Desghosts e Arrayolos. “Quero ser o Stereossauro, não quero ser o Carlos Paredes da eletrónica”

Desghosts e Arrayolos. “Quero ser o Stereossauro, não quero ser o Carlos Paredes da eletrónica”


Depois de atualizar o fado e a música tradicional portuguesa com elementos contemporâneos, no seu novo disco, Desghosts & Arrayolos, lançado na passada sexta-feira, o produtor português, Stereossauro, atirou-se a um lado mais pop da música portuguesa. Jogar pelo seguro? Para o produtor, isto foi um desafio.


Tudo começou quando, um dia, ao voltar para casa, Tiago Norte, alter-ego de Stereossauro, produtor português, estava com a Verdes Anos, uma das maiores composições para a guitarra portuguesa, do lendário Carlos Paredes, presa na cabeça. 

Apesar do músico, na altura, ser mais associado à eletrónica e ao hip-hop, nomeadamente por ser uma das cabeças da dupla Beatbombers, com DJ Ride, a música tradicional portuguesa sempre ocupou um lugar especial na vida do produtor. “Quando ouço Carlos Paredes, sento-me e fico quietinho a ouvir aquilo. Isto é outro tipo de genialidade”, confessa ao i Stereossauro, que, na passada sexta-feira, editou o seu terceiro disco, Desghosts & Arrayolos.

Com a música presa na cabeça, decidiu exorcizá-la ao criar a sua própria versão da Verdes Anos com linguagens mais contemporâneas. 

Podia ter sido um tiro no pé, mas depois de uma receção eufórica por parte do público num concerto, Stereossauro percebeu: “este é o meu caminho”.

Este caminho foi muito bem recebido, tanto pelo público como pela crítica, no seu segundo disco, Bairro da Ponte, onde, tendo como base o fado e a música tradicional portuguesa, conseguiu transportar estes sons de outrora com a ajuda de influências da música eletrónica, do hip-hop e de um vasto leque de convidados, que incluía desde lendas da música portuguesa, como Carlos do Carmo ou Paulo de Carvalho, até talentos firmados da nova geração, como Dino d’Santiago, Nerve ou Papillon. 

O sucesso deste disco podia ter seguido uma sequência lógica com o aprofundar deste universo, mas um caminho lógico e simples não era algo que entusiasmasse Stereossauro.

Depois de oferecer uma nova roupagem à música tradicional portuguesa, Stereossauro, ainda com elementos da guitarra portuguesa e munido de uma armada de nomes firmados como Carlão, Mariza Liz, Aurea, Blaya ou Manel Cruz, decidiu, desta vez, mostrar qual é a sua visão do que é a pop portuguesa. 

 

Que acontecimentos levaram a que fosse agora lançado o sucessor do Bairro da Ponte?

Por mim, teria sido publicado no dia em que ficou concluído, mas existem vários fatores em causa. Este é o sucessor do Bairro da Ponte, mas apenas em termos cronológicos, não quer dizer que seja o Bairro da Ponte 2.0. Não foi isso o que quis fazer. Introduzi elementos que são nitidamente uma viragem de direção. Não vou perder a minha identidade de um dia para o outro. Não vou deixar de incluir a guitarra portuguesa ou fadistas. Na verdade, é algo que já faz parte do meu ADN musical. Não é defeito é feitio. 

O que o motivou a optar por esta mudança de som?

Podia ter seguido esse caminho, que seria lógico para outros artistas, uma vez que o Bairro da Ponte teve uma boa receção, mas não pensei assim. Gosto muito de me por em situações desconfortáveis para sentir alguma “pica” e motivação para continuar a trabalhar. Uma delas foi mudar a maneira como trabalho. Em vez de usar samples, passei a construir alguns desses sons de origem.

Outra das principais mudanças foi a adoção de elementos musicais mais pop. 

Sim, decidi fazer uma aproximação a esse lado da música, que era algo que nunca tinha abordado. Apesar de gostar de ouvir música pop, sempre esteve fora da minha zona de conforto, por isso, era algo que queria muito explorar. Quis fazer um disco que tivesse duas emoções distintas, então surgiu a ideia de fazer o Desghosts, nitidamente mais profundo e melancólico, que é mais a minha praia, e os Arrayolos, que é mais feliz e pop. Mais uma vez é um disco de participações. Não posso dizer que é o “meu” disco, é o “nosso” disco. Existiram muitos tipos de contribuições, por exemplo, com o Manuel Cruz houve uma parceria muito grande sobre qual deveria ser a estrutura da música, o que é que ela precisava ou que energia deveríamos adotar.

