Em Lisboa só passa quem souber


Moedas pôs o PS em sentido e deu gás a Rui Rio, numas eleições que levaram a mudanças de perto de setenta presidentes, o que é muito.


1. A inesperada vitória de Carlos Moedas mostrou, novamente, que Lisboa é imprevisível na escolha de presidentes. Para não ir mais atrás, basta recordar a surpresa que constituiu a derrota de João Soares face a Santana Lopes. Moedas repetiu o cenário, mas Lisboa não lhe deu tudo. Deu-lhe a cadeira e, em contraponto, elegeu uma forte maioria à sua esquerda, que o vai obrigar a negociações permanentes e a cumprir promessas. Entre elas, avultam: apoio médico à população idosa e desfavorecida, transportes públicos gratuitos até aos 23 anos e depois dos 65 e habitação social. Vai ser muito difícil governar em minoria e cheio de bloqueios. Um cenário de eleições antecipadas na capital não pode ser excluído, o que seria desastroso. Lisboa mostrou a sua dimensão cosmopolita. Pode-se ser do Porto, como Medina, ou de Beja, como Moedas, e conquistá-la. Grande cidade, esta! Agora é deitar mãos à obra, sendo certo que Moedas teve também a ajudar a recuperação pelo PSD de algumas juntas de freguesia estratégicas em Lisboa, como as Avenidas Novas. Moedas preferiu o diálogo ao confronto. Revelou-se pessoa de convicções, ao deixar a confortável Gulbenkian para se atirar a esta corrida quase impossível. Fez lembrar Jorge Sampaio quando se mandou para a frente para ganhar o PS, para vencer em Lisboa e para, depois, ser candidato a Presidente da República. É preciso ter fibra para correr estes riscos. O ex-comissário europeu venceu porque os eleitores estavam fartos da prosápia socialista, das complicações da cidade e de tanto escândalo e trafulhices, como projetos imobiliários e prepotências. Medina pagou as favas da sobranceria PS, que ele personificou na capital.

2. Globalmente o resultado eleitoral mantém o PS como o maior partido autárquico, apesar de ter recuado. Mesmo assim, como em política o que parece é, a verdade é que os socialistas são mediaticamente perdedores. Essa derrota está personalizada em Medina e sobretudo em António Costa, que usou todos os truques demagógicos na campanha. Saiu-lhe o tiro pela culatra. Agora tem de negociar um orçamento complicado e pensar seriamente em remodelar o governo, sendo já difícil arranjar gente de primeira água para o integrar. Para Costa, 26 de setembro pode ter sido o princípio de um ciclo descendente. A vitória sabe mesmo a “poucochinho”. António José Seguro, um grande senhor, educadamente, nada comentou.

3. Já Rui Rio ganhou a noite e um novo fôlego. Rio é persistente, teimoso e rigoroso. As suas opções mais arriscadas saíram-lhe bem. Carlos Moedas, José Manuel Silva são as suas medalhas de ouro e prata. Mesmo assim podia ter somado a Guarda e a Figueira. Pode ser que alguém se atravesse para lhe disputar o lugar no congresso de janeiro. Com este resultado é improvável que Rangel avance, mas a hipótese mantém-se a avaliar pelo que Rangel escreveu no Público ontem. Rangel e Rio contam com os mesmos barões e peões. Também é provável é aparecer Pinto Luz ou um equivalente a marcar posição para o futuro. Embora ainda não tenha ganho uma eleição nacional, Rio vai, a partir de agora, subir o tom da sua oposição. As legislativas estão ao seu alcance e voltou a provar-se que ele e os seus acólitos valem mais do que o “comentariado” nacional e as sondagens. Vencer as legislativas é possível. Conseguir governar autocraticamente o país, como o faz no PSD, é outra história. Nem toda a gente tem a autoridade e a visão de Cavaco Silva ou Mário Soares.

