No rescaldo do Dia Mundial do Turismo, o presidente da Confederação do Turismo Português faz um balanço do setor, alertando para o nível em que estava – com números a atingir recordes atrás de recordes – até aos dias de hoje, onde vai recuperando muito lentamente. Francisco Calheiros acredita que o turismo vai continuar a ser um motor de crescimento da economia portuguesa e, como tal, questões como a necessidade de um novo aeroporto em Lisboa não podem “ficar na gaveta” só por existirem agora menos turistas.
O que mudou no turismo entre 2019, altura em que o setor batia recordes, até aos dias de hoje?
Mudou quase tudo. Tivemos de enfrentar confinamentos, estados de emergência, viagens canceladas – não me esquecerei nunca das imagens de centenas de aviões parados nas placas dos aeroportos. Isto levou ao encerramento de restaurantes, hotéis, agências de viagens, empresas de rent-a-car, empresas de eventos e de animação, de imobiliário turístico e de cruzeiros, companhias aéreas, aeroportos, transportadores de passageiros, golfe, alojamento local, casinos, e tantas outras empresas da cadeia de valor do turismo sofreram um embate incalculável com esta pandemia. Deparamo-nos com uma atividade turística completamente parada, ainda que com muito para oferecer, mas sem procura porque os potenciais turistas e visitantes não podiam quase sair de casa, não podiam viajar e vivemos um período terrível de medos e de receios. A atividade teve de parar, como nunca tinha acontecido. Perdeu receitas, mas manteve muitos dos custos de operação e, por isso, as empresas ficaram descapitalizadas. O turismo regrediu, infelizmente numa fase em que a atividade estava a ter os melhores resultados de sempre. Mas quero assinalar que houve e está a haver uma grande resiliência por parte dos empresários e dos profissionais.
Qual era o peso do setor nesse ano e qual é o atual?
Entre 2019 e 2020 o setor ‘Viagens e Turismo’ teve uma quebra de 49,1% no seu contributo para o produto interno bruto nacional (PIB), sendo que em 2019 o peso do turismo no PIB era de 10,4% tendo descido para 5,5% em 2019.
Quantos postos de trabalho é que este setor perdeu desde o início da covid?
De acordo com os últimos dados oficiais disponíveis houve em 2020 uma perda de 61 mil postos de trabalho direto no setor ‘Viagens e Turismo’, ou seja, uma quebra de 18,5%.
Agora com alguma recuperação, o setor queixa-se de falta de mão-de-obra qualificada. Como vê esta questão?
Com alguma preocupação. Continua a haver, de facto, falta de mão-de-obra e não é só de recursos humanos qualificados. É uma questão que continua a ser prioritária para a atividade. Estamos atentos, estamos a estudá-la para encontrar as melhores soluções. Mas estamos em crer que voltando o turismo a ser uma atividade atrativa e garantindo uma subida média de salários, de acordo com o perfil de profissionais necessários, que a mão-de-obra deixará de ser uma preocupação.
O setor conseguiu responder tendo em conta esta fase de pandemia?
A atividade do turismo conseguiu responder à conjuntura gerada pela pandemia porque, entre 2017 e 2019, assistimos a anos excelentes para a atividade, pelo que as empresas estavam muito capitalizadas. Entre a capitalização das empresas e os apoios públicos recebidos no início da pandemia deu para aguentar até este momento. Mas agora é urgente que os novos apoios públicos já anunciados cheguem rapidamente às empresas porque a situação é muito preocupante. As empresas estão descapitalizadas e para poderem estar preparadas e robustas para fazer face ao crescimento que todos esperamos, precisam de apoios que infelizmente tardam em chegar.
Acha que 2020 e 2021 vão ser anos para esquecer?
Os anos de 2020 e 20021 foram desastrosos para o turismo. Em 2020, as perdas na atividade do turismo, em relação a 2019, foram de 63%. Quanto a 2021, temos de ter em conta que o mercado interno até cresceu mais de 6%, mas o mercado internacional caiu 67%. Como o mercado nacional não chega a um terço do mercado total, a nossa perspetiva é que 2021 vai fechar, em termos globais, com uma quebra de 56% em relação a 2019.
Quais são as perspetivas para o futuro?
Acreditamos que estão a ser reunidas as condições para a retoma do crescimento do turismo. O processo de vacinação está a dar resultados. Somos um dos países mais vacinados na Europa, pelo que somos um país seguro e para onde os turistas podem viajar com confiança. As companhias aéreas vão começar a voar dentro de uma maior normalidade; por outro lado, a oferta turística diversificada e de qualidade, continua toda a existir, aquela oferta que Portugal já oferecia antes da pandemia. Por isso, podemos claramente começar a retomar a atividade já em 2022 e esperamos que em 2023 consigamos aproximar-nos dos números de 2019, ainda que sem esquecer, como é óbvio, que os anos de 2017, 2018 e 2019 foram, como sabemos, anos extraordinários.
Depois do turismo funcionar como uma ‘tábua de salvação’ da economia portuguesa, acha que deveria ser dada prioridade a outros setores?
Não direi que o turismo foi uma “tábua de salvação”, porque há outras atividades e setores que têm contribuído para o crescimento económico do país. E como no pós-pandemia Portugal tem de retomar o seu crescimento, todos os setores e atividades são importantes e têm um contributo a dar, como obviamente o turismo. Mas para isso e neste momento são necessários apoios públicos que ajudem a recapitalizar as empresas.
Acha que o setor pode voltar a recuperar esse peso? E se sim, para quando?
Sem dúvida que sim. O turismo vai recuperar e vai voltar a ser um importante motor da economia portuguesa. Não o único, claro, porque o turismo vale 15% do PIB, mas não tenho qualquer dúvida que vai crescer e irá continuar a ser uma atividade imprescindível e irá dar um forte contributo para o crescimento económico do país. Como já referi, a perspetiva é que a partir de 2023 a atividade turística já esteja a um nível muito próximo de 2019.
Tem sido um dos defensores da manutenção do novo aeroporto. Com esta quebra abrupta do turismo acha que ainda faz sentido ou é possível adiar?
Um aeroporto é uma infraestrutura importantíssima não só para o turismo, mas para a economia do país e para o seu crescimento. A maior parte dos estudos apontam para a necessidade de um novo aeroporto que substitua o aeroporto de Lisboa ou a existência de um aeroporto complementar. O que eu digo é que andamos há já demasiados anos a falar sobre isto, mas nada se decide. A meu ver é necessário um outro aeroporto, para fazer face ao crescimento da procura do nosso destino, à recuperação do turismo e ao número de turistas e de voos que tenho a certeza voltarão a chegar a Portugal. Agora é preciso acabar com tanta indecisão e decidir. O que defendo é que a solução deve ser claramente a mais barata e a mais rápida, ou seja, o Montijo, porque já é uma base aérea, já tem toda a base necessária, ao contrário, por exemplo de Alcochete em que se teria mais uma vez de começar do zero. A CTP sempre defendeu o Montijo porque é sem dúvida a solução mais rápida e economicamente mais viável.