The Many Saints of Newark. As novas caras e vidas da família Soprano

The Many Saints of Newark. As novas caras e vidas da família Soprano


Estreou esta sexta-feira, na plataforma norte-americana da HBO, a prequela da aclamada série Os Sopranos. The Many Saints of Newark conta a história de um jovem Tony Soprano, interpretado pelo filho de James Gandolfini.


Existem obras que deixam uma marca tão profunda na cultura e com um legado tão enraizado na memória das pessoas que só o pensamento de alterar o mais pequeno detalhe da sua história gera acusações de blasfémia… mas e se alguém se atrever a ultrapassar esta linha?

Foi este o desafio do argumentista e produtor David Chase, criador da aclamada série Sopranos, que decidiu voltar a atirar-se de cabeça para a vida desta família com o filme The Many Saint of Newark, que estreou esta sexta-feira na plataforma de streaming HBO Max, nos Estados Unidos – em Portugal ainda não existe uma data definida para a estreia.

A série foi um marco e mudou para sempre as produções da televisão. Após a sua estreia, em 1999, foi apresentada pela primeira vez com uma narrativa complexa, com uma atenção minuciosa aos detalhes, e que, pela primeira vez, pelo menos na televisão, colocava os bandidos, nomeadamente o icónico mafioso Tony Soprano, interpretado pelo grande James Gandolfini (que faleceu em 2013), no centro da trama e com um tratamento sério.

Não estávamos a olhar para uma caricatura ou o típico estereótipo de um criminoso, acompanhávamos estas personagens no seu dia a dia como os humanos defeituosos que eles eram. Íamos com Tony à sua psicóloga enquanto este tentava lidar com os seus ataques de ansiedade e conhecíamos a sua família e todos os problemas que enfrentava no seu lar.

Mas não era só Tony, existia toda uma interessante galeria de personagens coloridos e multifacetados, como o inesquecível Christopher Moltisanti (interpretado por Michael Imperioli), sobrinho de Tony, que apesar de desejar subir na “família”, também ambicionava ser argumentista de Hollywood; Paulie Gualtieri (Tony Sirico), tão violento e neurótico como preocupado com o bem estar e saúde da sua mãe (e do seu cabelo); ou Silvio Dante (Steven Van Zandt, que além de ator, também é guitarrista na banda de Bruce Springsteen), o braço-direito de Tony, responsável por executar os traidores da família e por gerir o clube de strip Bada Bing, mas ao mesmo tempo um pai e marido dedicado.

Todas estas complexidades tornaram Os Sopranos uma das séries mais amadas de sempre, com um legado que tornou possível a criação de outros êxitos como Breaking Bad, que nos trouxe o anti-herói Walter White (Brian Cranston), ou The Wire, com a complexidade da sua narrativa e a forte personalidade de criminosos como Stringer Bell (Idris Elba) ou Omar Little (Michael K. Williams, falecido no início deste mês).

Com tanta pressão em cima, só um homem como David Chase, conhecido pela sua autoconfiança, poderia voltar a pegar nos Sopranos e remexer no seu legado. “Queria fazer algo tão bom quanto os Sopranos”, disse o argumentista ao Financial Times.

Para já, uma coisa é certa: Chase criou algo certamente diferente.

Uma nova perspetiva Uma prequela d’Os Sopranos, The Many Saints of Newark apresenta-nos Tony Soprano durante a sua adolescência e os primeiros passos da sua carreira no crime organizado. Mas o foco do filme não está na iniciação de Tony no mundo da máfia.

Não, o personagem principal da trama, que agora se passa nos anos 1960, é uma figura de quem, até agora, apenas tínhamos ouvido falar: Dickie Moltisanti (Alessandro Nivola, que entrou em filmes como Face/Off ou Jurassic Park III), pai de Christopher. Até agora, apenas o seu nome tinha sido mencionado na série.

À semelhança do seu filho, o carismático Dickie está a procurar subir nos escalões da máfia de forma a garantir mais poder e um lugar na chefia.

No entanto, esta procura pessoal coincide com os tumultuosos protestos e confrontos de 1967, em Newark, entre as comunidades italo-americana e afro-americana. Este foi um ano crucial na batalha pelos direitos civis nos Estados Unidos, quando ocorreu o “longo e quente verão” marcado por inúmeras manifestações contra a polícia.

Estes protestos já tinham sido retratados na série, mas nunca com este grau de envolvência e profundidade.

Desta vez, um personagem negro, Harold McBrayer (Leslie Odom Jr., ator e cantor e uma das estrelas do musical Hamilton), que começa o filme como um dos “soldados” de Dickie, passa a ocupar um espaço com mais destaque neste “universo” que, regra geral, tem sido dominado por homens brancos.

Uma grande sombra a pairar sobre Newark Além da grande mudança de foco neste filme, existia também um grande problema a resolver na produção de The Many Saints of Newark. Quem é que possuía a energia, aura e talento para calçar as botas de Tony Soprano e prosseguir com o legado deste gigante?

A resposta estava no sangue da família de Gandolfini, com a equipa a optar por utilizar o filho do falecido, Michael Gandolfini (que já tinha participado em filmes como Oceans Eight ou séries como The Deuce, também uma produção da HBO) para desempenhar o papel do jovem Tony.

Apesar de nunca ter surgido diretamente na série, esta fez parte do crescimento do jovem ator, de 22 anos, que, quando ainda era um bebé, acompanhava o pai até ao set onde a série era gravada e costumava ficar a dormir na mesma cama onde Tony Soprano e Carmela (Edie Falco), a sua mulher, se deitavam durante os episódios.

Michael, em entrevistas, confessou que não foi um papel fácil. “Eu posso saber como é que interpreto o meu pai”, explicou, “mas não sei como é que se interpreta o Tony”.

“Tive que criar a minha própria versão do Tony, baseada na minha experiência pessoal, e interpretar aqueles traços que o tornam único”, citou o New York Times, que acrescentou que o jovem ficou fascinado pela forma como o “personagem conseguia chorar, ficar zangado consigo mesmo por estar a chorar e rir-se de si próprio, tudo na mesma cena”.

“A pressão [de desempenhar o papel do meu pai] é real. Foi uma experiência assustadora. Mas existe toda uma camada, na qual as pessoas não pensam muito, que é o facto de o Tony Soprano ser uma personagem verdadeiramente difícil de interpretar… não se trata do sentimento de ele ser o meu pai: o Tony Soprano é um personagem difícil”, esclareceu Michael.

Outros personagens acarinhados da série vão regressar, como a mãe de Tony, Livia Soprano (Vera Farmiga), o seu pai, Johnny Boy Soprano (Jon Bernthal), ou o tio, Junior Soprano (Corey Stoll). Mas também há novas caras, nomeadamente Aldo ‘Hollywood Dick’ Moltisanti, interpretado por um rosto familiar para fãs de filmes de mafiosos, Ray Liotta, protagonista de Tudo Bons Rapazes, de Martin Scorsese.