4. O resultado autárquico é desconfortável para Marcelo que andou desaparecido. É notório que o Presidente pôs muitas vezes a mão por baixo de Costa, o que até se percebe devido ao quadro pandémico, à crise económica e ao que se julgava ser a ausência de alternativa. Marcelo foi complacente com o Governo. O seu eleitorado não gosta disso. Por outro lado, sabe-se que ele e Rio não morrem de amores um pelo outro, desde que se zangaram no PSD, quando um era presidente e o outro secretário-geral. Vai ser interessante acompanhar as mensagens que Belém vai fazer passar na comunicação social. Os jornalistas que ali trabalham vão ter matéria pela certa. A primeira nota foi dada segunda-feira ao explicar que quer evitar crises políticas. O recado é para Costa para que não procure criar uma crise e antecipar legislativas.

5. Jerónimo de Sousa viu o PCP definhar mais um bocadinho, sobretudo em benefício do PS. A sul de Lisboa, o PS é mesmo muito forte. Falhou Setúbal, mas manteve Almada. Na cidade do Sado, Fernando Negrão segurou honrosamente o PSD e passou de um para dois vereadores. Nas outras autarquias da zona o PSD desapareceu. Meteu pena ver Jerónimo desanimado, deixando o palco para o garboso João Ferreira aparecer pouco depois nas televisões a festejar o bom resultado na “gauchiste” Lisboa. Foi mais um passo para secretário-geral, embora no PCP o vedetismo por antecipação dê dissabores aos que vão pela via mediática. Ali, quem manda é a secretaria.

6. O Bloco foi igual a si próprio nestas autárquicas: fraquinho. Não tem uma câmara. Tem, no entanto, um peso nacional importante e presenças em vereações. Mantém a comunicação social a seus pés. Catarina é a vedeta inamovível. Tem presença televisiva, sabe o que quer e vai lentamente ganhando espaço na burguesia, aumentando regularmente as hipóteses de um dia chegar ao governo, metendo lá uma das manas Mortágua ou, quiçá, as duas para terror dos empresários nacionais.

7. O Chega deu para as encomendas. Não ganhou nenhuma câmara, mas conseguiu resultados claramente positivos, acima do Bloco. Com um naipe de candidatos deplorável, mostrou que é um partido caudilhista. As legislativas serão o seu grande teste. Ver-se-á aí se realmente a direita moderada depende dele para governar. Aparentemente o Chega veio para ficar, se os militantes não delapidarem o capital que, mal ou bem, Ventura amealhou. Como exemplo da mossa que pode fazer ao PSD há o caso de Sintra. Os 11% do Chega retiraram a vitória da mudança, da modernidade e da sobriedade a Ricardo Baptista Leite e António Capucho, mantendo Basílio Horta.

8. O CDS e a Iniciativa Liberal cantaram vitória no domingo. Chicão mais alto e Cotrim de Figueiredo mais baixinho, porque falhou o comboio de Moedas por excesso de confiança e uma péssima escolha de candidato, ao contrário do centrista. A análise fina dos resultados revela que o CDS foi esmagado pelo Chega onde se apresentou sozinho, o que terá consequências. Os dois políticos só resistem porque foram levados às cavalitas. Cotrim salvou-se encostado a Rui Moreira, outro vencedor relativo da noite. Tal como Moedas, não tem maioria e tem às costas o processo Selminho. Há um cenário de ingovernabilidade latente e como tal de eleições antecipadas.

9. Como aqui se antecipou, as autárquicas são eleições em que todos podem apresentar um relatório e contas satisfatório. O que tantos políticos não conseguem explicar é o motivo recorrente de quase 50% dos eleitores não quererem saber deles para nada. Mesmo assim, houve um pequeno tsunami porque perto de 70 câmaras mudaram de mãos, o que é significativo de uma tendência em que os independentes marcam forte presença com duas dezenas de câmaras.

10. Ao acordar, segunda feira, os portugueses mais racionais terão ido a correr informar-se de quem ganhou na Alemanha e quem sucede a Angela Merkel. Isso, sim, é coisa absolutamente essencial para Portugal. Rio consegue comunicar naquela dificílima língua. É um trunfo em relação a Costa que até em português engole metade das palavras. É verdade que o que perde na comunicação verbal ganha na bonomia com que pede dinheiro para alimentar a bazuca…e a bazófia.

