Quantas nações cabem em um país? A reedição do clássico Identificação de um país (Temas e Debates, 2015), do Professor José Mattoso, serve de mote à revisitação de um Portugal uno, mas com diversidade bem acentuada entre o Norte montanhoso com uma alma muito sua, sem direito a grandes interferências, liberdade arcaica reivindicada sem pejo, e um Sul de planícies mais fáceis de atravessar e onde o compósito se forma nas diferentes trocas.
Partindo da constatação de como, de modo praticamente uniforme, desde 1975, Norte e Sul votam de modos opostos, e com Orlando Ribeiro evocado, José Mattoso recua no tempo, no clima, na orografia e busca continuidades que ainda nos expliquem: pensamos no Norte de montanhas íngremes, isolamento imposto ou conquistado durante tempos a fio, liberdade, também, pois claro, concentração populacional, conservadorismo de quem não acolhe, por sinuoso ser, ainda, o caminho, muitos estrangeiros; arcaísmo de cultura, assim perene, valorização, por séculos, da família alargada (a viver na mesma casa), casamento tardio de mulheres, número significativo de celibatários, respeito e valorização dos mortos; a Sul, planícies, mais fácil troca de produtos e gentes, casamento mais precoce entre as mulheres, menos homens dispostos ao celibato, menor concentração de pessoas, número bem menor, ao longo dos séculos, de famílias alargadas (a viver na mesma casa), menor celebração/valorização dos mortos, maior individualismo.
No final do século XIX, maior alfabetização masculina a Norte do que a Sul; e, inversamente, maior alfabetização feminina a Sul do que a Norte. Por vezes, traços nortenhos superam fronteiras nacionais (há outros Nortes europeus que partilham algumas características demográficas com o Norte português, por exemplo, ao nível da existência de famílias alargadas e número substantivo de celibatários).
José Mattoso não propõe uma explicação de tipo causa-efeito entre orografia e carácter de um povo – ou de povos –, mas regista coincidências e continuidades. No início da nacionalidade, havia, desta sorte, diferenças claras – algumas, como sabemos, bem perenes e que devem beber, pois, em explicações muito afastadas no tempo, como vimos de observar -, que havia que harmonizar e suplantar (por vezes, diferenças que se completavam) para podermos falar de Portugal. Assim, e atendendo à efectiva diversidade portuguesa, para que a unidade da nação emergisse houve, segundo o historiador, a concorrência de quatro factores determinantes:
a) transferência de população, isto é, as migrações (nomeadamente de Norte para Sul);
b) o desenvolvimento económico e tecnológico;
c) a criação de uma classe dominante;
d) a organização do Estado.
Entre diversidade e unidade, pluralismo e harmonização, diferença e complementaridade, assim nos fizemos portugueses muito próprios.
José Mattoso. Identificação de um país
Pode ser a “libertação” prometida da Covid a lançar-nos, de novo, neste Verão de 2021, à redescoberta de um Portugal uno, mas diverso; podem ser as autárquicas, cujos resultados ainda estão a provocar abalos, e a suscitar em nós aquela curiosidade de entender como se vota, não sem constância, ao longo dos anos, diferentemente, e…