O Inverno do nosso descontentamento


O facto de o Presidente da República ter ameaçado com a dissolução do Parlamento em caso de não aprovação do Orçamento só serviu para incentivar o seu voto contra. 


Estava escrito nas estrelas que os partidos da extrema-esquerda iriam faltar com o apoio ao Governo no primeiro momento em que este deixasse de satisfazer as suas cada vez maiores exigências. Na verdade, quer o PCP, quer o BE, são partidos de protesto, cujo alinhamento com o Governo prejudica imenso a relação que têm com os seus eleitores, como se viu pelas sucessivas derrotas eleitorais que foram acumulando nos últimos seis anos.

Não é por isso de esperar que dêem apoio a qualquer Orçamento de Estado que não ponha em causa as contas públicas. O facto de o Presidente da República ter ameaçado com a dissolução do Parlamento em caso de não aprovação do Orçamento só serviu para incentivar o seu voto contra. Como se refere na fábula, o escorpião não deixa de picar a rã, mesmo que vá ao fundo com ela, uma vez que é essa a sua natureza.

Entretanto, a possibilidade de dissolução do Parlamento apanhou também de surpresa os partidos de centro-direita, que já tinham marcado congressos e eleições para a liderança. Demonstrando uma enorme falta de lucidez, o líder do CDS, e em certa medida também o líder do PSD, procuraram adiar a disputa interna para depois das eleições legislativas.

É evidente que esta iniciativa constitui um tiro de metralhadora nos seus próprios pés, uma vez que a legitimação dos líderes partidários era essencial antes das eleições, não tendo um líder em fim de mandato quaisquer condições de levar um partido a eleições legislativas.

Basta ver que os eleitores se questionarão, aquando do seu voto, se ainda será esse líder que estará em funções quando for a altura de discutir o novo governo, e terão dificuldade em votar num partido que não se sabe que líder terá daí a um mês. Depois de não terem feito qualquer oposição durante vários anos, as lideranças do PSD e do CDS, em lugar de procurarem reforçar a sua legitimidade antes das legislativas, pretendem agora, também à semelhança do escorpião da fábula, afundar os seus próprios partidos na véspera das eleições.

Ao contrário do que tem vindo a ser referido, o Governo também não vai ficar incólume em consequência da dissolução do Parlamento. Vital Moreira, citado ontem neste jornal, tem razão ao afirmar que “constitucionalmente, nada obriga o Governo a demitir-se em consequência em consequência da rejeição do Orçamento ou da dissolução da AR”.

Efectivamente, o art. 195º, nº1, a) da Constituição apenas estabelece a demissão do Governo em consequência do início da nova legislatura, não fazendo a mesma resultar da dissolução do Parlamento. Mas Vital Moreira já não tem razão ao afirmar que “em 2004, houve dissolução parlamentar sem demissão do Governo, que se manteve no exercício normal das suas funções até à instalação do novo parlamento”.

Na verdade, em 2004 Santana Lopes apresentou a demissão do seu Governo a Jorge Sampaio, após a dissolução do Parlamento, e este aceitou-a de imediato, reconhecendo-se assim que existia um problema de legitimidade do Governo após a dissolução do Parlamento.

Efectivamente, dependendo no nosso sistema político o Governo do Parlamento, e tendo a rejeição da proposta de Orçamento um claro sentido político de desconfiança do Parlamento no Governo, parece haver um excessivo formalismo jurídico quando se defende não haver quaisquer consequências políticas para o Governo da dissolução do Parlamento.

O Governo vai ficar assim fragilizado em consequência desta dissolução e, a menos que obtenha uma maioria absoluta nas eleições, António Costa já não terá um projecto político para o país, agora que o muro de Berlim, que separava os partidos de extrema-esquerda do PS, acabou de ser reerguido por aqueles. E afinal alguém esperava que o PCP e o BE fossem a favor do derrube do muro de Berlim?

O Presidente da República também não sai muito melhor desta história. Não fazia qualquer sentido ter ameaçado com a dissolução do Parlamento em consequência da rejeição do Orçamento, colocando uma pressão no Parlamento que nada justificava, pois é o Governo que depende do Parlamento e não o contrário.

E agora iremos ter eleições na pior altura possível, com uma pandemia que ainda não acabou, uma crise energética que vai desencadear inflação e uma ainda maior crise económica, sem perspectivas de se obter uma solução de governo estável no novo quadro parlamentar. O próximo Inverno corre assim o risco de vir a ser o Inverno do nosso descontentamento.

