Numa manhã amena de Outubro, na pequena igreja de Santo António do Estoril, a infanta Margarita de Borbon y Borbon, irmã do futuro Rei Juan Carlos de Espanha, hoje com os bolsos cheios de dinheiro vindo das mais diversas proveniências, folgadamente instalado no seu dourado exílio do Dubai, deu o “sim” a um simples plebeu, com todo o diz que diz que uma decisão dessas levanta no seio de príncipes e princesas.
Nanja que Carlos Zurita y Delgado, o noivo, fosse um borrabotas. Bem pelo contrário. Filho de um cirurgião de renome em Espanha, D. Carlos Zurita González-Vidarte era, também ele, um esculápio de truz. Concluíra o curso de Medicina na Universidade de Sevilha com direito a louvor, tornou-se especialista em maleitas cardo-respiratórias e fora nomeado Director Nacional de Doenças Toráxicas. Enfim, na sua profissão também era, por sua vez, um príncipe.
Todo o Estoril se animou. Maria Margarita de la Victoria Esperanza Jacoba Felicidad de Todos los Santos Borbon y Borbon dava o nó perante mais de 300 convidados ilustres, entre os quais, como não podia deixar de ser, o Presidente da República Portuguesa, Américo de Deus Rodrigues Thomaz, a quem foi atribuído lugar de honra ao lado dos Condes de Barcelona, pais da noiva.
As páginas cor-de-rosa dos jornais da época gabaram generosamente a beleza do casal, o que, cá para nós, foi um exagero de simpatia. Enfim, gostos são gostos, não se discutem. Atribuíam ao médico o apodo de “jovem esbelto, conhecido em toda a alta sociedade de Espanha e Estoris, com um traço de Mark Spitz e outro de Omar Shariff, estreito, efusivo, sorridente mas delicado, de vistosos olhos azuis”. Nunca Margarita viu a cor dos olhos do noivo, cega como era desde que nasceu, em Roma, pouco antes do fim da Guerra Civil Espanhola. Alguém lhos terá descrito.
Dançando e fumando “Dança bem, fuma, toma banhos de mar e sai com os amigos, a Princesa de Borbon que tantos anos apaixonou o Estoril pela sua simplicidade e pelo talento com que supera a sua falta de visão”, escrevia, de prosa insuflada, um cronista de então. Fascinava-o o conhecimento de Margarita pelas línguas. Falava nove correctamente, desde o português perfeito que aprendera entre nós, ao francês, inglês, alemão, italiano, sueco, dinamarquês e russo, além da sua língua materna.
Obtivera um diploma de enfermeira de puericultura na Suíça, vivia em Portugal há sete anos com os pais expatriados pelo regime de Franco. Com o casamento, regressaria a Espanha, acompanhando o marido. “Vou deixar Portugal com profunda tristeza porque fui aqui muito feliz”, lamentava-se. Não tardaria muito a tornar-se irmã do Rei, na altura com 29 anos, uma das figuras imponentes da boda.
Nos genuflexórios, junto ao degrau que separa o presbitério da nave, fatos cerimoniosos e fardas carregadas de brilhantes medalhas e galões, faziam guarda de honra aos noivos no altar. Havia material para escolher em barda: o Rei Humberto de Itália, a Rainha Joana da Bulgária, a Condessa de Barcelona, o Duque de Bragança, a Condessa de Paris e o Duque de Parma. Parecia um baile de máscaras de tanto rei sem trono e tanto conde de afirmadíssimas repúblicas.
Seguiu-se o banquete, pois então, que a fome apertava pelas duas da tarde. Não faltavam vitualhas, mas a infanta seguia um regime severo para manter a linha, o que a fez dispensar metade dos pratos do menu. As iguarias foram avaliadas em 280 contos, com um bolo de noiva de cinco andares e 50kg de peso incluído. Mariscos, lombos de vaca, filetes de peixe e o diabo a quatro foram atacados por suas altezas com a voracidade de um indigente. Margarita, essa, não via nada.