Variações sobre o fim da relevância do passado


Pode não haver um novo ciclo, mas há evidentes sinais de mudança do ambiente geral que precisam de uma nova atitude, de outra eficácia na ação e de um apuramento do sentido democrático.


Dizem que o tempo cura tudo. Ou será que essas curas contam com o prestimoso contributo da memória curta, essa peculiar insuficiência nacional que permite aos protagonistas políticos, económicos e sociais o uso e abuso de narrativas contraditórias com o disseram ou fizeram no passado, sem qualquer tipo de escrutínio ou de imposição das insígnias da grande ordem da incoerência?

Os factos indiciam que a relevância do passado na formatação do futuro tem estado a perder importância, deixando de ser argumento que valha para ser esgrimido no debate político ou na comunicação com os cidadãos.

Senão vejamos. Olhamos para diversos resultados eleitorais em municípios em que a prestação dos autarcas na resposta à pandemia, na prevenção, na emergência e no desenvolvimento do plano de vacinação foi muito acima das suas responsabilidades e ainda assim as votações não refletiram o reconhecimento em votos desse trabalho. Esse passado não foi suficientemente valorizado na escolha do futuro da gestão das comunidades.

No caso de Lisboa, converge ainda o facto de Carlos Moedas ter sido um protagonista ativo da governação além das medidas previstas no memorando com a troika, o que não foi relevante para a escolha da governação da capital. O tempo curou, o passado perdeu relevância, logo não entrou na equação da configuração do futuro.

Razão para que no debate político-partidário não se perca demasiado tempo com as comparações com esse passado com tantas responsabilidades, nos vários quadrantes. O importante mesmo é dar respostas no presente e para futuro, tendo noção da volatilidade a que a coisa pública está sujeita, pela conjugação do frenesim e ligeireza dos media e das redes sociais.

Esta perceção de perda de relevância do período de nojo é tal que até o antigo Presidente da República Cavaco Silva se sentiu revigorado para se reerguer, em suprimento das insuficiências de oposição do PSD, num ataque escrito à governação de António Costa.

A saída do recato da reforma, gera sempre algum alarido e escárnio, mas fica claro que é realizada em cima do interlúdio presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, que, pela proximidade, descompressão e banalização do exercício, já remeteu para as calendas da memória a passagem de Cavaco Silva por Belém. Marcelo aplanou, pelo estilo, a possibilidade de regresso de Cavaco sem as reminiscências generalizadas dos Natais passados.

Reagem os das claques, o povo ignora, sempre na expetativa que o orçamento de Estado faça mais alguns caminhos da distribuição de boas notícias em contradição com as agruras da realidade do quotidiano, do preço da eletricidade ao preço dos combustíveis; dos obstáculos ao regresso das dinâmicas às expetativas dos dinheiros que hão de chegar à vida concreta.

Neste tempo de exigência de respostas rápidas para o presente, em que a erosão autárquica se deveu boa parte ao perfil do exercício do poder por alguns, distante, prepotente e sem ligação à realidade concreta das pessoas e dos territórios em mudança, não faz nenhum sentido sinalizar arrogância no debate parlamentar ou nas interações com as expressões da sociedade, ainda que algumas sejam evidenciadas pela proximidade à discussão orçamental.

Pode não haver um novo ciclo, mas há evidentes sinais de mudança do ambiente geral que precisam de uma nova atitude, de outra eficácia na ação e de um apuramento do sentido democrático. Desde logo, na explicação do sentido das opções políticas e das inacreditáveis situações com que os cidadãos são confrontados todos os dias, que ampliam a perceção de injustiça, de arbitrariedade e de desigualdade.

Pode não haver revolta, mas há uma emergente urticária que é lesiva de quem está no poder e, por omissão, de quem está na oposição, gerando perigosas oportunidades para os populistas e para os adversários da democracia. É também essa fragilização estrutural ou de circunstância que abre novas janelas de protagonismo aos fantasmas dos Natais passados, enquanto os portugueses volatizam a memória e se focam no presente. O presente parece ser o novo normal, quem estiver só focado no espelho retrovisor a olhar para trás ou num futuro ainda sem presente, corre riscos de ser penalizado.

Notas finais 

SLB, democracia e responsabilidade 

A fantástica mobilização de mais de 40.000 benfiquistas para falarem pelo voto sobre o futuro do Sport Lisboa e Benfica sublinha uma enorme vitalidade e esperança na liderança de Rui Costa. Os sócios falaram de forma clara, em todo o país e no mundo, mesmo que essa expressão democrática, nos termos acordados, não corresponda à vontade de quem se julga superior em relação a todos os outros, por um direito qualquer sem cobertura estatutária, mas com profunda inspiração para uma intervenção provocatória, de incidentes e desfocada dos interesses gerais do clube.

