1. Através de um comunicado repleto de autojustificações, Rui Rio anunciou a recandidatura à presidência do PSD cujo mandato termina no fim do ano. Rio decidiu avançar depois de Rangel o ter feito. Quem analisa a partir de fora, tem de considerar que, provavelmente, Rio tem menos hipóteses do que Rangel de vencer a batalha interna. Rangel é um político hábil, corajoso, culto, preparado e informado sobre os grandes problemas de Portugal, da Europa e do mundo. Comparativamente a Rio, Rangel é menos paroquial e mais agregador, mas isso não o torna necessariamente um vencedor em legislativas. Rangel mostrou que sabe desmontar campanhas negras como a que urdiram a propósito da sua orientação sexual e tem um discurso muito bem estruturado e sempre foi respeitado no PSD. A prova disso é que, em 2010, foi a jogo em diretas e teve mais de 30%, ficando em segundo, atrás dos expressivos mais de 60% de Passos, que hoje o apoia por interpostas pessoas. É verdade que o PSD é feito de muitas forças e tendências políticas. Há sindicatos de votos que ultrapassam a importância das distritais. Mesmo assim, a balança interna pende aparentemente para Rangel. Sob a liderança de Rio, o PSD pouco ganhou, o que é frustrante para a máquina. Limitou-se a crescer poucochinho. O líder atual perdeu-se nas guerrilhas internas, nos acertos de contas domésticas, nas perseguições a este e àquele. Rodeou-se de gente sem dimensão política nacional, com algumas honrosas exceções. É verdade que contou com a simpatia de importantes barões que pouco mais fizeram do que pontuais aparições simbólicas. A inexistente liderança parlamentar política de Adão Silva e as intervenções internas de Hugo Carneiro foram desastrosas. Traumatizaram dirigentes, apoiantes e funcionários. Alguns deputados que Rio convidou inicialmente apagaram-se depois de lhes terem limitado a autonomia. Além disso, em Rio a hostilidade patológica a Lisboa é manifesta e sem sentido. Não se queixa propriamente do centralismo da capital, construído historicamente por provincianos como Salazar. Não gosta é da cidade e dos lisboetas, designadamente os do eixo Lisboa-Cascais. É, porém, verdade que nas autárquicas teve uma vitória política indiciadora e que os portugueses não desprezam eleitoralmente personalidades particularmente teimosas e pouco comunicativas (veja-se Cavaco). Mas as contas das municipais poderiam ter sido bem melhores se Rio não tivesse vetado certos entendimentos e excluído potenciais vencedores, unindo em vez de dividir. No seu mandato, Rio abdicou da liderança da oposição ao eliminar os debates quinzenais, estendendo a passadeira a Costa e aos seus parceiros. Prescindiu do escrutínio regular que ser líder da oposição impõe. Foi um erro incompreensível. Ideologicamente, não conseguiu limitar a implantação da direita mais radical. O eventual crescimento do PSD ao centro resulta sobretudo da descolagem de eleitores moderados de classe média em relação ao PS. Rio tem sido a oposição que qualquer primeiro-ministro deseja. Só tardiamente se percebeu e denunciou a infiltração do PS em todo o aparelho de Estado, toda a economia e toda a comunicação do país, construindo uma teia que envolve públicos e privados. Os seus votos contra o Orçamento nada representam, porque foi o próprio António Costa que proclamou que não os queria para nada. Reconheça-se, porém, que em momentos cruciais da pandemia, Rui Rio soube elevar-se à condição de estadista, ao não criar chacotas e apoiando o Governo. O país fica a dever-lhe essa postura de dignidade que todo o PSD subscreveu nos momentos mais complicados. Aparentemente, Rui Rio pensa como Mário Soares: só é derrotado quem desiste de lutar. Para o PSD, a disputa entre Rio e Rangel é salutar e clarificadora. E só Rio e Rangel têm neste momento condições para disputar a liderança. A falta de comparência não ficaria bem a quem, há dias, achava que podia ir a legislativas sem passar por diretas e um congresso estatutários, caso houvesse eleições antecipadas.
2. A verdade é que a candidatura de Rangel, a entrevista que deu à TVI e a mobilização de notáveis que se viu para assistir à tomada de posse de Carlos Moedas na Câmara de Lisboa mostram que o PSD e a direita moderada estão a mobilizar-se como há muito não se via. António Costa e a esquerda têm agora menos espaço de manobra e é bom não esquecer que, em coligação, a maioria absoluta em legislativas é alcançável com cerca de 43%, o que é bastante possível se houver uma agregação parecida com a coligação que elegeu Moedas.
3. Os dados referentes à covid são inequívocos: a doença não desapareceu e cresce lentamente. Com o arrefecimento da época e o desconfinamento, verifica-se uma tendência de crescimento da transmissão, sobretudo nos mais idosos. Na meia idade, as pessoas têm se comportado prudentemente. Entre os mais novos, há uma explosão de festas e convívios que podem ter um efeito perverso. Perante isto, os políticos, em vez de andarem a brincar aos orçamentos, deveriam manter o foco nesta questão essencial. Em geral, todos se comportam irresponsavelmente. É o caso sobretudo dos que formaram a ‘geringonça’ e que agora estão desavindos (razão tinha Cavaco que ao contrário de Marcelo os amarrou a um acordo escrito). Além da propagação da doença, está à vista que a eficácia desta etapa de vacinação, envolvendo parte da segunda toma, a terceira anti-covid e a da gripe sazonal, indicia problemas de organização. A retirada do almirante e a reentrada de Graça Freitas é uma perspetiva aterradora, por bem-intencionada que a senhora seja. A pandemia ainda representa o maior risco para a saúde e a economia. É bom não esquecer isso.
4. Recorrendo ao inevitável “achismo” político, é de admitir que a passagem do orçamento na generalidade é mais provável do que o chumbo. Por muito que a tensão persista, surgem sinais de entendimento. O cenário de eleições antecipadas não agrada a ninguém, sobretudo aos partidos de esquerda que perderam muitos eleitores urbanos nas autárquicas. Além disso, foram eles que construíram a solução vigente. Os da direita têm congressos e eleições internas, o que, obviamente, obrigaria o presidente a esperar, até usar a bomba atómica da dissolução, que a civilidade política europeia exige. Uma crise política e a subsequente hipótese de ingovernabilidade pós-eleitoral teriam efeitos negativos na avaliação, já de si péssima, que os investidores fazem de Portugal. Mas também é verdade que os portugueses são normalmente sábios quando votam. Umas vezes abrem perspetivas surpreendentes, como sucedeu com a ‘‘geringonça’’. Outras conferem inesperadas maiorias absolutas, como sucedeu com Cavaco e Sócrates. Refrescar a legitimidade é próprio das democracias quando há impasses.
5. Aqui, ali e acolá reaparecem ultimamente lojas de negociação de ouro, onde se compra mais do que se vende. Estes negócios multiplicam-se em momentos de crise e depois desaparecem, como se viu a partir de 2009. Daqui a nada hão de surgir anúncios a prometer os melhores preços, feitos por artistas caducos nas televisões generalistas. Há sinais a que importa estar atento porque revelam a profundidade dos problemas humanos que os cenários macroeconómicos dos analistas escondem ou não valorizam.
Escreve à quarta-feira