Sente que a pandemia ajudou a que estas colaborações fossem para a frente? 

Logo no início, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi: “brutal, agora que ninguém tem concertos, ninguém vai poder recusar os meus convites” (risos). Não podia ter estado mais enganado. Apesar de fazer instrumentais ser algo terapêutico, que me permite estar com a cabeça fora da realidade, escrever letras já não é nada assim. Não posso pedir a um cantautor para esquecer que estamos numa pandemia e escrever uma música pop feliz, a coisa não funciona assim. Acredito que todos passámos por estes altos e baixos constantes, e, por essa razão, decidi adotar o mote de fazer dois lados tão distintos dentro do próprio disco.

Estávamos a falar destes novos elementos pop do disco. Um dos fatores mais interessantes do Bairro da Ponte foi a valorização da música tradicional portuguesa e a sua atualização para um público novo, sente que agora, em Desghosts & Arrayolos, está também a tentar valorizar a música comercial portuguesa?

A palavra comercial é traiçoeira, porque, na minha cabeça, se quisesse fazer um disco comercial teria utilizado apenas elementos de rap ou trap. Para mim, isso seria um disco comercial em 2021, não um disco que tem cantores de indie rock ou indie pop. Se resultar, fixe, mas não é essa a minha abordagem. 

Então vamos trocar a palavra comercial por popular. Em termos de convidados, neste disco encontramos músicos com um maior estatuto em Portugal, enquanto no Bairro da Ponte eram mais artistas emergentes a darem o seu contributo.

Não consigo ver as coisas nessa ótica. Quem me dera ter esses artistas novamente neste disco, não só porque gosto imenso e sou fã do seu trabalho, mas também em termos de exposição mediática. Não podemos analisar só por aquilo que se ouve na rádio ou na internet, porque se formos a ver a pegada digital desses artistas tem um alcance gigantesco, que se calhar nomes com um historial mais longo e associado à música pop neste momento não têm. 

Mas será que essa pegada digital tem tanta influência numa audiência com uma idade mais avançada?

Tento fazer discos com alguma conceptualidade, mas também não vou tão fundo assim. Escolho as pessoas que considero serem certas para cada tema e posso dizer, honestamente, que acho que explorar caminhos mais indie rock poderá ter sido um tiro no pé consciente. Se fosse com o objetivo de criar um disco pop em 2021 não tenho dúvidas que me iria inspirar em estilos como o semba e a música eletrónica, mas esse não é o meu som. Isso seria como ir atrás do sucesso de outros artistas, e não acho que isso nos leva muito longe. Claro que recebo influências do seu trabalho, mas não foi o que me apeteceu seguir neste preciso momento. 

Acha que ter convidado músicos mais populares foi, de certa forma, uma maneira de elevar a fasquia do disco?

Há pessoas que já trazia na minha lista de desejos como a Sara Correia, o Ricardo Ribeiro, o Manel Cruz, o New Max, a Blaya, mas existiram temas que, enquanto estava a trabalhar, identifico com um determinado músico que fazia sentido para a interpretar, porque tem uma história de vida ou atitude certa para a canção. Foi o caso do João Pedro Pais. Não o conhecia muito bem pessoalmente, mas quando fiz o tema Anjo Prateado senti que ele tinha a verdade necessária para cantar esta música. Tenho alguns conceitos pré-definidos quando estou a fazer o disco, mas também deixo a porta aberta a muita casualidade. Não existe uma fórmula para escolher convidados; regra geral são sempre pessoas que admiro e de quem gosto. 

Alguma vez teve uma surpresa desagradável com algum dos seus convidados?

Não conheço nenhum artistas português de quem não goste pessoalmente, mas se houvesse, por muito genial que fosse, não iria querer trabalhar com ele. Felizmente não tenho anticorpos dessa natureza com relação a ninguém. É muito importante existir algum tipo de identificação e empatia entre as pessoas. Regra geral, isso desenvolve-se por eu ser fã do seu trabalho. Por exemplo, o Manel Cruz, conhecendo as letras dele, acho que dificilmente iria partilhar uma opinião que me fosse chocar.  

Sentiu-se ansioso por colaborar com alguns dos convidados deste disco?