Nenhuma mudança ou convergência em torno do que conta serão conseguidos se o registo for de guerrilha, sem pingo de interesse no compromisso e na expressão da vontade maioritária dos sócios, os de Lisboa e os outros. Todos no mesmo patamar, como na reivindicada democracia. A que respeita a vontade do povo e não faz da liberdade de expressão, uma verbalização do insulto e da suspeita permanente. Para haver união são precisas convergências das vontades, sem reservas mentais ou pseudo-superiodades morais.

Um juiz sem futuro, de uma justiça fragilizada 

O panorama real e mediático está tão povoado de disfunções da justiça, que o normal funcionamento, sensato e consequente, até soa a algo sublime. Esteve bem o Conselho Superior da Magistratura ao deliberar, por unanimidade, a expulsão do exercício de um espécime que de juiz já só tinha o título. Fica assim num patamar inferior ao da PSP quando esta está no exercício ajustado da autoridade que o Estado lhe confere.

O submarino dos combustíveis 

No quadro do arsenal de armamento para a guerra do relançamento das dinâmicas económicas e sociais, o governo bem pode acenar com a bazuca que o que está a pontuar o quotidiano dos cidadãos é o persistente submarino do preço dos combustíveis. São meses de encaixe de impostos que afundam a vida dos cidadãos e das empresas, qual submarino descontrolado a afundar. Bem pode o Orçamento trazer umas quantas benesses que o saldo acumulado é de esbulho do bolso de quem precisa de mobilidade autónoma, só inteligente para o Estado e para as gasolineiras. O desfoque da vida real tem um preço. Já teve nas autárquicas e abusa-se da sorte e proteção.

Ai os cartazes das autárquicas

Passaram duas semanas sobre as eleições autárquicas e as aldeias, vilas e cidades ainda estão pejadas de cartazes dos candidatos. Alguns perdurarão meses. Saúdo os candidatos e os partidos que já retiraram os seus materiais de campanha, num importante impulso cívico de compromisso com o ambiente das nossas terras.

Variações sobre o fim da relevância do passado


Pode não haver um novo ciclo, mas há evidentes sinais de mudança do ambiente geral que precisam de uma nova atitude, de outra eficácia na ação e de um apuramento do sentido democrático.


Dizem que o tempo cura tudo. Ou será que essas curas contam com o prestimoso contributo da memória curta, essa peculiar insuficiência nacional que permite aos protagonistas políticos, económicos e sociais o uso e abuso de narrativas contraditórias com o disseram ou fizeram no passado, sem qualquer tipo de escrutínio ou de imposição das insígnias da grande ordem da incoerência?

Os factos indiciam que a relevância do passado na formatação do futuro tem estado a perder importância, deixando de ser argumento que valha para ser esgrimido no debate político ou na comunicação com os cidadãos.

Senão vejamos. Olhamos para diversos resultados eleitorais em municípios em que a prestação dos autarcas na resposta à pandemia, na prevenção, na emergência e no desenvolvimento do plano de vacinação foi muito acima das suas responsabilidades e ainda assim as votações não refletiram o reconhecimento em votos desse trabalho. Esse passado não foi suficientemente valorizado na escolha do futuro da gestão das comunidades.

No caso de Lisboa, converge ainda o facto de Carlos Moedas ter sido um protagonista ativo da governação além das medidas previstas no memorando com a troika, o que não foi relevante para a escolha da governação da capital. O tempo curou, o passado perdeu relevância, logo não entrou na equação da configuração do futuro.

Razão para que no debate político-partidário não se perca demasiado tempo com as comparações com esse passado com tantas responsabilidades, nos vários quadrantes. O importante mesmo é dar respostas no presente e para futuro, tendo noção da volatilidade a que a coisa pública está sujeita, pela conjugação do frenesim e ligeireza dos media e das redes sociais.

Esta perceção de perda de relevância do período de nojo é tal que até o antigo Presidente da República Cavaco Silva se sentiu revigorado para se reerguer, em suprimento das insuficiências de oposição do PSD, num ataque escrito à governação de António Costa.

A saída do recato da reforma, gera sempre algum alarido e escárnio, mas fica claro que é realizada em cima do interlúdio presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, que, pela proximidade, descompressão e banalização do exercício, já remeteu para as calendas da memória a passagem de Cavaco Silva por Belém. Marcelo aplanou, pelo estilo, a possibilidade de regresso de Cavaco sem as reminiscências generalizadas dos Natais passados.

