Restauração em Santos fecha mais cedo

Restauração em Santos fecha mais cedo


Para controlar ajuntamentos na noite, restaurantes e bares em Santos encerram três horas mais cedo. No Poço dos Negros a junta de freguesia manda fechar esplanadas às 22h30.


por Gonçalo Morais e Joana Mourão Carvalho

Em vésperas de eleições autárquicas, as juntas de freguesia em Lisboa têm imposto regras próprias, obrigando empresários a fechar esplanadas e estabelecimentos mais cedo do que o habitual. O objetivo é criar condições para controlar ajuntamentos e evitar perturbações de barulho que daí advenham.

O levantamento gradual de restrições, em função do progresso da vacinação contra a covid-19, arrancou em agosto e o Governo definiu um limite horário de encerramento até às 2h para o setor da restauração. Entre as medidas de alívio estava contemplada a reabertura de bares, sujeitos às regras de funcionamento da restauração (as discotecas só voltarão a funcionar em pleno em outubro). A falta de espaços de diversão noturna tem levado a enchentes nas ruas da capital e nas últimas semanas têm-se registado situações de criminalidade violenta em contexto de diversão noturna, nomeadamente no Bairro Alto, Cais do Sodré e Santos.

Após uma reunião, na quarta-feira, entre a junta de freguesia da Estrela e empresários de Santos, para discutir a segurança na área do Largo Vitorino Damásio e do Jardim de Santos, foi acordado que os estabelecimentos daquela zona vão encerrar às 23h até domingo, dia 26, de modo a controlar os ajuntamentos. Ao Nascer do SOL, o presidente da junta da Estrela esclareceu que o objetivo é «que as pessoas possam sair à noite em segurança» durante este fim de semana. «Não queremos impedir as pessoas de irem para lá, queremos é garantir condições de segurança para que ninguém se magoe», explica Luís Newton. Para isso, aquela junta vai disponibilizar uma equipa de fiscais que conta com o apoio das autoridades para controlar melhor a gestão de acessos e vedar a possibilidade de existirem ajuntamentos. «A PSP vai estar presente para que se evitem desacatos e esfaqueamentos, como os que se verificaram nos últimos fins de semanas, e para que os atos de vandalismo possam ser acautelados», explica o autarca.

Uma vez que as novas regras de alívio, conhecidas ontem após o Conselho de Ministros, determinam que bares e discotecas reabrem dia 1 de outubro com certificado digital, Luís Newton reconhece que o encerramento dos estabelecimentos às 23h deixa de fazer sentido. «Estou convencido que a partir do momento em que as discotecas abrirem, vamos deixar de ter necessidade de manter soluções como esta», admite.

Já ali ao lado, numa outra freguesia, as esplanadas provisórias dos estabelecimentos de restauração que fazem parte do Poço dos Negros, em Lisboa, nomeadamente na Travessa dos Pescadores e na Rua da Silva, conhecida por Rua Verde, têm de fechar às 22h30, sob a pena de serem retiradas, caso o limite horário não seja cumprido.

No ano passado, por iniciativa de empresários e moradores, as ruas em questão foram pedonalizadas através de uma deliberação da Câmara Municipal de Lisboa. Até hoje a Travessa dos Pescadores encontra-se totalmente encerrada ao trânsito e os negócios de restauração que aqui funcionam foram autorizados a ter esplanadas na via pública. A própria Câmara terá definido o espaço que cada esplanada pode ocupar e ainda são visíveis no chão as marcas correspondentes a cada mesa e respetivas cadeiras.

Este verão, no âmbito das medidas de alívio de restrições, foi decretado, no Conselho de Ministros de 30 de julho, que restaurantes e esplanadas podiam aceitar clientes até à 1h e tinham que encerrar uma hora depois, às 2h. Contudo, na semana seguinte, a junta da Misericórdia, com jurisdição naquele bairro de Santos, fez chegar aos proprietários dos restaurantes daquela zona um e-mail, no qual constava que, apesar da deliberação do Governo, os estabelecimentos com esplanada tinham que fechar às 22h30.

