A fala, a escrita e a internet pelo lado certo


A fala humana, segundo estudos e registos, surgiu há pelo menos 100 mil anos com origem no desenvolvimento evolutivo do cérebro, tórax e no aparelho fonador. Falamos de produzir sequências de sons distintos – com significados reconhecíveis – através da modulação do fluxo de ar dos nossos pulmões através de movimentos do tórax, dos maxilares,…


A fala humana, segundo estudos e registos, surgiu há pelo menos 100 mil anos com origem no desenvolvimento evolutivo do cérebro, tórax e no aparelho fonador. Falamos de produzir sequências de sons distintos – com significados reconhecíveis – através da modulação do fluxo de ar dos nossos pulmões através de movimentos do tórax, dos maxilares, da língua e dos lábios.

Falar. Tão simples, pensamos nós. É o ato de falar que distingue os seres humanos dos nossos parentes mais próximos, como chimpazés e os bonobos. Há até um bonobo, o conhecido Kanzi que aprendeu a dizer cerca de 500 palavras e a entender perto de 3.000 palavras.

Comparando, porém, aos três anos de idade apenas, uma criança consegue usar em média perto de mil palavras (o dobro do bonobo Kanzi) e, aos 6 anos de idade, cerca de 13.000 palavras. Entendemos o poder que temos?

A fala não é apenas um de muitos atributos do ser humano, é mesmo o atributo que nos define.

Agora, relacionado com a fala, pulamos até ao dia 29 de outubro de 1969. Dia em que foi enviada uma mensagem a partir de um computador (Universidade da Califórnia, Los Angeles) para outro computador distante (Instituto de Investigação de Stanford). Estavam a 579 quilómetros um do outro.

Foi a primeira mensagem da hoje dita “internet”.

A palavra “Internet”, porém, para percebermos, embora recorra a esse exemplo para se compreender como surgiu, data apenas de 1974 pelo Oxford English Dictionary.

E agora, nesse nosso mundo diário, recuemos quarenta anos e pensemos que em 1981 havia apenas 213 anfitriões na Internet.

A World Wide Web (o conhecido “www”) foi só proposta em 1989, por Tim Berners-Lee que igualmente criou o primeiro “site” em 1990.

Anos mais tarde, em 2015, existiam três mil milhões de utilizadores de internet neste planeta de menos de oito mil milhões de pessoas. Temos noção do que isso representa na globalização da palavra e da mensagem que percorre o globo?

Estes números continuam a crescer. Em 2020 há registo de quatro mil milhões de smartphones com acesso à internet (em 2015 eram metade).

Mais de 80% da população mundial tem acesso ou está ao alcance de uma torre de telefonia móvel com capacidade de transmissão de dados.

Tecnologicamente, após o arranque desta fase global em que o primeiro dia foi provavelmente o tal “29 de outubro de 1969 entre computadores de Los Angeles e Stanford”, hoje, dia 14 de outubro de 2021, perto de 52 anos depois, podemos afirmar que não há razão nenhuma para que todas as pessoas do mundo não estejam conectadas no futuro através de um simples e pequeno aparelho que carregam na sua mão.

Agora chegamos ao ponto sensível, porque o resto é história e noção estatística de crescimento de números. E toda esta força da palavra e a globalização estão a ter reflexo positivo na mensagem que chega?

Aqui haverá (ou haveria espaço a) debate, salutar, de quem entende só que sim e quem pensa e defende que não. Entre fake news e excesso de informação, sobra a razão.

Vejamos dois exemplos.

Há poucos dias, o milionário humorista Dave Chappelle deu-se ao trabalho de fazer uma emissão especial com mais de uma hora para afirmar que não tem preconceitos, mas que apenas se limita a fazer piadas. E que assim, nessa base, foi feito o seu percurso profissional nos últimos 5 anos, com piadas sem querer ser preconceituoso (podem aceder via Netflix).

Em 48h apenas, a seguir a esta emissão, a internet não falou, gritou apenas, contra o comediante americano ao afirmar (maioritariamente, claro) precisamente que era preconceituoso, xenófobo e etc.

Em suma: Ninguém ouviu, ninguém leu… todos limitaram-se a partilhar, compartilhar e retwittar quem criticava.

