1. Em meados do século XIX, ao contrário da realidade dos nossos dias, o Estado português não era laico, mas confessional. Adoptando o catolicismo como religião oficial, Portugal tinha tantas juntas de freguesia quantas paróquias (devendo as primeiras servir as segundas). E, mais curioso, certamente, face aos nossos quadros mentais (actuais), embora as juntas de freguesia fossem eleitas, o Presidente de Junta estava determinado à partida: era, por inerência, o pároco.
Regressando a 2021, e olhando a países com os quais Portugal pode ser comparado, em muitos casos não existe o nível infra-municipal, ou seja, não existem freguesias.
2. Ao longo dos vários anos em que assisti, ao vivo, às Assembleias Municipais de Vila Real fui, consoante as sessões, dos Paços do Concelho ao Arquivo Distrital, do Grande Auditório ao Pequeno Auditório do Teatro Municipal. Ao contrário do que sucedeu com diferentes reuniões do Executivo Municipal, que se realizaram, ao longo dos últimos anos, em diferentes freguesias, nunca a Assembleia Municipal se “deslocalizou”. No entanto, a legislação prevê tal possibilidade (não é impreterível a realização da mesma na sede do concelho; embora a preparação e logística possam reclamar espaços com amplitude bastante para albergar todos aqueles que nela têm assento).
Prosseguindo a lição do Professor António Cândido de Oliveira, reputado académico jubilado na área do Direito Regional e Local – sintetizada em “Democracia Local” (FFMS, 2021) -, urge dar uma nova visibilidade às Assembleias Locais – creio, com efeito, que a participação cidadã, incluindo a dimensão eleitoral propriamente dita, será tanto mais esclarecida e consciente quanto mais conhecedora dos principais temas ali debatidos; as posições de cada bancada parlamentar; os deputados que denotam uma maior preparação dos dossiers e que intervém de um modo mais fundamentado em cada sessão; a votação em questões que cada cidadão-eleitor entenda como prioritárias. Se a “deslocalização”, em algumas sessões, não será, por si só, antídoto bastante para contrariar uma certa (ou muita) “invisibilidade” das Assembleias Municipais – mau grado, e paradoxalmente, a sua transmissão televisiva na plataforma UTADTV -, merecendo, a meu ver, outro acompanhamento de diferentes media e com capacidade de edição (isto é, sem medo de destacar o mais relevante identificado nestas reuniões magnas, bem como afirmar os protagonistas de cada uma das sessões), poderia ser experiência a pilotar com atenção.
3. Tenho-me questionado, por outro lado, assistindo às mesmas Assembleias, acerca das vantagens da existência de Executivos camarários em que neles coexiste situação e oposição (em especial, das vantagens como superando eventuais desvantagens que existam, também). Sobretudo, quando há, não apenas formalmente, mas de facto, uma relação de dialéctica conflitual – como, aliás, considero que deve ocorrer para que democracia verdadeira haja a nível local – no interior do Governo Municipal. Não me refiro, portanto, a casos em que a situação, como já algumas vezes sucedeu no nosso país, tenha dado um abraço de urso à (suposta) oposição, abafando-a, por um lado, e participando estas, situação e oposição, nas mesmas posições (ou práticas), servindo, a oposição, de resto, em tais circunstâncias, de legitimador das opções da maioria existente. Não é, pois, a estes casos que nos referimos, mas àqueles em que o poder legitimamente eleito e a oposição coabitam no mesmo governo.
Neste sentido, parecem-me ser dois, respectivamente, os principais argumentos que balizam as possíveis opções entre governos municipais monopartidários (ou de coligação previamente estabelecida) ou, ao invés, do pluripartidarismo com assento municipal: de uma banda, a coesão reforçada do Executivo, a eficácia política mais facilmente obtida; do outro, uma fiscalização com maior acuidade, pela minoria presente no Executivo, face a decisões do poder predominante. Ora, entre um e outro argumentos, talvez a sensibilidade presente, na sociedade portuguesa, penda mesmo para a necessidade de manter os equilíbrios institucionais, os mecanismos reguladores, um controlo tanto quanto possível das decisões sobre cada concelho.
Neste caso, pois, pelo menos na visão maximalista, tendo a divergir da perspectiva de Cândido de Oliveira ainda que o Jurista apresente uma nuance não despicienda e que, curiosamente, o caso de Lisboa (surgido posteriormente ao ensaio que vimos seguindo par e passo), com a configuração que hoje apresenta, obrigue a repensar: pelo menos, sugere o Catedrático da Universidade do Minho, os membros da oposição, em um executivo municipal, não deveriam poder constituir maioria.
4. Na proposta de António Cândido de Oliveira, a lei devia dar a possibilidade a cada município de agir quanto à composição do seu órgão deliberativo, no que diz respeito à presença de todos (ou, alternativamente, só de alguns) dos Presidentes de Junta de Freguesia (com a possibilidade de estes escolherem elementos, de entre o seu corpo, para serem seus representantes, ou, diferentemente, formando um conselho consultivo à parte). Se em concelhos com muitas dezenas de freguesias esta ideia podia merecer consideração ou vencimento (e, portanto, parece-me a elas mais diretamente dirigida ou pensada), creio que em um concelho com as características do de Vila Real, com duas dezenas de freguesias, tal não traria vantagens, antes muitos fregueses pudessem sentir, em caso de mudança de lei nesse sentido, que as suas localidades estariam menos presentes em cada momento de decisão (como, evidentemente, aconteceria, aliás, transformando os Presidentes de Junta em apenas consultores do órgão deliberativo e/ou Executivo do Município).