 

‘Onde há reais perturbações a Polícia não intervém’

Manuel Paradiz, co-proprietário do Pastanaga, restaurante situado à entrada da Travessa dos Pescadores, em Santos, não percebe a lógica: a junta da Misericórdia, em sintonia com a CML, tem tentado ajudar o setor da restauração através de várias iniciativas, mas acaba por limitar os horários das esplanadas. «Não concordamos com isto. A DGS diz para as pessoas ficarem nas esplanadas e não irem para dentro dos restaurantes e a junta quer fazer exatamente o contrário», diz indignado.

«Tem aparecido a Polícia Municipal para mandar encerrar as esplanadas. E inclusivamente injuria e interpela os clientes que estão sentados nas mesas, sendo que a maior parte da clientela são estrangeiros e obviamente não entendem o que lhes dizem», conta o empresário ao Nascer do SOL. A Polícia Municipal, «que recebe as instruções da Junta, dirige-se logo aos clientes estrangeiros e explica que têm de ir embora. É claro que os clientes ficam assustados», descreve. Manuel Paradiz preferia ser autuado pelas autoridades, porque só assim poderia levar o caso para tribunal.

De acordo com o responsável do Pastanaga, a penalização dos empresários do Poço dos Negros foi motivada pela pedonalização das ruas ter partido de uma deliberação da CML, à margem da junta de freguesia. «A junta sentiu que isso lhe tinha retirado protagonismo e na altura levantou alguns obstáculos à pedonalização», relata.

Apesar disso, a junta alega que os clientes dos restaurantes a partir das 22h30 podem fazer barulho e causar outras perturbações, incomodando os residentes. Argumento que não é bem recebido pelos empresários, uma vez que a clientela que recebem é sobretudo de uma faixa etária adulta, entre os 30 e os 60 anos. «A cinquenta metros daqui temos o Largo de Santos onde costumam estar milhares de jovens, que evidentemente causam reais perturbações como é público e onde a Polícia não intervém», critica.

«A determinação da junta vai contra o que foi deliberado pelo Governo», acusa Manuel Paradiz, acrescentando que «qualquer alteração aos horários ou ao funcionamento destes estabelecimentos só pode ser determinada por um membro do Governo».

Por essa razão, considera que não cabe à junta condicionar os horários das esplanadas. «A justificação da junta é absurda. Contra-argumentam que a decisão é deles, baseando-se numa transferência de funções para as juntas de freguesia, que ocorreu em 2011. Mas a definição de horários é de exclusiva responsabilidade do Governo e das Câmaras Municipais. Essas autorizações que a junta diz que tem, na verdade não tem, é como se achasse que é dona disto», comenta.

 

Esplanadas abertas até às 2h

Paradiz revela ainda que na quarta-feira recebeu um e-mail da junta a informar que o estabelecimento terá que estar durante 10 dias sem esplanada a funcionar por ter desobedecido ao horário.

«Somos confrontados com uma disrupção completa do funcionamento nos nossos restaurantes, quando a poucos metros existem outras esplanadas abertas até às 2h», queixa-se.

Contactada pelo jornal, a presidente da junta diz ter «toda a legitimidade para impor a condição de fechar as esplanadas até às 22h30 porque é da competência da junta de freguesia», explica Carla Madeira. Por outras palavras, isto significa que a medida «não contraria o que foi decretado pelo Conselho de Ministros porque a competência das esplanadas, em Lisboa, é das juntas de freguesia». A presidente deixa claro: «O Governo não definiu nada em áreas fora da competência deles».

Os empresários dos restaurantes do Poço dos Negros, já por várias vezes tentaram reunir com a presidente da junta e os moradores para que os problemas fossem expressos e resolvidos. «Carla Madeira nunca apareceu», garante Manuel Paradiz.

Também na freguesia da Misericórdia, o Bairro Alto tem sido palco de confrontos violentos nos últimos fins de semana. Os moradores exigem mais policiamento nas ruas, mas o facto é que aquela zona já não é abrangida pela mesma medida. Segundo a presidente da junta, o Bairro Alto tem há muitos anos um regulamento específico que determina que as esplanadas podem funcionar até à meia noite.