Super-Homem. Branco e hetero seria “oportunidade perdida”

Super-Homem. Branco e hetero seria “oportunidade perdida”


O filho de Clark Kent, o tradicional Super Homem, assumiu o manto do seu pai como o super-herói mais poderoso do mundo. Esta nova versão apresenta-nos um Super Homem adolescente, bissexual e ativista.


Por esta altura do campeonato, o leitor, provavelmente, jã se cruzou na internet, com o mais recente “escândalo” da cultura popular. Títulos da imprensa internacional e nacional anunciam: “Super-Homem sai do armário e assume relação homossexual”. 

Antes que os “puristas” da banda desenhada venham arrenegar esta notícia existem várias coisas que vale a pena clarificar. Em primeiro lugar, este não é o Super-Homem que habitualmente associamos aos comics ou aos filmes; esse seria Clark Kent, ou, de seu nome de nascimento, Kal-El. 

Este “novo” Super-Homem é Jonathan Kent, ou apenas Jon, alter-ego de Superboy, o filho de Clark Kent e da sua eterna parceira, Lois Lane, personagem introduzida em 2015, no segundo capítulo da série Convergence: Superman.

Para oferecer um contexto da narrativa que conduziu ao surgimento de Jon Kent, este surge numa edição posterior aos acontecimentos da “storyline” Flashpoint, onde, sem entrar em demasiados detalhes, Flash se transportou para uma linha temporal alternativa que apresentava algumas mudanças significativas, nomeadamente, como Bruce Wayne, alter-ego de Batman, ter morrido no beco onde era suposto os seus pais terem falecido, levando o seu pai a assumir a fatiota do cavaleiro das trevas e a sua mãe a transformar-se no Joker, e Kal-El tornou-se uma “cobaia” de experiências para o governo dos Estados Unidos. 

Depois de vários acontecimentos, o herói que possui supervelocidade conseguiu salvar as diversas linhas temporais, criando uma nova “realidade”. Estes acontecimentos deram origem aos “Novos 52”, que levou os escritores da DC Comics a renovar a sua linha editorial, que seguia um continuamento com quase 70 anos, com 52 títulos novos. 

Estes títulos levaram à série Convergence, onde Clark Kent, agora sem superpoderes, patrulha as ruas de Gotham, cidade de onde Batman é natural, com uma máscara negra, enquanto Lois Lane estava gravida de Jon Kent. 

Em julho de 2021, Jon, apenas seis anos depois da sua personagem ter sido criada, tornou-se uma das personagens mais importantes do universo da banda desenhada da DC Comics após herdar o manto de Super-Homem do seu pai e passar a ser a personagem titular da série Superman: Son of Kal-El, escrita por Tom Taylor, que também escreveu sobre a Suicide Squad e, na rival Marvel, sobre Wolverine, X-Men e Iron Man.

Nestas novas aventuras, Jon Kent vai ser assumidamente bissexual, quebrando a norma estabelecida pelo seu pai, que, desde que foi criado em 1938, estava numa relação heterossexual com Lois Lane. 

“A ideia de substituir Clark Kent por outro salvador branco heterossexual parecia uma oportunidade perdida”, disse Tom Taylor, ao The New York Times. O interesse amoroso deste novo Super-Homem é Jay Nakamura, que, à semelhança da sua mãe, também é um repórter, criando assim um paralelo interessante com a relação de Clark Kent e Lois Lane. 

Segundo a DC Comics, estes personagens vão partilhar um beijo no quinto número desta banda-desenhada depois de “um mentalmente e fisicamente cansado” Super-Homem, após tentar salvar todas as pessoas em perigo ao seu redor, ser ajudado e consolado pelo repórter.

Nakamura é um refugiado da raça extraterrestre gammoran e dono de um jornal chamado “The Truth”. A editora de banda desenhada revelou que este personagem também terá superpoderes, apesar de ainda não ter especificado quais. 

