Diógenes era um filósofo grego que vivia seminu dentro de uma urna de barro na ágora de Atenas. Não queria nem precisava de nada, vivia de restos e do que lhe davam. Certo dia o todo poderoso Alexandre da Macedónia dirigiu-se-lhe com o convite para integrar a sua corte. Se o fizesse, Alexandre dar-lhe-ia o que ele se lembrasse de pedir. Diógenes abriu um dos olhos, fitou Alexandre e disse ‘‘o que eu preciso é que me saias da frente, estás-me a tapar o sol’’.
É uma boa parábola para ilustrar o que deveria ser a atitude da economia privada e da sociedade civil portuguesa perante o estado socialista. Ao contrário do que os socialistas parecem pensar e praticam, um país não cresce ao aumentar a dívida pública e a distribuir mais do que produz; Um país não cresce a enlear as empresas nacionais em mil e uma regras e regulamentações, impostos altos e taxas diversas, eletricidade caríssima, hiper-regulação laboral.
Da mesma forma que um país não cresce atolado numa economia de compadrio, de falsos capitalistas enterrados em dívidas e ávidos de favores do estado e de gordos contratos públicos.
O país ainda menos precisa de um Estado/PS que se arrogue o direito de distribuir farturas a quem bem entende, dispondo dos dinheiros europeus como um prémio à fidelidade partidária.
Vivemos há 26 anos quase sempre nesta situação de acumular dívida pública, acrescer à nossa falta de competitividade e a perder lugares no ranking europeu. Até quando?
O que Portugal precisa é de mudar de vida, e quem pode propiciar essa ‘‘viradeira’’ (nas palavras elegantes de Catarina Martins) é a direita.
Nas últimas eleições autárquicas assistimos a uma mudança de ciclo político. Não foi uma viradeira, mas foi uma inflexão. O que fazer com ela é o tema deste artigo.
Tal como o Verão não desaba no outono de repente nem por decreto, mas antes por revoadas de temperaturas mais baixas e outras cada vez menos altas, também os ciclos políticos não acabam de repente, vão acabando. Aquilo a que assistimos nas últimas autárquicas é o princípio do fim deste ciclo socialista. Não vai ser de repente, mas não me sobram dúvidas de que um destes dias a direita volta ao poder. É inevitável e vai acontecer.
Para isso acontecer o mais breve possível é necessário que sobrevenham várias coisas e para ser útil ao país é necessário que aconteçam outras, que seja traçado um rumo; a quem não sabe para onde vai qualquer caminho serve e todos são maus.
Em primeiro lugar, é preciso que a direita arrume a casa. Comecemos pela expressão ‘‘a direita’’: eu digo ‘‘a direita’’ por oposição a ‘‘a esquerda’’. Quer uma quer outra disputam um eleitorado de classe média, do centro político, que num momento, com Cavaco e Silva pode votar à direita e noutro, com José Sócrates, votou à esquerda, mas não são a mesma coisa: simplificando, uns querem distribuir para crescer, acreditando na magia; os outros querem crescer para poder distribuir, e sabem que isso demora tempo.
Arrumar a casa à direita, implica então fazer o recenseamento de quem a integra e quem não a integra, quem pretende adotar um rumo comum e quem diverge desse rumo. Implica estabilizar a situação interna de cada um dos partidos da direita, virar o olhar para fora em vez de continuar a olhar para dentro, sair das guerras partidárias e pôr o foco no país. É uma coisa que a direita não consegue desde 2015. Já não seria pouco.
Em 2015 o PS tirou da manga a ‘‘geringonça’’. Até então, era prática que o partido mais votado, mesmo que não dispusesse de uma maioria automática, governava. Passos, ao polarizar até ao extremo a situação política, criou o caldo de cultura da geringonça e abriu a porta a uma divisão do país em dois: à direita e à esquerda. Em 2023 (se lá chegarmos) não vai ganhar as eleições o partido mais votado, mas antes a coligação que consiga gerar uma maioria absoluta na Assembleia, pelo menos naquilo que é essencial. Isso significa que ou a ‘‘direita’’ tem maioria absoluta ou a esquerda vai continuar a governar. O precedente do Governo minoritário de Cavaco e Silva em 1985 acabou.
Arrumar a casa significa pois restabelecer a ordem nos partidos da direita e definir qual é o perímetro dessa direita. O país já se fartou do espetáculo indecoroso das guerras de personalidades dos partidos da direita. É bom que tomem consciência disso. Enquanto não houver uma direita estável e organizada não haverá alternativa política credível.
Em segundo lugar é necessário que a direita defina o rumo a propor ao país. De nada servirá ganhar umas eleições (e torna esse desiderato mais difícil) se a direita não for portadora de uma proposta de mudança para o país. Durão Barroso tornou isso amplamente evidente.
Era bom que ao arrumar a casa os líderes da direita tomassem consciência de que o poder até lhes pode cair no colo mercê de uma grave crise do PS (que não é de excluir), mas que se for o caso, não vão durar muito.
O que o país espera deles é um conjunto de propostas de mudança e de reforma em áreas essenciais para a vida das pessoas. Se essas propostas não forem feitas e discutidas antes de umas eleições, não haverá qualquer legitimidade par as fazer depois. Esse é o ponto.
Podem as boas almas da esquerda continuar a esfalfar-se a dizer maravilhas do sistema nacional de saúde, mas qualquer pessoa sensata sabe que o sistema é uma catástrofe que mal funciona. A solução obvia é dar alternativas entre o público e o privado e gerir o público em parcerias público-privadas como se de privados se tratasse.
Podem os juízes continuar a tecer loas a um sistema de justiça que funciona vergonhosamente, mas qualquer um sabe que esse sistema necessita de ser alterado de alto a baixo.
O sistema de ensino universal e gratuito tem muito de que se diga bem e muito mais de que se pode dizer mal. Nada como proporcionar aos pais a possibilidade da optar permitindo-lhes escolher a escola em que querem que os seus filhos sejam educados, dando a todas autonomia de gestão, responsabilidade por essa gestão, responsabilidade pelos projetos educativos e um financiamento baseado no numero de alunos. Públicas ou privadas.
Pode a administração pública continuar a fazer greves e chantagear o Estado, mas os cidadãos sabem que não podem contar com ela para o seu progresso. São uma força de imobilismo e arrastam o país para baixo.
São muitas as reformas que necessitam de ser introduzidas, desde a libertação das empresas das mil e uma regulamentações absurdas, à fiscalidade abusiva, à forma e natureza do investimentos públicos e dos projetos estruturantes.
Já se viu que não é a esquerda que vai fazer essas reformas. Então quem?
O meu medo não é que um dia o país estoure; é precisamente que não estoure e se vá apagando lentamente numa ‘‘apagada e vil tristeza’’ que aos nossos filhos e netos nada dirá, razão porque vão imigrando.
Cada ano que passa as nossas chances de sucesso são menores, as oportunidades de mudar cada vez menos, o nosso futuro cada vez mais comprometido.
Acho que os portugueses já começaram a entender que é necessário dizer ao Estado que ‘‘o que eu preciso é que me saias da frente, estás-me a tapar o sol’’. Faltam agora protagonistas credíveis e que digam ao que vêm.
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça, subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”