Há igualmente poucos dias, o ex-Primeiro-Ministro, entre 1985 e 1995, e Presidente da República, entre 2006 e 2016, Prof. Aníbal Cavaco Silva escreveu um conjunto de considerações no semanário Expresso. Não serve esta opinião para validar ou ousar debater as suas posições sobre a frágil oposição ou sobre a incapacidade governativa de ter uma estratégia de sustentabilidade nacional diferente da atual.

Serve esta reflexão, isso sim, de igual modo a Dave Chappelle, para demonstrar como também cá, a internet gritou e não falou.

Sobre Cavaco surgiram, por reflexo ideológico, muitos a prontamente arrasar o ex-Primeiro-Ministro ao passo que outros tantos surgiram para rapidamente elogiar o antigo governante.

A questão é simples: Será que a velocidade de propagação da mensagem impediu a leitura de ambas as mensagens? É que, tal como no caso do comediante americano, as críticas em catadupa ao ex-governante português surgiram na base de algo que não foi dito nem referido e cresceram com base de outras críticas que nada tinham relacionado com a verdade (a mensagem escrita num órgão de comunicação social sob forma de artigo de opinião).

Mais de cem mil anos depois da fala, com a intensidade e quantidade de informação e mensagens, voltamos à fase do bonobo Kanzi: Ouvir mais e reconhecer mais do que se sabe falar.

Aprender a perceber a mensagem corretamente, a ouvir e tirar a nossa própria conclusão.

Não servir meramente para replicar mensagens, ser uma caixa de ressonância, um Twitter cheio de RT’s (partilhas) ou um Facebook cheio de partilhas de outro que não nós. Muitas vezes, sem má vontade, partilhamos e aumentamos a dimensão de um erro.

Mais de meio século de globalização da mensagem, via internet, temos uma capacidade incrível para podermos saber, ler, conhecer muito mais rapidamente tudo o que ocorre no planeta. Que encontremos o caminho certo para a aproveitar – através da verdade e da compreensão da mensagem – e não para destruir tudo o que nos fez chegar aqui.

 

Carlos Gouveia Martins

 

A fala, a escrita e a internet pelo lado certo


A fala humana, segundo estudos e registos, surgiu há pelo menos 100 mil anos com origem no desenvolvimento evolutivo do cérebro, tórax e no aparelho fonador. Falamos de produzir sequências de sons distintos – com significados reconhecíveis – através da modulação do fluxo de ar dos nossos pulmões através de movimentos do tórax, dos maxilares,…


A fala humana, segundo estudos e registos, surgiu há pelo menos 100 mil anos com origem no desenvolvimento evolutivo do cérebro, tórax e no aparelho fonador. Falamos de produzir sequências de sons distintos – com significados reconhecíveis – através da modulação do fluxo de ar dos nossos pulmões através de movimentos do tórax, dos maxilares, da língua e dos lábios.

Falar. Tão simples, pensamos nós. É o ato de falar que distingue os seres humanos dos nossos parentes mais próximos, como chimpazés e os bonobos. Há até um bonobo, o conhecido Kanzi que aprendeu a dizer cerca de 500 palavras e a entender perto de 3.000 palavras.

Comparando, porém, aos três anos de idade apenas, uma criança consegue usar em média perto de mil palavras (o dobro do bonobo Kanzi) e, aos 6 anos de idade, cerca de 13.000 palavras. Entendemos o poder que temos?

A fala não é apenas um de muitos atributos do ser humano, é mesmo o atributo que nos define.

Agora, relacionado com a fala, pulamos até ao dia 29 de outubro de 1969. Dia em que foi enviada uma mensagem a partir de um computador (Universidade da Califórnia, Los Angeles) para outro computador distante (Instituto de Investigação de Stanford). Estavam a 579 quilómetros um do outro.

Foi a primeira mensagem da hoje dita “internet”.

A palavra “Internet”, porém, para percebermos, embora recorra a esse exemplo para se compreender como surgiu, data apenas de 1974 pelo Oxford English Dictionary.

E agora, nesse nosso mundo diário, recuemos quarenta anos e pensemos que em 1981 havia apenas 213 anfitriões na Internet.