De uma maneira ou de outra, senti isso com todos. No caso do Ricardo Ribeiro, queria trabalhar com ele há muito tempo, nem estive à espera que existissem contatos entre editoras ou agentes. Atirei o barro à parede, mandei-lhe uma mensagem, ele respondeu e começámos a trocar algumas ideias. No seu tema, Salto, senti-me um bocado mais seguro, era uma letra com algum significado, sobre a imigração dos anos 1960, sobre portugueses que iam a pé de Espanha até França, para onde iam viver em condições precárias, em bairros de lata. Apesar de ter algum receio, porque queria que fosse bem feita, senti que era um tema forte e que conseguiria puxar o Ricardo para o meu lado. 

Você tem sempre esta preocupação de dar um tratamento “personalizado” aos seus convidados?

Depende. Com o João Pedro Pais, comecei com uma abordagem musical muito mais simples. Quando lhe mostrei o instrumental era só guitarra acústica e instrumentos de cordas. Foi a minha tentativa de não o assustar com uns sons que fossem completamente fora do seu universo (risos). Para minha surpresa ele disse: “gosto da música, mas quero ouvir a versão com as ‘tuas cenas eletrónicas’, não quero fazer uma cena que fizesse sozinho”. Foi uma resposta incrível. A Aurea, que surge na Mais Que Tudo, foi a primeira pessoa que me veio à cabeça quando escrevi a letra porque sei que ela tem influências soul. Mostrei-lhe a maquete, ela disse que tinha gostado, no entanto, perguntou-me se podia oferecer o seu contributo para escrevermos a letra. Fiquei muito satisfeito, primeiro porque sentia que a letra não estava assim tão boa, e segundo porque, se ela tivesse boas ideias a acrescentar, só ficaríamos a ganhar.

 

Existe alguma diferença na performance dos artistas quando estes colaboram na criação da letra?

Quando os cantores são também autores da música sentem-se logo mais confortáveis. Não é o mesmo que ser convidado para um projeto em que se é apenas um veículo, como um instrumento, oferecendo a voz e a emoção. Foi algo que aconteceu com praticamente todos os artistas.

Houve algum contributo que o surpreendeu pela positiva?

O New Max, membro dos Expensive Soul, que aparece na música Malmequer, foi muito generoso. Mandei-lhe um instrumental finalizado e estive à espera que fizesse a letra e cantasse, mas ele gravou sopros da sua banda, refez a linha de baixo e de órgão. É um talento incrível e alguém que admiro há imenso tempo. Como neste álbum queria ter essa abordagem ao lado mais pop da música, o New Max foi uma das minhas primeiras escolhas. Para mim ele tem um dos melhores discos de sempre da música portuguesa, o Phalasolo, seu primeiro disco a solo. Trabalhar com ele foi uma grande honra e, apesar de ter sido quase sempre à distância, foi uma experiencia que me ensinou bastante. Nunca teria sido capaz de escrever esta letra, nunca estaria ao nível dele. 

Uma grande diferença em relação ao Bairro da Ponte foi o menor número de produtores a colaborar no disco.

Não foi algo intencional, diria que talvez tenha sido fruto da pandemia. Mas há colaborações bastante interessantes, com a Mema, por exemplo, que participa no tema com a Sara Correia, O Mundo há-de ser mais. Fizemos o instrumental em conjunto, um processo que começou apenas com um cavaquinho, que acabou por ser tão processado e transformado que se tornou irreconhecível, apesar de estar lá, como umas texturas mais ambientais, e uns adufes dela. O resultado final foi muito melhor do que se eu tivesse feito sozinho. 

Nunca recebeu uma recusa aos seus convites que lhe tenha custado ouvir?

Em boa verdade, nunca recebi um “não” amargo. Houve temas com pessoas que não aconteceram devido a conflitos de agendas ou até porque estava com um espírito menos produtivo, por causa da pandemia. Já andava a falar com o Carlão há cerca de um ano, mas foi numa fase em que ele estava a acabar o seu último disco, Entretenimento? (2018), e esta colaboração ficou em standby durante alguns meses, não por falta de vontade, mas porque cada um tem a sua carreira e as suas vidas e não é possível parar tudo para de repente fazer uma música.

Houve alguma participação que tivesse tido pena que não tenha acontecido?

