Quando, há dias, a televisão nos mostrou o comportamento de centenas, ou milhares, de jovens nas noites do bairro de Santos, em Lisboa, vendo alguns deles, para gáudio de outros, abanar violenta e despropositadamente um táxi, causou-nos a todos – suponho – um amargo de boca.
Mais angustiados ficámos quando, visionando as suas entrevistas de rua, percebemos que os rapazes e raparigas que ali confluíam àquela hora da noite não teriam, no máximo, mais de quinze, dezasseis anos.
Diziam-nos, ainda, os repórteres que as imagens recolhidas haviam sido tomadas por volta da quatro da manhã.
No país onde, por ora, resido – a Holanda – não é, nem antes da pandemia, permitido beber álcool na rua, e a polícia dispersa todos quantos, não cabendo nos bares, pretendem, à noite, ou mesmo de dia, beber fora o que compraram no seu interior.
A polícia holandesa fá-lo sem brutalidade, mas com paciência, firmeza e autoridade.
Pergunto-me como reagiriam os progenitores de tais jovens (menores) portugueses, se, perante o comportamento que lhes vimos na nossa televisão, alguns deles tivessem sido identificados pela polícia e retidos ali até que os pais – para isso de imediato contactados – os tivessem de vir buscar àquela hora e ao sítio onde se encontravam.
Na verdade, parece pouco admissível ignorar a responsabilidade destes – dos pais – ante um comportamento social incompatível com a hora e a idade dos seus jovens filhos e protagonistas de tais ajuntamentos e dos inevitáveis desacatos que provocam.
Pergunto-me, ainda, como agiriam os pais de tais jovens se fossem eles os vizinhos dos estabelecimentos nos quais, até às duas da manhã, eles se reúnem e onde, depois de aqueles encerrados, permanecem no seu exterior até bem mais tarde, fazendo, como é natural, a algazarra própria da idade e do seu estado mais ou menos alcoolizado.
O problema não é, por isso, no essencial, a «festa» que tais jovens fazem, nem, tão-pouco, sequer, os excessos nos comportamentos cívicos de alguns deles: isso aconteceu em todos os tempos, com mais ou menos expressividade e compreende-se agora melhor, quando as restrições pandémicas, por fim, terminaram.
O problema é a total falta de respeito que, quando entrevistados, alguns deles parecem demonstrar por quem reside na zona escolhida para as suas folias e por quem tem de trabalhar, como acontece, entre outros, com os empregados dos bares, os taxistas e os condutores de autocarros cujo percurso dos veículos tentaram interromper sem alguma justificação plausível.
As entrevistas a que assistimos e ouvimos demonstram, por parte de alguns deles, uma total falta de consciência cívica e um alheamento da responsabilidade social face ao outro, seja ele o morador da zona, os trabalhadores dos bares e dos transportes, os elementos das forças policiais.
Toda a mensagem, entre o ingénuo e o provocador, se centrava na afirmação, incondicional e irreprimível, da sua liberdade individual, mesmo que à custa dos direitos dos outros.
Eles queriam apenas divertir-se e tinham todo o direito a isso: os outros, que sofriam as consequências, não existiam de todo, porém, no radar das suas preocupações.
Esse alheamento do outro e dos seus direitos, e a falta de sentido cívico que demonstra, não terá, por certo, nascido naquele momento e nem sequer pode ser visto como puro exibicionismo ante as câmaras.
Ele só pode radicar, muito provavelmente, numa cultura excessivamente individualista e pouco solidária que é incutida – ou consentida – nos meios sociais, escolares e mediáticos que tais jovens frequentam e em que se formam como pessoas e cidadãos.
Acresce que o nível social de alguns dos entrevistados, cujos depoimentos eram mais ostensivamente provocadores, parecia elevado e, à partida, não podiam ser justificados – como sempre se procura insinuar nestas situações – por uma educação marginal e desprotegida.
Terá tido, pois, razão Pasolini quando abarcou e antecipou – num outro contexto – as razões de alguns destes atos de rebeldia e exasperação de uma juventude bem instalada.
Talvez aconteça, mesmo, que tais jovens – apesar do seu nível económico e social – vivam, pior do que outros com menos possibilidades, uma vida desenquadrada da família e, de certo modo, do meio social que frequentam.
Na verdade, podem ser tão socialmente desamparados como os que procedem de meios sociais mais desfavorecidos e cujos pais se sentem, por várias e – essas sim – verdadeiras razões, impossibilitados de os acompanhar devidamente.
A não ser assim, tendo a idade que têm, nem sequer se entende como poderiam estar ali àquela hora sem que ninguém – nas respetivas famílias – se preocupasse com isso.
Aqui residem a conclusão e a preocupação mais relevante que deveríamos retirar das imagens que visionámos.
Como é possível que as famílias de tais jovens estivessem tão alheadas do sítio e dos comportamentos que, àquela hora da noite, eles frequentavam e desenvolviam?
Ou, pior, será que não estariam?
Que sociedade estamos, afinal, a criar para eles?
Não será esta questão bem mais importante para o futuro do nosso país do que algumas das recorrentes e artificiais quezílias políticas que inundam, inconsequentes, o espaço dos nossos meios de comunicação social e que tanto preocupam os seus pueris comentadores?