Economia recupera mas ainda há riscos

Economia recupera mas ainda há riscos


A semana foi recheada de dados económicos que mostram que o país, a Europa e o mundo estão a recuperar da crise pandémica que ainda não acabou. Mas há dados animadores. O Nascer do SOL falou com vários analistas para tentar analisar melhor estes dados.


Uma semana carregada de dados económicos que mostram que o país e o mundo vão recuperando da crise pandémica. Mas ainda não está tudo a 100% e os dados rapidamente mudam. O Nascer do SOL falou com vários analistas para tentar analisar melhor estes dados e para perceber se é ou não possível começar a respirar de alívio.

Mas falemos primeiro do ano passado, o mais afetado pela pandemia e que viu a economia contrair mais do que o estimado. O PIB caiu 8,4%, em vez dos 7,6% que até aqui o Instituto Nacional de Estatística (INE) calculava. Os dados, revelados pelo gabinete de estatística mostram uma diferença de oito décimas. Diferença que tem efeitos também no rácio da dívida pública, que cresceu para 135,2% do PIB em vez dos 133,6% estimados.

Segundo o INE «no ano de 2020, marcado pelos efeitos económicos da pandemia covid-19, o Produto Interno Bruto (PIB) ascendeu a 200,1 mil milhões de euros, o que representou uma diminuição nominal de 6,7% (+4,5% em 2019) e real de 8,4% (+2,7% em 2019), sendo o deflator implícito de 1,9% (1,7% em 2019)». Estes números fazem com que o ano de 2020 seja «o ano com maior contração da atividade económica desde 1995».

 

Mundo a várias velocidades

Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) reviu em alta a sua projeção de crescimento para o PIB da zona euro este ano, esperando agora uma subida de 5,3%.Estes novos números apontam para um aumento em um ponto percentual a projeção que tinha sido avançada em maio. É certo que são estimativas mais otimistas tendo em conta os dados do Banco Central Europeu (BCE) que revela um crescimento de 5% este ano. Nesta atualização das previsões económicas, Portugal não é abrangido. Em maio, a organização previa um crescimento do PIB português de 3,7% em 2021 e de 4,7% em 2022.

Sobre estes dados, Mário Carvalho Fernandes, Chief Investment Officer do Banco Carregosa explica que «este crescimento ainda não será suficiente para compensar a contração económica de 6.5% ocorrida em 2020, nesta zona económica», diz ao Nascer do SOL lembrando que a economia chinesa já relançou a sua economia praticamente para o nível que era antecipado para este ano, «considerando os ritmos de crescimento previstos antes da pandemia assolar o mundo» e que os Estados Unidos da América já recuperam o produto perdido em 2020, «mas ainda não atingiram o patamar em que estariam se não tivesse existido pandemia». Ou seja «a zona euro está ainda mais atrasada no processo de recuperação, pois ainda tem uma economia menor do que aquela com que terminou 2019». Para o responsável, apenas durante o próximo ano o país «alcançará previsivelmente o patamar de 2019, ficando ainda por recuperar o crescimento adicional que teria tido durante estes anos, caso não tivesse sido assolada pela pandemia».

Também Henrique Tomé, analista da XTB, defende que «é muito cedo para falar de crescimento económico» uma vez que a situação pandémica ainda não está resolvida. E deixa o exemplo do ano passado em que «depois do verão, durante o outono e inverno a pandemia agravou-se significativamente e o risco da variante delta (ou outras que poderão surgir) pode comprometer, seriamente, o crescimento económico no futuro».

No entanto, a previsão mundial foi revista ligeiramente em baixa, para 5,7%. «Apesar das perspetivas melhores do que o antecipado em maio para a zona euro e a manutenção da estimativa para a economia chinesa, a generalidade das restantes regiões viu as suas taxas de crescimento antecipadas serem reduzidas. A economia americana, ao ter o seu crescimento previsto reduzido em 0.9 pontos percentuais para 6.0% será uma das principais contribuidoras para o menor otimismo expresso na projeção relativa à economia global», explica Mário Carvalho Fernandes que destaca que tem sido «notória a prevalência de alguns estrangulamentos em vários setores da atividade económica que têm dificultado a manutenção do ritmo de crescimento a um nível tão elevado como o do segundo trimestre de 2021». E alerta ainda para a falta de alguns componentes como os semicondutores «e as dificuldades de circular mercadorias pela via marítima têm restringido o crescimento económico um pouco por todo o mundo desenvolvido».

Também Henrique Tomé recorda que «nem todas as economias têm recuperado ao mesmo ritmo» e que, embora a Europa conte com dados animadores, os países asiáticos ainda estão muito condicionados pela variante Delta. «O surgimento destes surtos acabam por ser consequências na recuperação da atividade económica devido ao aumento das restrições», diz.

