Essa palavra humildade


António Costa, que não cultiva a humildade, vê-se, mais uma vez, obrigado a negociar e a ceder, se quer ver o Orçamento aprovado.


O primeiro-ministro, António Costa, face às pressões dos seus companheiros de caminhada no sentido de fazer algumas alterações profundas no Orçamento para 2022, garantiu que vai ter a “humildade de ouvir, negociar e sair daqui com um Orçamento melhor”.

Em primeiro lugar, se a ideia é melhorar realmente o orçamento, é estranho que só ouça os partidos que apoiam o governo.

Em segundo lugar, quem anuncia que vai ser humilde, normalmente, como escreveu François la Rochefoucauld, “nunca se disfarça tão bem nem engana tão eficazmente como quando se esconde sob a capa da humildade”.

Na verdade, António Costa, que não cultiva a humildade, vê-se, mais uma vez, obrigado a negociar e a ceder, se quer ver o Orçamento aprovado.

Também é verdade que, mais uma vez, quer o BE quer o PCP esticam a corda, sabendo de antemão que se a corda partir, poderão ser os principais prejudicados.

Só que, no meio desta disputa, estão os portugueses, que vão viver com o que for aprovado.

Sabemos que, hoje em dia, afastados que estamos das grandes ideologias, olhamos para a política de uma forma simples: queremos saber como o Estado (os governos) gasta o nosso dinheiro.

E é por isso que a discussão do orçamento, que muitos consideram chata e sem importância, assume uma importância vital. Dessa discussão depende a aplicação do nosso dinheiro e dela a nossa qualidade de vida.

Já sabemos, por exemplo, que o gasto com os gabinetes do Governo aumentou mais de 800 mil euros. É natural, porque se trata de uma imensidão, quase nunca vista, de gabinetes.

O que não sabemos ainda é se, por exemplo, a proposta do BE de acabar com o fator de sustentabilidade – na prática, o roubo de 15% à pensão de reforma – para quem tem mais de 60 anos e 40 anos de descontos, vai constar deste Orçamento.

E também se os profissionais de saúde, a quem se bateram tantas palmas, veem finalmente compensados os seus esforços e dedicação.

O que sabemos é que a carga fiscal que os portugueses suportam atingiu os 34,8% do PIB, o valor mais alto de sempre.

Quando será que o primeiro-ministro vai ter a humildade de reconhecer isso mesmo?

A humildade exerce-se, não se anuncia.

Seria bom que António Costa não fosse “tão orgulhoso na sua humildade”, na expressão do cientista norte-americano Saul Gorn.

Jornalista