O Cabo das Tormentas


A questão dos preços da energia e a sua regulação coloca grandes desafios técnicos, mas é antes demais uma questão económica, social e política primordial.


Todos os estudos científicos, incluindo o recente relatório do painel intergovernamental das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, demonstram que a humanidade está perante um desafio de sobrevivência se não conseguir reduzir de forma drástica as emissões de CO2 e o consequente aquecimento global.

Durante o período de mais forte incidência da pandemia, com impactos nos níveis de atividade económica, mobilidade e outras práticas fortemente emissoras, multiplicaram-se anúncios promissores de compromissos com a descarbonização em muitas regiões do Globo. No caso concreto da União Europeia, a Comissão lançou e está em pleno processo legislativo o pacote FIT 55, que visa reduzir em pelo menos 55% as emissões até 2030, como etapa para uma meta de neutralidade carbónica em 2050.

A subida da procura de energia resultante da recuperação económica pós pandémica que está a ocorrer de forma mais ou menos intensa mas em simultâneo em todo o globo, criou um contexto favorável à subida do seu preço, que foi agravado por movimentos especulativos visando ganhos de curto prazo e também por movimentos geopolíticos e sectoriais para tentar travar o processo de descarbonização e recentrar os sistemas energéticos, mantendo o peso dos combustíveis fósseis e dos modelos centralizados de produção.

As políticas de descarbonização, a quem os dependentes ou grandes ganhadores do negócio dos combustíveis fósseis e dos sistemas centralizados atribuem o ónus do aumento generalizado dos preços da energia para as famílias e para as empresas, estão e estarão, sobretudo na União Europeia e no inverno que se aproxima sobre forte pressão. Uma pressão que terá que ser ultrapassada com ações concretas, focadas e justas, para que um retrocesso não gere uma catástrofe climática de consequências imprevisíveis.

O Parlamento Europeu debateu a passada semana no seu plenário de Estrasburgo esta questão. Juntei a minha voz aos que recomendaram compras conjuntas pela União dos combustíveis necessários e em que é muito deficitária, para esmagar presos e controlar a especulação, mas defendi também uma ação estratégica concertada no quadro da União da Energia, para ultrapassar com segurança o Cabo das Tormentas e continuar na rota certa.

Para isso é fundamental continuar a reduzir a dependência energética de fornecimentos externos através do investimento nas renováveis, hoje com custos de produção mais baixos do que as energias fósseis. Ao mesmo tempo é preciso acelerar o investimento na eficiência energética e nas tecnologias de armazenamento de energia limpa como as baterias e o hidrogénio verde e melhorar as interconexões, adaptando também as regras de mercado, em particular do mercado grossista, ao novo “mix” energético, em que sobretudo na eletricidade, as energias renováveis são já a fonte mais relevante em muitos Países da União.

A questão dos preços da energia e a sua regulação coloca grandes desafios técnicos, mas é antes demais uma questão económica, social e política primordial. Há dois focos que não podemos perder. Temos que preservar o planeta que herdámos e a dignidade das pessoas que nele vivem, combatendo a pobreza energética e assegurando uma transição eficaz e justa.

 

Eurodeputado do PS