MP diz que Carlos Santos Silva e primo de Sócrates foram protetores do ex-PM e critica “ato de fé cego” do juíz

MP diz que Carlos Santos Silva e primo de Sócrates foram protetores do ex-PM e critica “ato de fé cego” do juíz


Os procuradores criticaram o juíz Ivo Rosa, ao considerarem o seu julgamento como um “ato de fé cego” por se ter baseado “em meras proclamações intuitivas, baseadas apenas nas perceções íntimas do julgador”.


O Ministério Público persiste em considerar o empresário Carlos Santos Silva como uma personagem fundamental e protetora no esquema de corrupção levado a cabo pelo ex-primeiro-ministro (PM) José Sócrates.

De acordo com o recurso que pede a nulidade da decisão instrutória da Operação Marquês, entregue esta terça-feira e acedido pela agência Lusa, foi através de personagens como Carlos Santos Silva que foram recebidos os pagamentos das vantagens indevidas, a partir de planos que faziam circular o dinheiro para que chegasse "de forma oculta ou justificada diretamente ou diluída no pagamento de despesas" a Sócrates.

Para além de Carlos Santos Silva, o MP também refere o primo do ex-PM José Pinto de Sousa como personagem de proteção de Sócrates, ao afirmar que estes serviram para "diluir, esconder, justificar e até distribuir" a obtenção de vantagens ilícitas através de contratos e negócios forjados, mas mascarados com uma conduta comercial e pessoal daquele empresário.

Segundo o recurso, os procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto consideram que a subserviência de Carlos Santos Silva a Sócrates leva a que o empresário tenha como função receber dinheiro indevido, sem ter qualquer tipo de proximidade com o corruptor ativo, “como acontece” em relação ao arguido Ricardo Salgado e ao GES [Grupo Espírito Santo].

"O arguido Carlos Santos Silva não se encontra assim, do lado ativo da corrupção, como se evidencia claramente nos casos das vantagens pagas com origem no Grupo Vale do Lobo ou com origem em entidades integradas de facto no GES", aponta o MP, opondo-se assim à posição do juiz do caso Ivo Rosa.

Rosário Teixeira e Vítor Pinto também criticam o “ato de fé cego” de Ivo Rosa, dado que, segundo os procuradores, este tenha acreditado e tomado decisões baseadas em testemunhos, transformando os juízos sobre a prova "em meras proclamações intuitivas, baseadas apenas nas perceções íntimas do julgador".

"A decisão instrutória revela ser o fruto de uma apreciação dos indícios suportada na intuição e em crenças pré-adquiridas, revelando incapacidade de uma análise cruzada e global dos indícios, o que implicou o cometimento de erros lógicos e mesmo o cair em falsidades empíricas", afirma o MP no documento.

Os procuradores também criticam Ivo Rosa por ter desvalorizado o valor probatório de alguns indícios de acusação, como os interrogatórios dos arguidos e os circuitos financeiros.

Como tal, o MP considera que o juiz não deu a importância devida aos interrogatórios judiciais de Carlos Santos Silva e Joaquim Barroca, tendo este último admitido espontaneamente ter pago um montante total de 1,8 milhões de euros ao empresário, como forma extraordinária de compensar pelo seu alegado contributo na internacionalização do Grupo Lena, contrariando Carlos Santos Silva que diz ter recebido oito milhões.

De acordo com a defesa do MP, se o juíz "tivesse compreendido a lógica negocial entre os arguidos e o narrativo da acusação teria constatado que o que se indicia é a existência de uma soma de entendimentos parcelares", tal como o acerto entre Sócrates e Carlos Santos Silva para o estabelecimento de um novo circuito financeiro para receber futuras vantagens, a que se seguiu o acordo entre o empresário e Barroca "para que este último deixasse passar fundos pela sua conta".

Recorde-se que a decisão instrutória de Ivo Rosa sobre Operação Marquês ditou que apenas cinco dos 28 arguidos no caso iam a julgamento, fazendo desaparecer a grande maioria dos 189 crimes da acusação do MP.

Ivo Rosa decidiu mandar para julgamento José Sócrates, Carlos Santos Silva, apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação de documentos, Armando Vara por branqueamentos de capitais e Ricardo Salgado por três de abuso de confiança.

Os procuradores do MP pedem que esta decisão seja anulada, visto que não validou grande parte dos crimes económico-financeiros imputados aos arguidos. Ainda assim, o MP admite que um ilícito de fraude fiscal possa ter prescrito, após a acusação, e que outros de fraude possam vir a prescrever.

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