelo meu colega e co-PI deste projeto Rodrigo Rodrigues).
Para a equipa do DCentral Lab foram já recrutados cinco novos professores da arquitetura ao design, e dos sistemas distribuídos à economia, permitindo que o Técnico a partir de 2022 tenha massa crítica para uma agenda ambiciosa em blockchain.
A diversidade e interdisciplinaridade da equipa garante que o Técnico poderá, não só responder às necessidades do ecossistema empresarial, como introduzir iniciativas científicas e pedagógicas inovadoras nos mais variados cursos e departamentos.
Embora a equipa ainda esteja a ser formada já estão em fase de proposta avançada colaborações com empresas líderes como a Anchorage (fundada pelo Diogo Mónica ex-aluno do Técnico) e a Feedzai (criada a partir da parceria Carnegie Mellon Portugal). Com estas empresas, a equipa do DCentral está a discutir o futuro dos serviços financeiros sobre tecnologia blockchain (desde serviços de custódia a deteção de fraude). Estão também em fase avançada negociações com algumas das mais importantes fundações associadas às mais populares criptomoedas.
Este projeto é importante porque a expectativa é que as tecnologias blockchain tenham um impacto na economia dos dados como a internet teve para as comunicações. O período que estamos a viver, e que muitas vezes é apenas divulgado através dos movimentos especulativos das criptomoedas, é em tudo semelhante ao que aconteceu com a internet no final dos anos 90.
A blockchain é muito mais do que a bitcoin e poderá ter um forte impacto nas economias desde as indústrias criativas às cadeias de distribuição, energia, sustentabilidade e naturalmente os mercados financeiros que estão já a sofrer um forte impacto. É precisamente por esta natureza disruptiva que a equipa criada é altamente interdisciplinar.
As soluções inovadoras raramente emergem da engenharia pura e dura. Por exemplo, uma das áreas em maior crescimento da blockchain são as NFTs que emergem das áreas criativas criando um novo mercado sem intermediação e uma nova estética ligada ao digital. A equipa do DCentral tem pessoas capazes de compreender estes fenómenos, falar diferentes linguagens e transferir ideias e soluções entre os mais variados domínios e aplicações.
É assim com grande expectativa que iremos lançar o DCentral Lab do Técnico na próxima semana. Um laboratório aberto a alunos, investigadores, professores, empresas, associações e instituições não governamentais que queiram explorar esta tecnologia.
A expectativa é de que dentro de três ou quatro anos o Técnico possa ser uma referência nesta área, não só na tecnologia, mas também nos processos e métodos, nos novos serviços e economias que vão com certeza surgir a partir do talento que conseguimos atrair. Estamos ainda na infância de uma nova revolução e quem sabe não podem sair do DCentral novas empresas líderes de mercado.