E depois das eleições autárquicas, que futuro?


Só discutindo e fazendo assentar a resolução dos problemas de hoje num projeto de futuro se evitará o desinteresse pela atividade política democrática.


As eleições autárquicas acabaram e o país passou, depressa, a centrar-se noutro tipo de preocupações.

Há, todavia – e, em certo sentido, ainda bem que assim é – uma relação entre o local e global, entre o imediato e o futuro, que importa não perder de vista.

Com ou sem orçamento, com ou sem PRR, Portugal e os portugueses enfrentam agora, depois da pandemia, os caminhos do seu futuro.

Se nos centrarmos apenas nos problemas muito concretos que a governação das diversas instituições do poder central ou local terão quotidianamente de resolver, pouco espaço e pouco tempo restarão para a discussão política sobre esse futuro, que queremos, certamente, de maneiras diferentes, mas que, apesar das diferenças, acabaremos por construir em conjunto.

É verdade que muitas das pequenas e mais gritantes injustiças foram sendo corrigidas com as intervenções sistemáticas dos que continuam a apostar numa democracia que se não quer apenas formal.

Porém, os salários de miséria ainda hoje subsistem para um número demasiado grande de portugueses.

Os que, por exemplo, são hoje propostos a uma geração de jovens portugueses com formação académica e superior pouco ultrapassam – quando ultrapassam – essa miséria geral.

As consequências dessa injustiça refletem-se na visão que todos vamos fazendo da vida pública e irão refletir-se sempre, mais e mais, em todos os domínios da política e da restante vida social do país.

Esses jovens quadros, mesmo que ainda disso possam não ter plena consciência, fazem já hoje parte do “povo miúdo” e muitos deles auferem salários frequentemente tão miseráveis – às vezes mesmo menos – quanto os dos trabalhadores não qualificados.

Por tal razão, também, não é possível resolver a outra grave crise que afeta a nossa sociedade: a crise da habitação.

Em demasiados casos, nem para custear as suas mais módicas rendas, o salário hoje auferido por esses jovens quadros é suficiente.

Vivi, como jovem adulto, num tempo em que ter estudado – o que, então, não era para todos – permitia aceder a um emprego estável e razoavelmente pago, pelo menos de modo a permitir constituir família, alugar um apartamento pequeno, mas decente, ir comprando, a prestações, um carro barato e, até, fazer férias nacionais.

A perspetiva de melhorar progressivamente, mesmo que lenta, a situação profissional era, também, uma realidade, e, assim, era-nos permitido projetar o futuro nos diversos planos da nossa existência: o plano pessoal e coletivo.

Se as nossas ambições materiais eram limitadas, a nossa autossuficiência estava razoavelmente garantida – não precisávamos do apoio dos nossos pais – até porque, depois do 25 de Abril, o Estado passou a assegurar reformas mais dignas, assim como a saúde e a educação e, mesmo no setor privado, algumas empresas reforçavam esse apoio de várias maneiras.

Algumas dela, inclusivamente, apoiavam as férias escolares dos filhos dos seus trabalhadores, em instalações próprias, bem localizadas e bem assistidas.

Claro está que, na altura, a diferenciação salarial entre gestores de topo e trabalhadores era incrivelmente menor e, portanto, até por isso, era compreensível a todos – gestores e trabalhadores – a necessidade de as empresas manterem tais apoios sociais.

Hoje, muita dessa preocupação social das empresas desapareceu, justificando-se, eufemisticamente, tal desinvestimento social com a necessidade da sua maior competitividade.

Ninguém diz, porém, que tais apoios ajudavam à segurança e estabilidade pessoal e familiar dos trabalhadores e, portanto, à sua maior produtividade.

Em suma, no início da democracia, com mais ou menos expectativas, havia, para muitos portugueses de diversas condições sociais e económicas, uma promessa de futuro: um futuro demasiado modesto em alguns casos, mas, mesmo assim, futuro.

Havia uma base razoavelmente segura onde – como agora se diz – alavancar a projeção do futuro de cada um e de todos nós.

Por isso, também, o interesse pela discussão política e pelos modelos de sociedade que se desejavam – e havia então uma real diferença entre eles – levava muitos cidadãos a ter uma atividade cívica regular e a participar empenhadamente nos processos eleitorais.

Todos buscavam um futuro: um futuro para si e para os outros.