Reagem os das claques, o povo ignora, sempre na expetativa que o orçamento de Estado faça mais alguns caminhos da distribuição de boas notícias em contradição com as agruras da realidade do quotidiano, do preço da eletricidade ao preço dos combustíveis; dos obstáculos ao regresso das dinâmicas às expetativas dos dinheiros que hão de chegar à vida concreta.

Neste tempo de exigência de respostas rápidas para o presente, em que a erosão autárquica se deveu boa parte ao perfil do exercício do poder por alguns, distante, prepotente e sem ligação à realidade concreta das pessoas e dos territórios em mudança, não faz nenhum sentido sinalizar arrogância no debate parlamentar ou nas interações com as expressões da sociedade, ainda que algumas sejam evidenciadas pela proximidade à discussão orçamental.

Pode não haver um novo ciclo, mas há evidentes sinais de mudança do ambiente geral que precisam de uma nova atitude, de outra eficácia na ação e de um apuramento do sentido democrático. Desde logo, na explicação do sentido das opções políticas e das inacreditáveis situações com que os cidadãos são confrontados todos os dias, que ampliam a perceção de injustiça, de arbitrariedade e de desigualdade.

Pode não haver revolta, mas há uma emergente urticária que é lesiva de quem está no poder e, por omissão, de quem está na oposição, gerando perigosas oportunidades para os populistas e para os adversários da democracia. É também essa fragilização estrutural ou de circunstância que abre novas janelas de protagonismo aos fantasmas dos Natais passados, enquanto os portugueses volatizam a memória e se focam no presente. O presente parece ser o novo normal, quem estiver só focado no espelho retrovisor a olhar para trás ou num futuro ainda sem presente, corre riscos de ser penalizado.

Notas finais 

SLB, democracia e responsabilidade 

A fantástica mobilização de mais de 40.000 benfiquistas para falarem pelo voto sobre o futuro do Sport Lisboa e Benfica sublinha uma enorme vitalidade e esperança na liderança de Rui Costa. Os sócios falaram de forma clara, em todo o país e no mundo, mesmo que essa expressão democrática, nos termos acordados, não corresponda à vontade de quem se julga superior em relação a todos os outros, por um direito qualquer sem cobertura estatutária, mas com profunda inspiração para uma intervenção provocatória, de incidentes e desfocada dos interesses gerais do clube.

Nenhuma mudança ou convergência em torno do que conta serão conseguidos se o registo for de guerrilha, sem pingo de interesse no compromisso e na expressão da vontade maioritária dos sócios, os de Lisboa e os outros. Todos no mesmo patamar, como na reivindicada democracia. A que respeita a vontade do povo e não faz da liberdade de expressão, uma verbalização do insulto e da suspeita permanente. Para haver união são precisas convergências das vontades, sem reservas mentais ou pseudo-superiodades morais.

Um juiz sem futuro, de uma justiça fragilizada 

O panorama real e mediático está tão povoado de disfunções da justiça, que o normal funcionamento, sensato e consequente, até soa a algo sublime. Esteve bem o Conselho Superior da Magistratura ao deliberar, por unanimidade, a expulsão do exercício de um espécime que de juiz já só tinha o título. Fica assim num patamar inferior ao da PSP quando esta está no exercício ajustado da autoridade que o Estado lhe confere.

O submarino dos combustíveis 

No quadro do arsenal de armamento para a guerra do relançamento das dinâmicas económicas e sociais, o governo bem pode acenar com a bazuca que o que está a pontuar o quotidiano dos cidadãos é o persistente submarino do preço dos combustíveis. São meses de encaixe de impostos que afundam a vida dos cidadãos e das empresas, qual submarino descontrolado a afundar. Bem pode o Orçamento trazer umas quantas benesses que o saldo acumulado é de esbulho do bolso de quem precisa de mobilidade autónoma, só inteligente para o Estado e para as gasolineiras. O desfoque da vida real tem um preço. Já teve nas autárquicas e abusa-se da sorte e proteção.

Ai os cartazes das autárquicas

Passaram duas semanas sobre as eleições autárquicas e as aldeias, vilas e cidades ainda estão pejadas de cartazes dos candidatos. Alguns perdurarão meses. Saúdo os candidatos e os partidos que já retiraram os seus materiais de campanha, num importante impulso cívico de compromisso com o ambiente das nossas terras.