A World Wide Web (o conhecido “www”) foi só proposta em 1989, por Tim Berners-Lee que igualmente criou o primeiro “site” em 1990.

Anos mais tarde, em 2015, existiam três mil milhões de utilizadores de internet neste planeta de menos de oito mil milhões de pessoas. Temos noção do que isso representa na globalização da palavra e da mensagem que percorre o globo?

Estes números continuam a crescer. Em 2020 há registo de quatro mil milhões de smartphones com acesso à internet (em 2015 eram metade).

Mais de 80% da população mundial tem acesso ou está ao alcance de uma torre de telefonia móvel com capacidade de transmissão de dados.

Tecnologicamente, após o arranque desta fase global em que o primeiro dia foi provavelmente o tal “29 de outubro de 1969 entre computadores de Los Angeles e Stanford”, hoje, dia 14 de outubro de 2021, perto de 52 anos depois, podemos afirmar que não há razão nenhuma para que todas as pessoas do mundo não estejam conectadas no futuro através de um simples e pequeno aparelho que carregam na sua mão.

Agora chegamos ao ponto sensível, porque o resto é história e noção estatística de crescimento de números. E toda esta força da palavra e a globalização estão a ter reflexo positivo na mensagem que chega?

Aqui haverá (ou haveria espaço a) debate, salutar, de quem entende só que sim e quem pensa e defende que não. Entre fake news e excesso de informação, sobra a razão.

Vejamos dois exemplos.

Há poucos dias, o milionário humorista Dave Chappelle deu-se ao trabalho de fazer uma emissão especial com mais de uma hora para afirmar que não tem preconceitos, mas que apenas se limita a fazer piadas. E que assim, nessa base, foi feito o seu percurso profissional nos últimos 5 anos, com piadas sem querer ser preconceituoso (podem aceder via Netflix).

Em 48h apenas, a seguir a esta emissão, a internet não falou, gritou apenas, contra o comediante americano ao afirmar (maioritariamente, claro) precisamente que era preconceituoso, xenófobo e etc.

Em suma: Ninguém ouviu, ninguém leu… todos limitaram-se a partilhar, compartilhar e retwittar quem criticava.

Há igualmente poucos dias, o ex-Primeiro-Ministro, entre 1985 e 1995, e Presidente da República, entre 2006 e 2016, Prof. Aníbal Cavaco Silva escreveu um conjunto de considerações no semanário Expresso. Não serve esta opinião para validar ou ousar debater as suas posições sobre a frágil oposição ou sobre a incapacidade governativa de ter uma estratégia de sustentabilidade nacional diferente da atual.

Serve esta reflexão, isso sim, de igual modo a Dave Chappelle, para demonstrar como também cá, a internet gritou e não falou.

Sobre Cavaco surgiram, por reflexo ideológico, muitos a prontamente arrasar o ex-Primeiro-Ministro ao passo que outros tantos surgiram para rapidamente elogiar o antigo governante.

A questão é simples: Será que a velocidade de propagação da mensagem impediu a leitura de ambas as mensagens? É que, tal como no caso do comediante americano, as críticas em catadupa ao ex-governante português surgiram na base de algo que não foi dito nem referido e cresceram com base de outras críticas que nada tinham relacionado com a verdade (a mensagem escrita num órgão de comunicação social sob forma de artigo de opinião).

Mais de cem mil anos depois da fala, com a intensidade e quantidade de informação e mensagens, voltamos à fase do bonobo Kanzi: Ouvir mais e reconhecer mais do que se sabe falar.

Aprender a perceber a mensagem corretamente, a ouvir e tirar a nossa própria conclusão.

Não servir meramente para replicar mensagens, ser uma caixa de ressonância, um Twitter cheio de RT’s (partilhas) ou um Facebook cheio de partilhas de outro que não nós. Muitas vezes, sem má vontade, partilhamos e aumentamos a dimensão de um erro.

Mais de meio século de globalização da mensagem, via internet, temos uma capacidade incrível para podermos saber, ler, conhecer muito mais rapidamente tudo o que ocorre no planeta. Que encontremos o caminho certo para a aproveitar – através da verdade e da compreensão da mensagem – e não para destruir tudo o que nos fez chegar aqui.

 

Carlos Gouveia Martins