Opinião que é partilhada por Ricardo Evangelista, analista sénior e diretor executivo da ActivTrades Europe SA, que destaca ainda os «problemas na cadeia logística que estão a provocar uma redução no comércio global».

No seu relatório a OCDE defende que as medidas orçamentais se devem manter flexíveis, avisando para as consequências de uma retirada «abrupta e prematura». Mas que riscos poderão ser estes?

«A retirada prematura dos estímulos fiscais significaria um atraso na recuperação da economia para o seu ritmo de crescimento potencial», garante o Chief Investment Officer do Banco Carregosa. «Quanto mais tempo uma economia se mantiver abaixo do seu crescimento potencial, em pleno emprego, mais recursos são subutilizados. O consequente alargamento do período de inatividade dos trabalhadores em situação de desemprego aumenta o desemprego estrutural, reduz a população ativa e limita o potencial de crescimento futuro», explica. E acrescenta: «A OCDE defende por isso que os estímulos sejam aplicados em políticas de apoio às reformas estruturais da economia, que possibilitem a readaptação da força de trabalho aos novos setores e que sejam incentivadas as ações de transformação da economia para um futuro mais digital e com uma pegada carbónica menor».

Sobre este assunto, Henrique Tomé não tem dúvidas que estes estímulos à economia são «fundamentais». No entanto, «os atuais estímulos não são sustentáveis a longo prazo e é necessário que se comece uma fase de transição para uma maior normalização da política monetária».

E não há dúvidas que a retirada prematura «é um fator de risco que os decisores de política monetária devem ter em consideração, pois pode resultar em inúmeras consequências, como um abrandamento significativo da atividade económica, colocando a economia demasiado exposta a fatores externos que poderiam provocar uma séria contração do PIB».

Já para Ricardo Evangelista «o principal risco e incerteza é o mercado de trabalho, que com níveis de desemprego que continuam acima do pré-pandemia, poderá impedir a continuação da recuperação ao nível atual».

 

‘Importante para mitigar efeitos da pandemia’

E no que diz respeito ao excedente, Portugal contou com um de 256 milhões de euros até julho graças a reembolso da troika. Foi importante esta verba? Ricardo Evangelista defende que foi muito importante, principalmente numa «altura em que os gastos públicos têm aumentado devido à necessidade de mitigar os efeitos da pandemia».

Um posicionamento partilhado pelo analista da XTB que diz ser «fundamental que o Estado consiga aplicar o excedente orçamental na economia para apoiar e impulsionar a atividade económica, com vista a promover a criação de riqueza no país».

Os dados do Banco de Portugal mostram ainda que as importações cresceram mais que as exportações neste período, números sobre os quais Henrique Tomé diz que «espera-se que este desequilíbrio diminua à medida que as economias continuem a aliviar cada vez mais as restrições».

Tendência que não surpreende Ricardo Evangelista ao defender que «era de esperar um aumento da procura por bens normalmente importados como gadgets eletrónicos, por exemplo».

O banco central liderado por Mário Centeno destacou ainda o crescimento das exportações de viagens e turismo que, apesar de terem crescido 45,6%, ainda «permanecem aquém dos níveis pré-pandemia». É um sinal de que o turismo está a voltar a crescer no país? Para o diretor executivo da ActivTrades não há dúvidas que sim, defendendo ainda que o turismo «é e continuará a ser um dos setores chave para a economia portuguesa, tanto ao nível da geração de riqueza como da criação de emprego».

A linha de pensamento é seguida por Henrique Tomé que lembra que «apesar da reabertura gradual das economias mundiais, o turismo ainda não recuperou por completo e, por isso, podemos esperar que esta tendência crescente que tem marcado os últimos anos se prolongue por mais tempo».

 

Endividamento cai

Também esta semana o Banco de Portugal informou que o endividamento do setor não financeiro caiu 1,2 mil milhões de euros no mês de julho face ao mês anterior, para os 761,3 mil milhões de euros. Henrique Tomé explica ao Nascer do SOL que «à medida que a economia recupera, é natural que se note uma diferença neste indicador». E acrescenta que podemos esperar que «enquanto a atividade económica continuar a recuperar, o endividamento no setor não financeiro possa continuar a cair».

No entanto, o endividamento do setor privado aumentou dois mil milhões de euros para os 414 mil milhões de euros, tanto por causa das empresas como dos particulares. Algo que o analista explica com o facto de, durante o último ano e maio a atividade económica estar «a ‘meio gás’» o levou «muitos particulares e empresas» a serem «obrigados a recorrer a créditos para financiar os seus negócios e a também recorreram às moratórias dadas pelo Estado. Como consequência, os agentes económicos acabaram por alimentar o endividamento».