O Inverno do nosso descontentamento


O facto de o Presidente da República ter ameaçado com a dissolução do Parlamento em caso de não aprovação do Orçamento só serviu para incentivar o seu voto contra. 


Estava escrito nas estrelas que os partidos da extrema-esquerda iriam faltar com o apoio ao Governo no primeiro momento em que este deixasse de satisfazer as suas cada vez maiores exigências. Na verdade, quer o PCP, quer o BE, são partidos de protesto, cujo alinhamento com o Governo prejudica imenso a relação que têm com os seus eleitores, como se viu pelas sucessivas derrotas eleitorais que foram acumulando nos últimos seis anos.

Não é por isso de esperar que dêem apoio a qualquer Orçamento de Estado que não ponha em causa as contas públicas. O facto de o Presidente da República ter ameaçado com a dissolução do Parlamento em caso de não aprovação do Orçamento só serviu para incentivar o seu voto contra. Como se refere na fábula, o escorpião não deixa de picar a rã, mesmo que vá ao fundo com ela, uma vez que é essa a sua natureza.

Entretanto, a possibilidade de dissolução do Parlamento apanhou também de surpresa os partidos de centro-direita, que já tinham marcado congressos e eleições para a liderança. Demonstrando uma enorme falta de lucidez, o líder do CDS, e em certa medida também o líder do PSD, procuraram adiar a disputa interna para depois das eleições legislativas.

É evidente que esta iniciativa constitui um tiro de metralhadora nos seus próprios pés, uma vez que a legitimação dos líderes partidários era essencial antes das eleições, não tendo um líder em fim de mandato quaisquer condições de levar um partido a eleições legislativas.

Basta ver que os eleitores se questionarão, aquando do seu voto, se ainda será esse líder que estará em funções quando for a altura de discutir o novo governo, e terão dificuldade em votar num partido que não se sabe que líder terá daí a um mês. Depois de não terem feito qualquer oposição durante vários anos, as lideranças do PSD e do CDS, em lugar de procurarem reforçar a sua legitimidade antes das legislativas, pretendem agora, também à semelhança do escorpião da fábula, afundar os seus próprios partidos na véspera das eleições.

Ao contrário do que tem vindo a ser referido, o Governo também não vai ficar incólume em consequência da dissolução do Parlamento. Vital Moreira, citado ontem neste jornal, tem razão ao afirmar que “constitucionalmente, nada obriga o Governo a demitir-se em consequência em consequência da rejeição do Orçamento ou da dissolução da AR”.

Efectivamente, o art. 195º, nº1, a) da Constituição apenas estabelece a demissão do Governo em consequência do início da nova legislatura, não fazendo a mesma resultar da dissolução do Parlamento. Mas Vital Moreira já não tem razão ao afirmar que “em 2004, houve dissolução parlamentar sem demissão do Governo, que se manteve no exercício normal das suas funções até à instalação do novo parlamento”.

Na verdade, em 2004 Santana Lopes apresentou a demissão do seu Governo a Jorge Sampaio, após a dissolução do Parlamento, e este aceitou-a de imediato, reconhecendo-se assim que existia um problema de legitimidade do Governo após a dissolução do Parlamento.

Efectivamente, dependendo no nosso sistema político o Governo do Parlamento, e tendo a rejeição da proposta de Orçamento um claro sentido político de desconfiança do Parlamento no Governo, parece haver um excessivo formalismo jurídico quando se defende não haver quaisquer consequências políticas para o Governo da dissolução do Parlamento.

O Governo vai ficar assim fragilizado em consequência desta dissolução e, a menos que obtenha uma maioria absoluta nas eleições, António Costa já não terá um projecto político para o país, agora que o muro de Berlim, que separava os partidos de extrema-esquerda do PS, acabou de ser reerguido por aqueles. E afinal alguém esperava que o PCP e o BE fossem a favor do derrube do muro de Berlim?

O Presidente da República também não sai muito melhor desta história. Não fazia qualquer sentido ter ameaçado com a dissolução do Parlamento em consequência da rejeição do Orçamento, colocando uma pressão no Parlamento que nada justificava, pois é o Governo que depende do Parlamento e não o contrário.

E agora iremos ter eleições na pior altura possível, com uma pandemia que ainda não acabou, uma crise energética que vai desencadear inflação e uma ainda maior crise económica, sem perspectivas de se obter uma solução de governo estável no novo quadro parlamentar. O próximo Inverno corre assim o risco de vir a ser o Inverno do nosso descontentamento.