As autárquicas e o défice do político


Não é claro se a derrota de Medina se deve a um castigo ao PS ou a uma desmobilização do eleitorado favorável ao ex-presidente da Câmara.


Se se podem tirar algumas lições destas eleições autárquicas, uma delas, talvez a mais importante, é a confirmação da existência de um grave défice do político na nossa sociedade, seguindo, aliás, a tendência universal.

A expressão é do sociólogo francês Michel Wieviorka e encontrei-a num interessante trabalho publicado com o título “A nova primavera do político”, um resumo de um encontro à porta fechada de intelectuais de diversos países, incluindo Portugal, realizado em França em 2005, dedicado exatamente a debater o crescente afastamento dos cidadãos da intervenção política.

“Esta questão merece certamente ser posta, pois que, a todos os níveis, o que parece ter a primazia é o contrário do “político”: a violência e a guerra, os grupos humanos que se fecham sobre eles próprios, as tendências para a redução do interesse comunitário, nacionalista e religioso; a capacidade para impulsionar a construção de vastos conjuntos regionais; o unilateralismo dos poderosos ao qual só pode responder o extremismo dos mais fracos; o triunfo das forças mais devastadoras, tais como o dinheiro, o capitalismo desenfreado e, finalmente, o desencantamento daqueles que, desiludidos, se afastam pura e simplesmente da política e, como cidadãos, se abstêm” – escreve Wieviorka.

Regressemos então às eleições autárquicas do passado domingo e à elevada abstenção – rondou os 46% – num ato eleitoral que, em boa teoria, deveria mobilizar os cidadãos eleitores, uma vez que se trata de uma maior proximidade e conhecimento dos candidatos e de um poder que pode resolver, a curto prazo, questões concretas que implicam com a nossa qualidade de vida.

Mas nem assim os cidadãos se mobilizam.

Para além de alguns resultados surpreendentes, com destaque para Lisboa, e do comentário político do costume que aponta para “cartões amarelos” para o governo e até a exigência de uma remodelação governamental, a verdade é que não é absolutamente claro, no caso de Lisboa, por exemplo, se a derrota de Medina se deve a um castigo ao PS ou a uma desmobilização do eleitorado favorável ao ex-presidente da Câmara, por julgar que a sua vitória eram “favas contadas”, a avaliar pelas sondagens.

Será que o resultado destas autárquicas revela um cansaço do governo? Será que António Costa perde a sua arrogância? Será que Rui Rio ganhou um balão de oxigénio com a recuperação de um resultado desastroso de há quatro anos?

Será que um partido como o Bloco de Esquerda reconhece que não tem qualquer vocação autárquica, isto é, para políticas concretas e visíveis?

E quanto ao PCP, a definhar claramente no poder local? E, já agora, o Chega, cujos candidatos – alguns deles – foram a animação desta campanha, no sentido humorístico. Que conclusões tira?

Quanto ao afastamento dos cidadãos, receio que, mais uma vez, ninguém se preocupe verdadeiramente com isso, adiando, como sempre, as urgentes reformas do sistema politico e atirando para as calendas o debate sobre as causas desse afastamento e, sobretudo, encontrar soluções para o travar.

 

Jornalista


As autárquicas e o défice do político


Não é claro se a derrota de Medina se deve a um castigo ao PS ou a uma desmobilização do eleitorado favorável ao ex-presidente da Câmara.


Se se podem tirar algumas lições destas eleições autárquicas, uma delas, talvez a mais importante, é a confirmação da existência de um grave défice do político na nossa sociedade, seguindo, aliás, a tendência universal.

A expressão é do sociólogo francês Michel Wieviorka e encontrei-a num interessante trabalho publicado com o título “A nova primavera do político”, um resumo de um encontro à porta fechada de intelectuais de diversos países, incluindo Portugal, realizado em França em 2005, dedicado exatamente a debater o crescente afastamento dos cidadãos da intervenção política.

“Esta questão merece certamente ser posta, pois que, a todos os níveis, o que parece ter a primazia é o contrário do “político”: a violência e a guerra, os grupos humanos que se fecham sobre eles próprios, as tendências para a redução do interesse comunitário, nacionalista e religioso; a capacidade para impulsionar a construção de vastos conjuntos regionais; o unilateralismo dos poderosos ao qual só pode responder o extremismo dos mais fracos; o triunfo das forças mais devastadoras, tais como o dinheiro, o capitalismo desenfreado e, finalmente, o desencantamento daqueles que, desiludidos, se afastam pura e simplesmente da política e, como cidadãos, se abstêm” – escreve Wieviorka.

Regressemos então às eleições autárquicas do passado domingo e à elevada abstenção – rondou os 46% – num ato eleitoral que, em boa teoria, deveria mobilizar os cidadãos eleitores, uma vez que se trata de uma maior proximidade e conhecimento dos candidatos e de um poder que pode resolver, a curto prazo, questões concretas que implicam com a nossa qualidade de vida.

Mas nem assim os cidadãos se mobilizam.

Para além de alguns resultados surpreendentes, com destaque para Lisboa, e do comentário político do costume que aponta para “cartões amarelos” para o governo e até a exigência de uma remodelação governamental, a verdade é que não é absolutamente claro, no caso de Lisboa, por exemplo, se a derrota de Medina se deve a um castigo ao PS ou a uma desmobilização do eleitorado favorável ao ex-presidente da Câmara, por julgar que a sua vitória eram “favas contadas”, a avaliar pelas sondagens.

Será que o resultado destas autárquicas revela um cansaço do governo? Será que António Costa perde a sua arrogância? Será que Rui Rio ganhou um balão de oxigénio com a recuperação de um resultado desastroso de há quatro anos?

Será que um partido como o Bloco de Esquerda reconhece que não tem qualquer vocação autárquica, isto é, para políticas concretas e visíveis?

E quanto ao PCP, a definhar claramente no poder local? E, já agora, o Chega, cujos candidatos – alguns deles – foram a animação desta campanha, no sentido humorístico. Que conclusões tira?

Quanto ao afastamento dos cidadãos, receio que, mais uma vez, ninguém se preocupe verdadeiramente com isso, adiando, como sempre, as urgentes reformas do sistema politico e atirando para as calendas o debate sobre as causas desse afastamento e, sobretudo, encontrar soluções para o travar.

 

Jornalista