Entramos na reta final das eleições autárquicas, momento de conclusão de um mandato fortemente condicionado pelos impactos da pandemia nas dinâmicas das comunidades e dos territórios, em que muitos autarcas se constituíram como pilares fundamentais de apoio ao Serviço Nacional de Saúde na prevenção, no combate e na vacinação.
Os municípios e as freguesias são palcos de expressão da política de proximidade, com excessos como em tudo que implica ação humana, mas com uma relevância variável muito importante para as pessoas que vivem, estudam e trabalham nos territórios. É um exercício cívico e político que concretizou muitos dos pilares importantes do desenvolvimento real após a consagração da democracia, nem sempre considerado pelos poderes centrais e pelas pessoas, agora aditivadas pelas oportunidades de má língua das redes sociais, ampliação maior da conversa da tasca ou do café, consoante o pedigree e a latitude geográfica.
E, no entanto, apesar da relevância para a vida concreta, a abstenção é gigante, nas eleições de 2017, 45,03% dos cidadãos inscritos não participaram na escolha dos autarcas municipais e de freguesia. Será que a pulverização do espectro político, com candidaturas de partidos, movimentos e afins, conseguirá inverter este panorama de divórcio em relação a quem governa na proximidade? A quem se bate à porta com maior facilidade?
Além das sobrevivências, o debate tem estado centrado no PRR, o Plano de Resiliência e Recuperação, que a maioria dos portugueses não sabe o que é, logo, não sabe do que estão a falar. Não é atestado de ignorância, é noção do grau de conhecimento das pessoas em relação à atualidade e à utilização de acrónimos. É certo que será a maior oportunidade de financiamento que temos no horizonte, que integra soluções para algumas respostas concretas que as pessoas e os territórios precisam, que foi debatido com todos numa lógica de agregar sugestões parciais e corresponder a desafios globais como as transições energéticas e digitais, mas o foco é na capacidade de execução, com o tradicional enleio burocrático que arranjamos em Portugal, alfobre das tradicionais quintinhas, incompetências e desfoque do bem comum. A questão era mesmo ter uma visão estratégica para o país que respondesse aos problemas estruturais, invertesse as tendências negativas em boa parte do território, desde logo a demográfica, a das desigualdades e a da desertificação, e mitigasse os impactos da pandemia, alguns ainda por se fazerem sentir com a pujança que terão, gerando condições para um futuro diferente. Definitivamente a 26 de setembro, não será nada disso que estará em causa, porque o que conta é o tribalismo político e partidário, da sobrevivência política à emergência dos populismos que medram, em mais um passo para a pulverização das governações, capturadas por negociações de interesses particulares e derivas proibicionistas.
O PS mantém o poder que tem, depois de ter imposto opções de candidaturas em territórios que salvaguardam a manutenção de algumas reservas naturais de poder do PCP?
Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos sobreviverão ao efetivo poucochinho dos resultados que a prestação antes e depois da campanha antecipam?
O PCP e o BE serão fustigados pela realidade de terem um pé dentro e um pé fora da solução governativa quando os eleitores podem escolher o original em vez das cópias?
E os populistas, terão a expressão evolutiva que o deslaçar do Estado e da sociedade evidenciam?
O voto autárquico tem muitas variantes na sua formatação, desde logo, o do perfil dos candidatos, não permitindo que um partido com referências nacionais transfira automaticamente para o plano local a sua relevância e implantação, mas a degradação do ambiente democrático pode trazer novidades, preocupantes para os democratas. Porque não são expressão de uma sã diversidade, antes prenúncio de falta de memória, de ameaças ao espírito democrático e à tolerância. Algo para o qual o exercício político dos últimos anos, por ação e por omissão, tem contribuído.
Já estive na Assembleia de Freguesia de Alverca do Ribatejo, na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira e cumpri o mandato como vereador da oposição na Câmara Municipal das Caldas da Rainha, depois de ter sido candidato a Presidente, relevo a importância do Poder Local, pelo exercício de proximidade, de ação concreta e de fazer o que outros patamares de poder não fazem, muitas das vezes amortecendo impactos negativos nas comunidades, invertendo tendências e lançando caminhos de futuro. Quem nunca participou e teve de pôr as mãos na massa, permanecendo no conforto da crítica fácil e das redes sociais, deveria chegar-se à frente, assumir a participação cívica para se confrontar com a exigência do exercício. Não o tendo feito, têm a obrigação moral mínima de, a 26 de setembro, participar, votando, num direito que nem todos tinham há 48 anos. Não se ter exercitado a consciência cívica dos direitos e dos deveres, em equilíbrio, ao longo dos últimos 47 anos, revela-se cada vez mais um dos maiores erros do exercício democrático. Não ensinámos as pessoas a serem cidadãos com direitos e deveres, a pensarem pela sua cabeça, com capacidade de triagem, espírito crítico e exigência.
Não poderemos reescrever a história desta formatação cívica, mas todos devem votar e participar entre as eleições, exigindo, escrutinando, atuando com sentido de pertença à comunidade. Se não forem os cidadãos, não serão as lideranças a fazerem-no, dado o seu compromisso com o status quo. A 26 de setembro, é votar!
NOTAS FINAIS
NEGACIONISTAS. Até o burro com palas consegue ver em frente. Pululam por aí espécimes que negam as evidências em ser redor, não seguem em frente e querem regressar à Idade Média, nós temos de os combater porque colocam em perigo a vivência em comunidade, o respeito mínimo pelas outras esferas de liberdade, o Estado não pode hesitar. O que se passou com o Presidente da Assembleia da República é o corolário do desleixo do exercício das funções do Estado. O deslaço das derivas da governação e das desautorizações de quem exerce as funções do Estado está à vista.
ASSÉPTICOS. Os livros do Astérix e do Tintin fizeram parte da minha infância e fazem parte da vida adulta. Não formataram nenhum desvio de respeito pelo outro ou de incapacidade em ter uma visão crítica da realidade e do mundo. A queima de 4 700 obras no Canadá, por serem portadoras de estereótipos negativos em relação aos grupos indígenas, é uma expressão superior dos movimentos de intolerância com a diferença, que medram em Portugal, impulsionados pelo o PAN e o BE, cavalgado pelo Chega e anuído pelo PS, para viabilizar o poder e os orçamentos.
Escreve à segunda-feira