No fundo, sinto-me grato por todas as que aconteceram. Os meus convidados estão a dar-me imenso, o seu tempo, o talento e a sua notoriedade. Tenho essa noção, ao estar a fazer uma música com o New Max, por exemplo, de alguma forma, estou a ter o beneficio do público dele e a ganhar novos fãs. Não é com esse desígnio que as coisas são feitas, mas é uma realidade. 

Mas não acha que pode acontecer o contrário?

Também pode acontecer. Mas acho que as pessoas que estão a trabalhar comigo têm muito mais para me oferecer a mim do que eu tenho a oferecer-lhes a elas.

Depende do caso, no Bairro da Ponte colaborou com o Carlos do Carmo, provavelmente, apresentou o cantor a uma geração mais nova.

Se isso aconteceu ótimo, vou dormir mais descansado. Mas não me posso comparar ao Carlos do Carmo, nunca na vida. Aliás, ter trabalhado com o Carlos do Carmo é uma coisa que eu um dia vou contar aos meus netos. Por mais ou menos sucesso que eu tenha ou possa vir a ter, nunca me vou por nesse ponto de comparação com nomes intergalácticos, como é o caso destes convidados. 

Por falar em comparações, sinto que o Stereossauro é um membro dos “Novos Fados”, onde músicos recontextualizam o fado com elementos musicais do presente. Se músicos como Pedro Mafama ou Conan Osiris usam a voz para dar corpo a este movimento, você usa os instrumentais, um pouco à semelhança do que o Carlos Paredes fazia. Sendo que uma das suas músicas mais famosas é, inclusivamente, uma remistura do Verdes Anos. Sente que é o Carlos Paredes da eletrónica?

Eu diria que sim, fiz esse remix do Verdes Anos há mais de dez anos e antes disso até já tinha feito outras coisas, mas já nessa altura haviam pessoas que trabalhavam esse som. Por exemplo, os Naifa, que são uma grande influência. Têm músicas de 2005 com elementos de fado e da guitarra portuguesa misturados com sons contemporâneos. Gosto muito do resultado musical e da voz da Mitó, que foi uma das razões que me levaram a convidá-la a participar na música Espelho. Ela tem aquela maneira de ser “cool”, que me faz lembrar a Kim Gordon dos Sonic Youth. Já queria trabalhar com ela desde o Bairro da Ponte, cheguei a pedir o contato dela ao Luís Varatojo, que também é uma pessoa que tem muitos paralelos neste som, não tanto pelo fado, mas por aquela portugalidade tão evidente no seu som. No entanto, ela nunca me atendeu o telemóvel. Tive a sorte de me cruzar com ela no Avante, em 2020, e ela contou-me que gostava muito do meu projeto e eu disse-lhe: “Só não entraste neste disco porque não quiseste” (risos).

Sente que também é uma referência neste estilo musical?

Apesar de agora haver, e ainda bem, mais pessoas a fazê-lo, numa altura em que é um som um bocado mais “trendy”, no meu caso, já é uma realidade há imenso tempo. Sempre me preocupei com a originalidade. Há dez anos atrás, eu era hip-hop, sem margem para muito mais. Este foi um estilo que surgiu nos EUA, com pessoas a samplar os discos que tinham em casa dos pais, porque eram aqueles a que tinham acesso. Como era um som mais associado à comunidade afro-americana, os discos eram predominantemente de jazz, funk ou soul. Sendo eu português, os discos que tenho em casa dos meus pais são de música africana ou de fado, portanto, são estes os discos que vou samplar. Obviamente, James Brown é brutal para fazer batidas de hip-hop. Tem os ingredientes todos, mas não vai transparecer a minha identidade, não vou acrescentar nada de novo e não vai identificar-me ou diferenciar-me de maneira nenhuma. O que me vai diferenciar será samplar discos de música portuguesa. 

Ainda se lembra da primeira vez que apresentou o Verdes Anos ao vivo?