 

Escreve à quarta-feira


Em Lisboa só passa quem souber


Moedas pôs o PS em sentido e deu gás a Rui Rio, numas eleições que levaram a mudanças de perto de setenta presidentes, o que é muito.


1. A inesperada vitória de Carlos Moedas mostrou, novamente, que Lisboa é imprevisível na escolha de presidentes. Para não ir mais atrás, basta recordar a surpresa que constituiu a derrota de João Soares face a Santana Lopes. Moedas repetiu o cenário, mas Lisboa não lhe deu tudo. Deu-lhe a cadeira e, em contraponto, elegeu uma forte maioria à sua esquerda, que o vai obrigar a negociações permanentes e a cumprir promessas. Entre elas, avultam: apoio médico à população idosa e desfavorecida, transportes públicos gratuitos até aos 23 anos e depois dos 65 e habitação social. Vai ser muito difícil governar em minoria e cheio de bloqueios. Um cenário de eleições antecipadas na capital não pode ser excluído, o que seria desastroso. Lisboa mostrou a sua dimensão cosmopolita. Pode-se ser do Porto, como Medina, ou de Beja, como Moedas, e conquistá-la. Grande cidade, esta! Agora é deitar mãos à obra, sendo certo que Moedas teve também a ajudar a recuperação pelo PSD de algumas juntas de freguesia estratégicas em Lisboa, como as Avenidas Novas. Moedas preferiu o diálogo ao confronto. Revelou-se pessoa de convicções, ao deixar a confortável Gulbenkian para se atirar a esta corrida quase impossível. Fez lembrar Jorge Sampaio quando se mandou para a frente para ganhar o PS, para vencer em Lisboa e para, depois, ser candidato a Presidente da República. É preciso ter fibra para correr estes riscos. O ex-comissário europeu venceu porque os eleitores estavam fartos da prosápia socialista, das complicações da cidade e de tanto escândalo e trafulhices, como projetos imobiliários e prepotências. Medina pagou as favas da sobranceria PS, que ele personificou na capital.

2. Globalmente o resultado eleitoral mantém o PS como o maior partido autárquico, apesar de ter recuado. Mesmo assim, como em política o que parece é, a verdade é que os socialistas são mediaticamente perdedores. Essa derrota está personalizada em Medina e sobretudo em António Costa, que usou todos os truques demagógicos na campanha. Saiu-lhe o tiro pela culatra. Agora tem de negociar um orçamento complicado e pensar seriamente em remodelar o governo, sendo já difícil arranjar gente de primeira água para o integrar. Para Costa, 26 de setembro pode ter sido o princípio de um ciclo descendente. A vitória sabe mesmo a “poucochinho”. António José Seguro, um grande senhor, educadamente, nada comentou.

3. Já Rui Rio ganhou a noite e um novo fôlego. Rio é persistente, teimoso e rigoroso. As suas opções mais arriscadas saíram-lhe bem. Carlos Moedas, José Manuel Silva são as suas medalhas de ouro e prata. Mesmo assim podia ter somado a Guarda e a Figueira. Pode ser que alguém se atravesse para lhe disputar o lugar no congresso de janeiro. Com este resultado é improvável que Rangel avance, mas a hipótese mantém-se a avaliar pelo que Rangel escreveu no Público ontem. Rangel e Rio contam com os mesmos barões e peões. Também é provável é aparecer Pinto Luz ou um equivalente a marcar posição para o futuro. Embora ainda não tenha ganho uma eleição nacional, Rio vai, a partir de agora, subir o tom da sua oposição. As legislativas estão ao seu alcance e voltou a provar-se que ele e os seus acólitos valem mais do que o “comentariado” nacional e as sondagens. Vencer as legislativas é possível. Conseguir governar autocraticamente o país, como o faz no PSD, é outra história. Nem toda a gente tem a autoridade e a visão de Cavaco Silva ou Mário Soares.

