O tempo está cada vez mais curto para encontrar uma solução com vista a viabilizar a proposta de Orçamento do Estado e, com isso, evitar eleições antecipadas. Ao que o i apurou a tarefa está cada vez mais difícil depois de o Bloco e do PCP ter anunciado o voto contra o documento. Mas se do lado dos bloquistas a intenção já era esperada, do lado dos comunistas a notícia caiu que nem um bomba junta do Executivo que rapidamente falou ao país para dar a sua versão.
O i sabe que António Costa está disposto a atirar a toalha ao chão, ganhando cada vez mais força o cenário de eleições antecipadas. Ao que o nosso jornal apurou tudo aponta para que o ato eleitoral se realize na primeira semana de fevereiro. No entanto, após o chumbo do documento, o Presidente da República irá ouvir todos os partidos.
Também ontem Carlos César garantiu que “só por magia negra” seria possível corresponder ao PCP. “De cada vez que o Governo avançava nas negociações ou se aproximava de um acordo, eles faziam por ignorar ou davam novos passos adiante para ficarem sempre mais longe de um consenso mínimo. Procuraram sempre uma agenda inaceitável e irrealizável no curto prazo e num país como o nosso”, disse o presidente socialista na página de Facebook.
De acordo com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares “foi feito um enorme esforço” e garantiu que o Governo nunca tinha “ido tão longe no diálogo com o PCP” como foram este ano. Para Duarte Cordeiro, a “não viabilização deste Orçamento põe em causa todos estes avanços” negociados, acenando com o aumento do salário mínimo nacional, das pensões, as alterações ao SNS e à legislação laboral.
“Até ao momento o Governo nunca tinha estado disponível para avançar nestas matérias”, lembrando ainda a gratuitidade progressiva nas creches, que o Executivo considerou introduzir no Orçamento no debate na especialidade para convencer a esquerda a viabilizar a proposta na primeira votação. E foi mais longe: “Será difícil explicar aos portugueses que todas estas melhorias nas suas vidas serão postas em causa”.
No entanto, há quem pense que Costa ainda pode salvar o Orçamento do Estado e a marcação do Conselho de Ministros pode ser um sinal. “A crise poderá durar só dois dias se Costa, na reunião que deverá ter entrado pela noite dentro, conseguir fazer as cedências exigidas pelo BE ou pelo PCP”, conta fonte socialista ao i.
Mas a baralhar ainda mais estas contas está o facto de o PSD estar a braços com uma ‘guerra’ de liderança. No entanto, o i sabe que Rui Rio quer realizar um conselho nacional extraordinário com o objetivo de adiar as eleições diretas por dois meses.
A ideia de Rio é tentar convencer 15 militantes que votaram contra si, acenando nomeadamente com lugares no Parlamento. Recorde-se que o requerimento que apresentou para adiar as eleições internas foi chumbado no Conselho Nacional, por uns expressivos 70 votos contra e 40 a favor. Agora com eleições legislativas à vista, Rio defende que não há tempo para guerras internas e que ele é que está preparado para essa batalha. Algo que Paulo Mota Pinto já veio reconhecer à SIC, de que o partido deve refletir sobre o “aventureirismo irresponsável” de querer eleições diretas no PSD nesta altura.
Xadrez político Os especialistas de ciência política contactados pelo i não se mostram surpreendidos com este impasse.
“Esperava claramente que essa fosse a posição do PCP, apesar de entender que o PCP não vai ter benefícios diretos desta tomada de decisão. Bem pelo contrário. Só que há dois elementos que temos que perceber: um deles é a realidade.
Tudo apontará que tendo eleições antecipadas o PCP não consiga parar a tendência de queda que se tem vindo a verificar. Mas há outro elemento fundamental que é o elemento ideológico. A partir de determinado momento o PCP – e foi com base nisso que entendi que seria a posição de eles votarem contra – começou a frisar que este não era o Orçamento do PCP, mas do PS, uma vez que abria muitas benesses à direita – percebeu que os resultados nas autárquicas mostraram que afinal de contas o PCP poderia ter, no PS, um dos principais inimigos no que diz respeito ao poder local porque perdeu câmaras para os socialistas”, diz ao i José Filipe Pinto.
E de acordo com o responsável, o que travou as negociações foi uma questão ideológica. “Em qualquer processo de negociação sabemos que há sempre avanços e recuos e há cedências de parte a parte e o PCP sabe que o Governo, verdade seja dita, cedeu”, lembrando que este ano, não houve nenhuma linha vermelha que o Partido Comunista colocasse e da qual o PS se recusasse a passar.
“O que aqui está aqui em causa é a marcação de terreno ideológico, o que significa que o PCP percebeu que o seu eleitorado estava descontente com a posição do partido, com a decisão de viabilizar uma geringonça que num primeiro momento era necessário para afastar um Governo de direita mas que ao afinal de contas, e passado uma legislatura e meia de outra, não se afasta assim tanto da política do PSD”.
Também Paula Espírito Santo acredita que não iremos assistir a nenhuma mudança por parte depois de termos assistido a um compromisso público. “A expressão que tem sido usada é ‘dramatizar’, mas penso que não estão a entrar em ameaças. As decisões que foram reveladas foram medidas e discutidas internamente”, garante ao i.
A professora do ISCSP e especialista em ciência política lembra que, no caso do PCP, há “uma clientela partidária que aspira a que o partido comunista se demarque mais politicamente do Governo, que não seja ‘uma muleta’ do Executivo que viabilize as intenções do Governo no plano orçamental” e lembra que ir a “jogo” agora ou daqui a um ano, numa nova discussão de Orçamento do Estado, os comunistas preferem agora. “Acredito que pensaram que quanto mais cedo tomassem uma decisão melhor seria”.
E Costa? Paula Espírito Santo lembra que António Costa já nos habituou a optar por soluções menos prevísseis e menos convencionais. “Há cartadas que ainda podem estar numa fase de ponderação por parte do primeiro-ministro”.
Quanto ao Presidente da República, a especialista em ciência política acredita que a sua intervenção estará nos bastidores. “Não me parece que consiga alterar o que quer que seja. Os apelos que fez já são muitos e a julgar pela apresentação que fez Duarte Cordeiro foi no sentido que houvesse uma cedência até quase ao limite do possível. Está a haver uma secundarização do papel e da intervenção de Marcelo”.
Já José Filipe Pinto garante que num cenário de eleições antecipadas, a decisão irá recair sempre em António Costa, “O facto de o Presidente dissolver a Assembleia da República não implica automaticamente que António Costa apresente a demissão. E tem duas opções: uma é apresentar a demissão – e aí o calendário das eleições antecipadas, apesar de ser respeitado, tem de ser muito próximo; outro é de continuar em gestão porque o Governo dispõe da capacidade de fazer decretos. E pode, por exemplo, publicar o decreto Orçamental. Também pode continuar a fazer gestão de fundos. Não pode é fazer nada daquilo que tenha de passar pela Assembleia. Não sei é se António Costa está interessado nisso e desconfio que não está. Com o pedido de demissão, isso servirá muito como uma campanha de vitimização”, conclui ao i.