Quando fiz o Verdes Anos não foi com a intenção das pessoas perceberem que sou português. Houve um dia em que vinha para casa e estava com essa música na cabeça e pensei: “isto deve dar para fazer um ‘beat’”. Cheguei a casa, ouvi a música umas dez vezes e, em meia-hora, fiz a minha versão do Verdes Anos.  Passado umas semanas, tive um concerto com o DJ Ride, antes dos Moderat. Estávamos a fazer o nosso set onde valia tudo. Estávamos num crescendo de energia e quando estavam a chegar as quatro da manhã digo ao Ride que vou passar o Verdes Anos para acabar o set. Só conseguia pensar: “Vou matar a pista, isto vai ser o maior tiro no pé de sempre”. Claro que o Ride disse: “ya, bora” (risos). Ia funcionar como um “tira gosto” para os Moderat. Não é fácil entrar num Set depois de o DJ que esteve antes de ti ter deixado o público ao rubro. Nem estava a olhar para o público, estava concentrado a olhar para o sampler, mas quando acabo e olho para cima está tudo a bater palmas. Foi o momento em que olhei para o Ride e lhe disse: “este é o meu caminho, é isto que vou ter de fazer daqui para a frente”. Nesse aspeto, tens alguma razão, quando dizes que posso ser alguém influente neste cenário, mas no lado instrumental. Imensas pessoas já disseram que nunca tinham ouvido falar do Carlos Paredes – o que acho inacreditável-, e que o descobriram por causa da minha música. 

Isso era algo que o surpreendia?

De início sim, mas, agora, até é algo que assumo mais, e tenho uma sensação de missão cumprida. Se consegui isso, já ganhei o dia. Não me acho de todo ao nível da genialidade do Carlos Paredes. Quando ouço Carlos Paredes, sento-me e fico quietinho a ouvir aquilo. Isto é outro tipo de genialidade. Não tenho essa prepotência de dizer “eu sou o novo Carlos Paredes”, nem pensar (risos). O Carlos Paredes é o Carlos Paredes. Eu quero ser o Stereossauro, e não o Carlos Paredes da eletrónica. Aceito esse título se for dado por outras pessoas, mas não vou ser eu a advogá-lo ou a apresentar-me como tal. 

O que é que gostava de mostrar mais ao seu público?

Existem imensos artistas que gostava de dar a descobrir ao público, como o Fausto Bordalo Dias. Adorava, mas é muito difícil samplar o seu trabalho.

Há pouco falávamos sobre outros músicos que fazem parte dos “Novos Fados”. Existe algum músico destes com quem gostasse de trabalhar?

Gostava de trabalhar com todos. Cheguei, inclusivamente, a falar quer com o Conan Osiris quer com o Pedro Mafama, tendo-lhes dito que um dia gostaria de fazer algo com eles. Não aconteceu porque não existia uma música que fosse adequada para eles. Mas, do meu lado, essa porta está completamente aberta. Seria uma honra. 

Não receia que ao pegar nas músicas tradicionais e transformá-las estas percam a sua identidade original e o seu significado?

Não, até porque muitas vezes quando samplo alguma coisa são pequenas partes da música. Parte da piada de o fazer é virar-lhes o contexto e criar algo completamente diferente. Se não for assim, estou apenas a fazer um remix de algo, coisa que nunca me interessou muito. 

Estava a falar de como, ao dar uma nova roupagem a esta música, pode ajudar a conferir uma certa originalidade a um músico. Acha que é por isso que isso está tão na moda?

Poderá estar mais na moda porque existem casos incríveis de sucesso internacional, como a Rosalía ou o C. Tangana. Estes projetos são aquilo que eu faço: pegar em influências de sons mais tradicionais da minha cultura e juntá-las a elementos de música eletrónica contemporânea. Sempre houve casos de sucesso, mas se calhar não tão próximos de nós como em Espanha. Ainda antes destes existiam os Ojos de Brujo, uma mistura de flamenco e rumba com hip-hop. Na altura não disparou tanto, mas eram projetos que já estavam no meu radar e que, sem dúvida, me influenciaram. Eu ouvia os seus sons e pensava: “é isto que quero fazer, mas com a minha cultura”. Algo que também pode explicar o facto de este ser um estilo mais popular é também a democratização que a internet trouxe no acesso a esta música. 

Sente que também existe essa vontade do público por estar mais aberto e recetível a ouvir nova música?

Sem dúvida, posso dar-te um exemplo dos DJ sets em que costumo participar com o DJ Ride. No começo, não tínhamos filtro, se fizesse sentido não existiam estilos musicais proibidos. Mas, às vezes, as músicas eram demasiado rock para o pessoal do hip-hop, demasiado hip-hop para o pessoal do house. Com o passar dos anos isso passou a ser muito mais aceite, até se tornar uma norma. É muito mais raro ires a um set temático com apenas um estilo de início ao fim. O público, hoje em dia, escolhe o que quer ouvir, tu não ouves um disco, tens a tua própria playlist do Spotify. É essa lógica que permite que projetos como o meu e outros como estavas a dizer tenham o seu espaço.