E, se de repente, um míssil hipersónico…


Um desenvolvimento tecnológico disruptor trará a China para a negociação de um novo regime de controlo de armamento nuclear. Esta será a boa notícia.


A melhor garantia de uma paz duradoura assenta na convicção, por parte dos potenciais beligerantes, de que a guerra terá custos insuportáveis. Com a certeza da desaparição de toda ou grande parte da população, a paz perdura. Esta conclusão em sido provada pela história, por certo desde a guerra fria. A Mutual Assured Destruction (MAD) inerente a uma guerra nuclear manteve de boa saúde a esmagadora maioria das populações do hemisfério Norte. A existência de armas capazes de eliminar a espécie humana é, ironicamente, uma condição de sobrevivência da dita espécie. Com duas condições. A primeira exige a generalização do acesso à arma exterminadora. No caso do armamento nuclear bastaram, pelo volume, os arsenais das duas superpotências, não foi necessário distribuir o armamento nuclear a todos os Estados, servem as protecções multilaterais e bilaterais fornecidas por EUA e Rússia. A segunda condição exige a possibilidade de resposta efectiva a um ataque nuclear: depois de um primeiro ataque a “vítima” conserva capacidade de reacção contra o atacante. Tal resulta do extenso arsenal nuclear e do ainda mais extenso conjunto de vectores de projecção estratégicos (mísseis balísticos, submarinos, navios de alto mar, aviões) e tácticos (mísseis de curto alcance, artilharia).

Ainda durante a guerra fria os EUA tentaram introduzir um novo factor na equação MAD. Cientes das suas capacidades tecnológicas, apostaram na posibilidade de eliminação dos vectores de ataque nuclear. A Strategic Defense Initiative (SDI) promovida por Reagan permitiria a destruição dos mísseis balísticos russos durante a trajectória, evitando as consequências de um ataque nuclear. A “guerra das estrelas”, como ficou conhecida, não chegou a acontecer, não só pelos custos e pelas dificuldades tecnológicas, mas também porque a URSS colapsou.

A SDI deixou como herdeira a defesa contra mísseis balísticos que os EUA têm promovido à volta do respectivo território bem como daquele dos Aliados. Tal implicou a denúncia de uma das grandes conquistas de Nixon, o Tratado dos Mísseis Anti-Balísticos (ABM) assinado por Brejnev em 1972 e denunciado por Bush jr. em 2001. A desaparição do Tratado ABM tem sido um irritante permanente nas relações com a Rússia que considera ter perdido parte da garantia MAD já que os EUA passaram a dispor da capacidade de interceptar mísseis balísticos.

Para recuperar a MAD perdida, a Rússia apostou em várias Wunderwaffen, muitas mais imaginárias do que reais, mas tem tido sucesso com os mísseis hipersónicos. Não obstante o nome, a principal característica deste vector não é a velocidade mas sim a capacidade de alterar rápida e radicalmente a trajectória, tornando muito difícil a intercepção por um sistema de defesa anti-míssil. Já os tradicionais ICBM´s descrevem órbitas parabólicas muito previsíveis, permitindo uma intercepção.

Rússia, China e EUA (com a promessa de não empregarem ogivas nucleares) dispõem de mísseis hipersónicos viáveis pelo que há pelo menos três Estados em condições de eliminar a garantia MAD. Este quadro recomenda uma rápida negociação de um acordo internacional entre os três, reduzindo o número de mísseis hipersónicos que podem ser utilizados por cada Parte bem como do número de ogivas nucleares que lhe estão associadas. Um ataque com vários mísseis hipersónicos pode aniquilar a capacidade de resposta em tempo útil. Já o receio de tal ataque e o curto tempo para uma reacção pode dar origem a respostas precipitadas.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990