O definhamento do interesse nas eleições autárquicas – demonstrado amargamente na última taxa de abstenção – não resulta, assim, de uma alegada menor proximidade dos eleitores com os eleitos ou da necessidade de, para alegadamente a contrariar, se redesenharem os mapas e sistemas de votação e representação.

Os autarcas são, em geral, próximos dos seus eleitores e, nem por isso, a crescente abstenção eleitoral os deixou de afetar.

A crescente abstenção situa-se, antes, na consciência da falta de perspetivas e na incapacidade que muitos e muitos portugueses – e designadamente os mais jovens – sentem para planear a sua vida num contexto de total precariedade e de visível falta de oportunidades para ultrapassar o atual estado de coisas.

É essa falta de perspetivas – essa ideia de que não há alternativa – que os impede de projetar o seu futuro individual e os leva a desistir de pensar o futuro coletivo do país.

Aí, sim, reside o desalento com a política, as eleições e o crescimento das águas cada vez mais turvas onde alguns pescadores, mais ou menos sorridentes, querem pescar para promoverem a raiva que o desânimo sempre cria.

Pensar o futuro de maneira consistente é a única maneira realista de combater a abstenção eleitoral atual.

Só desse modo – fazendo assentar a resolução dos problemas de hoje num projeto de futuro – se evitará, também, o desinteresse pela atividade política quotidiana no que ela possa ter de mais concreto.

Voltar a discutir política – política a sério – ou seja, a vida palpável das pessoas que hoje nos rodeiam e connosco existem aqui, mas também os projetos e tempos do futuro onde uma solução mais perfeita dos seus problemas atuais se insira, é a única maneira de impedir a sua desmobilização democrática e o avanço do autoritarismo sebastianista.

Tomar medidas ambiciosas, mas possíveis agora, e, simultaneamente, projetar e estabelecer metas próximas, identificáveis e generosas para as aperfeiçoar e completar, é fundamental: só assim, nas circunstâncias atuais, se pode mobilizar os cidadãos e construir o futuro.

Podemos inventar e realizar imagens amáveis e modernas de cidades e do país para captar os estrangeiros e os seus investimentos, mas necessitamos, urgentemente, de criar uma imagem de um futuro credível e mais justo de Portugal para a maioria dos portugueses e, designadamente, para os mais jovens. 


E depois das eleições autárquicas, que futuro?


Só discutindo e fazendo assentar a resolução dos problemas de hoje num projeto de futuro se evitará o desinteresse pela atividade política democrática.


As eleições autárquicas acabaram e o país passou, depressa, a centrar-se noutro tipo de preocupações.

Há, todavia – e, em certo sentido, ainda bem que assim é – uma relação entre o local e global, entre o imediato e o futuro, que importa não perder de vista.

Com ou sem orçamento, com ou sem PRR, Portugal e os portugueses enfrentam agora, depois da pandemia, os caminhos do seu futuro.

Se nos centrarmos apenas nos problemas muito concretos que a governação das diversas instituições do poder central ou local terão quotidianamente de resolver, pouco espaço e pouco tempo restarão para a discussão política sobre esse futuro, que queremos, certamente, de maneiras diferentes, mas que, apesar das diferenças, acabaremos por construir em conjunto.

É verdade que muitas das pequenas e mais gritantes injustiças foram sendo corrigidas com as intervenções sistemáticas dos que continuam a apostar numa democracia que se não quer apenas formal.

Porém, os salários de miséria ainda hoje subsistem para um número demasiado grande de portugueses.

Os que, por exemplo, são hoje propostos a uma geração de jovens portugueses com formação académica e superior pouco ultrapassam – quando ultrapassam – essa miséria geral.

As consequências dessa injustiça refletem-se na visão que todos vamos fazendo da vida pública e irão refletir-se sempre, mais e mais, em todos os domínios da política e da restante vida social do país.

Esses jovens quadros, mesmo que ainda disso possam não ter plena consciência, fazem já hoje parte do “povo miúdo” e muitos deles auferem salários frequentemente tão miseráveis – às vezes mesmo menos – quanto os dos trabalhadores não qualificados.

Por tal razão, também, não é possível resolver a outra grave crise que afeta a nossa sociedade: a crise da habitação.

Em demasiados casos, nem para custear as suas mais módicas rendas, o salário hoje auferido por esses jovens quadros é suficiente.

Vivi, como jovem adulto, num tempo em que ter estudado – o que, então, não era para todos – permitia aceder a um emprego estável e razoavelmente pago, pelo menos de modo a permitir constituir família, alugar um apartamento pequeno, mas decente, ir comprando, a prestações, um carro barato e, até, fazer férias nacionais.

