Governo acena com bazuca para evitar crise política

Governo acena com bazuca para evitar crise política


Bloco e PCP falam em impasse nas negociações, mas Governo quer ir até às últimas para aprovar documento e ameaça com bazuca. ‘Se vivermos em duodécimos não haverá garantias da execução total’ da verba.


O PCP e o BE deram um murro na mesa e dizem que chumbam a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano caso não haja alterações. A notícia caiu que nem uma bomba e ameaça abrir uma crise política. E as reações não se fizeram esperar. António Costa garante que um cenário de eleições antecipadas seriam «completamente irracionais», enquanto Marcelo Rebelo de Sousa apela a um entendimento e chega mesmo a questionar: «Será que o novo Orçamento é tão diferente assim deste que vá compensar custos desta paragem?». 

A solução ou não desta crise deverá ser encontrada nas próximas semanas, altura em que o Governo deverá voltar à mesa de negociações com os partidos de esquerda. Uma solução que foi defendida desde o início da semana pelo ministro das Finanças ao afirmar que o Executivo está sempre aberto a discutir com os partidos, independentemente de considerar que o documento contemplava várias preocupações que iam ao encontro das exigências do PCP e do BE. 

«Este Orçamento melhora o rendimento das famílias, nomeadamente através do pacote do IRS. Também é um Orçamento que aumenta de forma muito significativa os apoios às famílias, nomeadamente com os abonos de família e que apoia de forma particular as famílias mais pobres», disse na apresentação do documento, acrescentando que «estes são temas importantes para o BE e para o PCP».

É certo que estes impasses têm sido habituais nos últimos dois anos, desde que a ‘gerigonça’ tal como foi apresentada no primeiro mandato socialista chegou ao fim. Mas também é verdade que o Governo nos tem habituado a deixar uma margem de manobra no Orçamento para poder ‘ceder’ às exigências dos partidos que necessita para poder aprovar o documento e, acima de tudo, para poder avançar com o Plano de Recuperação e Resiliência, tal como foi negociado com Bruxelas e conseguir receber a totalidade da verba.

Esse risco já foi admitido por João Leão. «A inexistência de um novo Orçamento cria dificuldades na execução do PRR» e apesar de reconhecer que «há soluções que podem ser exploradas», o «chumbo do OE cria dificuldades adicionais», disse numa entrevista ao Eco. E foi mais longe: Se o país tiver de viver em duodécimos, não haverá garantias da execução total da chamada bazuca.

Quanto a linhas vermelhas, disse que o mais importante é «chegar a compromissos bons para os portugueses, para a economia, para as famílias e para as empresas».

Mas o que continua a faltar? 

Depois dos vários recados por parte do PCP que quer ver as suas reivindicações refletidas no documento durante a semana, ainda esta sexta-feira, Jerónimo de Sousa voltou a garantir «não tem havido grande evolução» nas negociações. Mas razões foram publicadas no editorial do jornal Avante!, onde culpa a «resistência» do PS em resolver os problemas do país.

Os comunistas revelam que os «problemas e fragilidades do país» avolumaram-se com a pandemia e que, neste momento, o país precisa de uma «outra política, que abra perspetivas de um novo caminho da vida» económico-social, «com soluções e respostas claras», que estão para lá da discussão do próximo Orçamento do Estado.

Salários, pensões, direitos laborais, custos da energia, habitação, proteção e apoio à infância e às crianças, serviços públicos e controlo público de empresas estratégicas são os pontos que o PCP quer resolvidos mas com medidas concretas. «O que se verifica nesta proposta de OE em vários domínios são respostas marginais, determinadas e condicionadas pelos critérios do défice que o Governo mantém como condicionante maior à resposta de que o país precisa».