4. O resultado autárquico é desconfortável para Marcelo que andou desaparecido. É notório que o Presidente pôs muitas vezes a mão por baixo de Costa, o que até se percebe devido ao quadro pandémico, à crise económica e ao que se julgava ser a ausência de alternativa. Marcelo foi complacente com o Governo. O seu eleitorado não gosta disso. Por outro lado, sabe-se que ele e Rio não morrem de amores um pelo outro, desde que se zangaram no PSD, quando um era presidente e o outro secretário-geral. Vai ser interessante acompanhar as mensagens que Belém vai fazer passar na comunicação social. Os jornalistas que ali trabalham vão ter matéria pela certa. A primeira nota foi dada segunda-feira ao explicar que quer evitar crises políticas. O recado é para Costa para que não procure criar uma crise e antecipar legislativas.

5. Jerónimo de Sousa viu o PCP definhar mais um bocadinho, sobretudo em benefício do PS. A sul de Lisboa, o PS é mesmo muito forte. Falhou Setúbal, mas manteve Almada. Na cidade do Sado, Fernando Negrão segurou honrosamente o PSD e passou de um para dois vereadores. Nas outras autarquias da zona o PSD desapareceu. Meteu pena ver Jerónimo desanimado, deixando o palco para o garboso João Ferreira aparecer pouco depois nas televisões a festejar o bom resultado na “gauchiste” Lisboa. Foi mais um passo para secretário-geral, embora no PCP o vedetismo por antecipação dê dissabores aos que vão pela via mediática. Ali, quem manda é a secretaria.

6. O Bloco foi igual a si próprio nestas autárquicas: fraquinho. Não tem uma câmara. Tem, no entanto, um peso nacional importante e presenças em vereações. Mantém a comunicação social a seus pés. Catarina é a vedeta inamovível. Tem presença televisiva, sabe o que quer e vai lentamente ganhando espaço na burguesia, aumentando regularmente as hipóteses de um dia chegar ao governo, metendo lá uma das manas Mortágua ou, quiçá, as duas para terror dos empresários nacionais.

7. O Chega deu para as encomendas. Não ganhou nenhuma câmara, mas conseguiu resultados claramente positivos, acima do Bloco. Com um naipe de candidatos deplorável, mostrou que é um partido caudilhista. As legislativas serão o seu grande teste. Ver-se-á aí se realmente a direita moderada depende dele para governar. Aparentemente o Chega veio para ficar, se os militantes não delapidarem o capital que, mal ou bem, Ventura amealhou. Como exemplo da mossa que pode fazer ao PSD há o caso de Sintra. Os 11% do Chega retiraram a vitória da mudança, da modernidade e da sobriedade a Ricardo Baptista Leite e António Capucho, mantendo Basílio Horta.

8. O CDS e a Iniciativa Liberal cantaram vitória no domingo. Chicão mais alto e Cotrim de Figueiredo mais baixinho, porque falhou o comboio de Moedas por excesso de confiança e uma péssima escolha de candidato, ao contrário do centrista. A análise fina dos resultados revela que o CDS foi esmagado pelo Chega onde se apresentou sozinho, o que terá consequências. Os dois políticos só resistem porque foram levados às cavalitas. Cotrim salvou-se encostado a Rui Moreira, outro vencedor relativo da noite. Tal como Moedas, não tem maioria e tem às costas o processo Selminho. Há um cenário de ingovernabilidade latente e como tal de eleições antecipadas.

9. Como aqui se antecipou, as autárquicas são eleições em que todos podem apresentar um relatório e contas satisfatório. O que tantos políticos não conseguem explicar é o motivo recorrente de quase 50% dos eleitores não quererem saber deles para nada. Mesmo assim, houve um pequeno tsunami porque perto de 70 câmaras mudaram de mãos, o que é significativo de uma tendência em que os independentes marcam forte presença com duas dezenas de câmaras.

10. Ao acordar, segunda feira, os portugueses mais racionais terão ido a correr informar-se de quem ganhou na Alemanha e quem sucede a Angela Merkel. Isso, sim, é coisa absolutamente essencial para Portugal. Rio consegue comunicar naquela dificílima língua. É um trunfo em relação a Costa que até em português engole metade das palavras. É verdade que o que perde na comunicação verbal ganha na bonomia com que pede dinheiro para alimentar a bazuca…e a bazófia.

 

Escreve à quarta-feira