Para além da sua orientação sexual, Jon Kent apresenta ainda uma atitude mais política, assumindo também o papel de ativista, tendo nas primeiras edições a solo protestado contra a deportação de refugiados, impedido um tiroteio no liceu (onde salvou Nakamura) e ajudado a apagar um incêndio provocado pelas alterações climáticas.

“Sempre acreditei que todos precisamos de heróis e que todos nos revemos nestes heróis, por isso, estou muito grato à DC e à Warner Bros por partilharem esta ideia”, escreveu Taylor, num comunicado. “O símbolo do Super Homem sempre significou esperança, verdade e justiça. Hoje, esse símbolo representa algo mais. Hoje, mais pessoas podem identificar-se com o herói mais poderoso da banda desenhada”. 

Virar as páginas de pernas para o ar Apesar da notícia de que o novo Super Homem é bissexual ter chocado alguns fãs, este não é o primeiro (nem será o último) personagem a revelar que a sua orientação sexual foge aos padrões da heteronormatividade.

Um dos casos mais mediáticos dos últimos tempos aconteceu em 2012, quando o personagem Northstar, que entrou pela primeira vez nas comics em 1979, se casou com o seu namorado Kyle Jinadu, naquela que foi a primeira vez em que um casamento homossexual foi representado num livro de banda desenhada “mainstream”.

Apesar desta personagem existir desde o final dos anos 1970 e de, segundo o seu criador, John Byrne ter sido imaginado como homossexual desde a sua criação, a primeira vez que este admitiu a sua orientação sexual foi apenas em 1992, uma vez que, quando se estreou a Autoridade do Código de Banda Desenhada, esta e o editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, eram contra personagens abertamente homossexuais, explicou Shirrel Rhoades no livro A Complete History of American Comic Books.

Desde este casamento ficcional, começaram a surgir cada vez mais personagens que se identificam dentro do espectro LGBTQ+, nomeadamente, Tim Drake, o terceiro Robin, companheiro do Batman, que se assumiu como bissexual, Harley Quinn, que, apesar de nutrir sentimentos pelo Joker na sua relação (abusiva), também já namorou com Poison Ivy, ou personagens como Deadpool, pansexual, ou Loki, de género fluído.

Entretanto, em breve, também o escudo do Capitão América será assumido por um personagem homossexual, o adolescente Aaron Fischer, e o Universo Cinematográfico da Marvel prepara-se para mostrar o primeiro beijo entre um casal LGBTQ+ nos seus filmes. Phastos, interpretado por Brian Tyree Henry, e Haaz Sleiman, que interpreta o papel do seu marido, darão o beijo no filme The Eternals, que irá estrear no dia 5 de novembro.

No entanto, apesar da decisão ter sido muito bem recebida no seio da comunidade LGBTQ+, um quadrante mais conservador condenou esta decisão. “Livros de banda desenhada com personagens bissexuais para crianças. Estão literalmente a tentar destruir a América”, tweetou o político republicano John Mandel, enquanto o deputado britânico Martin Daubney afirmou que “um a um, o vírus ‘woke’ vai consumir os heróis de outrora”.

Mas enquanto estes políticos criticam esta decisão, outros defendem que a representação devia ser ainda mais “forte”. Mesmo considerando que a existência de um Robin e um Super Homem assumidamente queer e bissexual é um “progresso”, defendeu o jornalista da NPR Glen Weldon, que escreve regularmente sobre banda desenhada e é autor do livro The Caped Crusade: Batman and the Rise of Nerd Culture, este argumenta que estas não são as versões “canónicas” das personagens. Tim Drake não é o único Robin da DC Comics e Clark Kent será sempre o Super Homem mais popular.

Contudo, Weldon acrescenta que este “progresso” merece ser celebrado uma vez que não se tratam apenas de um “vilão unidimensional ou um personagem secundário que é rapidamente morto, mas sim os heróis das suas próprias histórias”. 
Entretanto, para os fãs sedentos para descobrir mais sobre as próximas aventuras de Jon Clark, a quinta edição de Superman: Son of Kal-El, que irá revelar toda esta nova trama, vai ser lançada nos Estados Unidos no dia 9 de novembro.