O membro da Comissão Política do PCP Vasco Cardoso também aproveita o espaço de opinião do Avante! para referir que o Orçamento do Estado «não define por si só uma política, mas também não pode deixar de traduzir opções que lhe estão subjacentes, nem deixar de estar articulado com outros instrumentos que cada um dos Governos dispõe para responder». E é com base nessa avaliação que, de acordo, com o mesmo, o partido tem «ao longo dos últimos anos» decidido sobre cada proposta apresentada pelo Governo.

Um pouco mais otimista estão os Verdes. José Luís Ferreira dá o benefício da dúvida e defende que ainda «há condições, há tempo e espaço» para que sejam negociadas «soluções».

O argumento de impasse é repetido pelo Bloco de Esquerda. O partido reuniu três deputados da bancada para realizar uma conferência de imprensa onde os bloquistas reafirmaram o seu «compromisso para levar a bom termo este processo». Para Pedro Filipe Soares, Mariana Mortágua e Jorge Costa não se regista uma «verdadeira aproximação» na saúde, segurança social ou trabalho. 

O Bloco afastou ainda a possibilidade de viabilizar a proposta do Governo de Orçamento para especialidade sem ter alcançado um acordo antes da votação na generalidade, frisando que «não passa cheques em branco». 

A tarefa de deixar passar o Orçamento também não está facilitado do lado do PAN. Depois de muitas acusações – principalmente de André Ventura – de que o Governo tinha conseguido seduzir o PAN, afinal parece não ser bem assim depois de Inês Sousa Real garantir que, afinal, o partido está mais perto do voto contra.

«Se não houver abertura [do Governo] estamos mais próximos de um voto contra do que de uma abstenção, porque não podemos viabilizar um Orçamento que não dá as respostas que achamos que são fundamentais para a retoma socioeconómica do país», disse a líder.

Destacando aproximações às reivindicações como é o caso da proibição de assistência a touradas por menores de 16 anos ou da revisão dos escalões do IRS, Inês Sousa Real considera que estas mudanças ainda não são suficientes para que o partido viabilize o documento. «Não quer dizer que esse não seja um sinal de cumprimento. Era uma fatura que estava por pagar, na verdade, e o Governo está a dar um sinal de que palavra dada é palavra honrada. Caso venha a comprometer-se com os partidos no sentido de ir mais longe na especialidade, é um sinal de que há cumprimento», disse ainda.

Chumbo sem surpresas

O PSD tinha dito que primeiro ia ler o documento e só depois daria uma resposta. Já deu, embora sem grande surpresa: Rui Rio anunciou que vai propor à direção nacional o voto contra do PSD. «É um voto contra por diversas razões», anunciou à saída da reunião com Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando que o documento «segue uma continuidade» e «não tem uma estratégia de longo prazo». 

Do lado do CDS, a nega já tinha sido dada e Francisco Rodrigues dos Santos mantém-na. E as críticas ao Executivo de António Costa continuam: «Este primeiro-ministro sempre sustentou a sua atividade governativa no apoio da extrema-esquerda e não se pode agora queixar de não conseguir formar os equilíbrios, os consensos necessários a aprovar os seus orçamentos».

E vai mais longe: «Não quero um país com um mau Orçamento do Estado nem quero um país que tenha um Orçamento do Estado mais cozinhado à esquerda, que saia ainda pior e com menor qualidade do que esta versão preliminar. 

Por seu turno, João Cotrim Figueiredo que, assim que conheceu a proposta disse logo que iria chumbar o documento, voltou a referir que está preocupado com «o crescimento económico do país», o que leva o líder do Iniciativa Liberal a dizer que «é absolutamente crucial para o futuro de Portugal que esta oportunidade de recuperação pós-pandemia representa não seja desperdiçada».

As críticas surgiram também pela boca de André Ventura que disse não ter dúvidas que o Chega votará «com uma grande dose de segurança» contra a mesma, além de a ter considerado «catastrófica». E diz que considera incompreensível que o Bloco e o PCP viabilizassem o OE. «Não se compreenderia que o Bloco e o PCP conseguissem suportar este Orçamento. Este Orçamento é, de facto, o pior desde o primeiro Governo de António Costa».