A perspetiva de melhorar progressivamente, mesmo que lenta, a situação profissional era, também, uma realidade, e, assim, era-nos permitido projetar o futuro nos diversos planos da nossa existência: o plano pessoal e coletivo.

Se as nossas ambições materiais eram limitadas, a nossa autossuficiência estava razoavelmente garantida – não precisávamos do apoio dos nossos pais – até porque, depois do 25 de Abril, o Estado passou a assegurar reformas mais dignas, assim como a saúde e a educação e, mesmo no setor privado, algumas empresas reforçavam esse apoio de várias maneiras.

Algumas dela, inclusivamente, apoiavam as férias escolares dos filhos dos seus trabalhadores, em instalações próprias, bem localizadas e bem assistidas.

Claro está que, na altura, a diferenciação salarial entre gestores de topo e trabalhadores era incrivelmente menor e, portanto, até por isso, era compreensível a todos – gestores e trabalhadores – a necessidade de as empresas manterem tais apoios sociais.

Hoje, muita dessa preocupação social das empresas desapareceu, justificando-se, eufemisticamente, tal desinvestimento social com a necessidade da sua maior competitividade.

Ninguém diz, porém, que tais apoios ajudavam à segurança e estabilidade pessoal e familiar dos trabalhadores e, portanto, à sua maior produtividade.

Em suma, no início da democracia, com mais ou menos expectativas, havia, para muitos portugueses de diversas condições sociais e económicas, uma promessa de futuro: um futuro demasiado modesto em alguns casos, mas, mesmo assim, futuro.

Havia uma base razoavelmente segura onde – como agora se diz – alavancar a projeção do futuro de cada um e de todos nós.

Por isso, também, o interesse pela discussão política e pelos modelos de sociedade que se desejavam – e havia então uma real diferença entre eles – levava muitos cidadãos a ter uma atividade cívica regular e a participar empenhadamente nos processos eleitorais.

Todos buscavam um futuro: um futuro para si e para os outros.

O definhamento do interesse nas eleições autárquicas – demonstrado amargamente na última taxa de abstenção – não resulta, assim, de uma alegada menor proximidade dos eleitores com os eleitos ou da necessidade de, para alegadamente a contrariar, se redesenharem os mapas e sistemas de votação e representação.

Os autarcas são, em geral, próximos dos seus eleitores e, nem por isso, a crescente abstenção eleitoral os deixou de afetar.

A crescente abstenção situa-se, antes, na consciência da falta de perspetivas e na incapacidade que muitos e muitos portugueses – e designadamente os mais jovens – sentem para planear a sua vida num contexto de total precariedade e de visível falta de oportunidades para ultrapassar o atual estado de coisas.

É essa falta de perspetivas – essa ideia de que não há alternativa – que os impede de projetar o seu futuro individual e os leva a desistir de pensar o futuro coletivo do país.

Aí, sim, reside o desalento com a política, as eleições e o crescimento das águas cada vez mais turvas onde alguns pescadores, mais ou menos sorridentes, querem pescar para promoverem a raiva que o desânimo sempre cria.

Pensar o futuro de maneira consistente é a única maneira realista de combater a abstenção eleitoral atual.

Só desse modo – fazendo assentar a resolução dos problemas de hoje num projeto de futuro – se evitará, também, o desinteresse pela atividade política quotidiana no que ela possa ter de mais concreto.

Voltar a discutir política – política a sério – ou seja, a vida palpável das pessoas que hoje nos rodeiam e connosco existem aqui, mas também os projetos e tempos do futuro onde uma solução mais perfeita dos seus problemas atuais se insira, é a única maneira de impedir a sua desmobilização democrática e o avanço do autoritarismo sebastianista.

Tomar medidas ambiciosas, mas possíveis agora, e, simultaneamente, projetar e estabelecer metas próximas, identificáveis e generosas para as aperfeiçoar e completar, é fundamental: só assim, nas circunstâncias atuais, se pode mobilizar os cidadãos e construir o futuro.

Podemos inventar e realizar imagens amáveis e modernas de cidades e do país para captar os estrangeiros e os seus investimentos, mas necessitamos, urgentemente, de criar uma imagem de um futuro credível e mais justo de Portugal para a maioria dos portugueses e, designadamente, para os mais jovens.