Moratórias chegaram ao fim

Moratórias chegaram ao fim


Consumidores contestam falta de apoios. Para as empresas já abriram as candidaturas para a ajuda pós-moratórias. Linha Retomar pretende ajudar as mais afetadas.


Já estão abertas as candidaturas à linha Retomar, que tem como objetivo ajudar as empresas mais afetadas pela pandemia no pagamento das suas obrigações, numa altura em que já terminaram as moratórias bancárias. «Esta linha de apoio, desenvolvida tendo em consideração as necessidades das empresas que necessitam de reestruturar o seu capital, procurando dar-lhes proteção e poder na negociação com os seus credores, se destina a empresas de qualquer dimensão, que desenvolvam, em território nacional, atividade principal num dos setores mais afetados pela pandemia e que cumpram cumulativamente as condições e os requisitos de acesso à linha», refere o Banco de Fomento.

Em causa estão cerca de 36,3 mil milhões de euros em empréstimos ao abrigo da moratória pública em agosto, ainda assim, um número ligeiramente abaixo do observado no mês anterior, sendo que mais de 289 mil famílias e empresas beneficiavam desta medida de proteção do crédito que terminou esta quinta-feira. Deste total, 14,1 mil milhões correspondem a empréstimos a particulares – incluindo famílias, IPSS e empresários em nome individual, dos quais 12,7 mil milhões de euros são créditos da casa cuja prestação de juros e ou capital está suspensa, segundo os dados divulgados esta quinta-feira pelo Banco de Portugal – enquanto os restantes 21,5 mil milhões de euros dizem respeito a crédito de empresas, dos quais 8,3 mil milhões são dos setores mais vulneráveis – alojamento e restaurantes, comércio e transportes – que vão poder beneficiar das garantias públicas concedidas pelo Estado nas reestruturações dos contratos após o fim das moratórias.

De acordo com o Portal da Queixa, ao longo dos 18 meses em que vigorou esta medida inédita, recebeu mais de 200 reclamações. O Santander, Caixa Geral de Depósitos e Millennium BCP são as entidades bancárias com o maior volume de queixas. «O decreto-lei do Governo, que saiu em agosto, diz que os bancos devem ser diligentes na sinalização de clientes em dificuldades e apresentem melhorias das condições contratuais nos créditos de clientes que beneficiaram das moratórias públicas, facilitando o seu pagamento. Nos casos em que fossem previsíveis dificuldades, os bancos tinham até meio de setembro, para apresentar-lhes propostas de solução. Porém, são muitos os consumidores que dizem não ter recebido qualquer contacto ou proposta por parte da instituição bancária e outros queixam-se da falta de informação ou então ausência de resposta», alerta o portal.

‘Arrastar da situação’

Natália Nunes, da Deco, também tem essa perceção. «Nem todos os consumidores com dificuldades financeiras receberam propostas por parte da banca, uma vez que, o sistema financeiro não está obrigado a fazer uma proposta de regularização de pagamentos, quando chega à conclusão que a família não tem capacidade financeira para manter o crédito», garante.

Já no final de agosto, tinha admitido ao nosso jornal que a bomba-relógio seria em janeiro, quando terminar o período de 90 dias, altura em que não pode haver resolução de contratos, nem o banco pode avançar para a via judicial. Mas, até lá, a responsável acredita que haja famílias que vão começar a vender os seus imóveis. 

Durante o mês de setembro, revela, a Deco foi contactada por vários consumidores que receberam propostas por parte dos bancos. «Mas as propostas vão quase todas no mesmo sentido: períodos de carência que variam entre os seis e os 12 meses», aponta. «É um bocadinho o arrastar da situação, independentemente da causa das dificuldades. Há famílias, cujas dificuldades financeiras vão ser tão grandes que não veem a perspetiva de alterar sua situação financeira a curto prazo e vão acabar por ver que a melhor opção é vender as suas casas, a curto prazo», termina a responsável. 

‘Muitas famílias perderão as suas casas’

Também os analistas contactados pelo i admitiram que as perspetivas não são animadoras. Nuno Mello, da XTB, admite que, na prática, muitas das famílias abrangidas pelas moratórias não tinham realmente necessidade de as pedir e começarão a pagar os empréstimos sem problemas. No entanto, acredita que nem todos estão nessa situação: «Alguns milhares de famílias não conseguirão cumprir com as suas obrigações e, passados os 90 dias, ou seja, no início de 2022, os bancos poderão avançar com processos judiciais e execução das hipotecas». Nuno Mello prevê que isso «provocará uma crise social, com muitas famílias a perderem as suas casas e recorrerem a processos de insolvência, e terá um impacto tremendo no mercado imobiliário, que tem sido, nos últimos anos, um dos principais motores do crescimento da economia portuguesa».

A situação também não é mais fácil para as empresas. De acordo com o analista, com o fim da moratória pública, no final do mês de setembro, existem várias empresas (sobretudo as dos setores mais afetados pela pandemia, como a restauração, alojamento e comércio) que enfrentam ainda muitas dificuldades e famílias que viram o seu rendimento diminuir ou que se encontram mesmo em situação de desemprego. E recorda: «Portugal é um dos países em que o peso dos créditos em moratória em percentagem do total da carteira de crédito é maior. Apesar dos banqueiros portugueses não parecerem muito preocupados com o impacto do fim das moratórias, até porque têm vindo a preparar-se para o impacto da pandemia ao constituir imparidades para responder a potenciais perdas futuras, o que aliás tem pressionado os resultados das instituições. Resta saber se as imparidades constituídas serão suficientes. A minha opinião é de que não são e que o rácio de crédito em incumprimento sobre o total da carteira irá aumentar significativamente».

Mais otimista está Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa: «O fim das moratórias teria que acontecer um dia. As autoridades competentes estão a trabalhar nessa transição e no pós-moratórias», refere. Mas também considera que algo deve ser feito para evitar males maiores: «Os bancos devem fazer uma avaliação criteriosa da situação dos clientes que beneficiam das moratórias. Se existir risco de incumprimento e se o cliente tiver capacidade financeira, os bancos devem apresentar propostas alternativas e adequadas à situação financeira do cliente em causa, mas sem agravamento de juro. Além disso, é provável que haja prorrogações do prazo em casos excecionais e mais delicados de clientes que ainda enfrentem dificuldades», conclui.