Literacia em Saúde: O Acto Médico Pericial e os Actos Médicos Assistenciais


O acto médico pericial (perícia médica/peritagem médica), nomeadamente de carácter médico-legal e actividade inspectiva no âmbito da Saúde, por inerência da sua natureza técnica, não é, nem integra quaisquer actos que possam configurar, em circunstância alguma, um serviço de assistência médica, incluindo os prestáveis por tecnologias e Telemedicina, nem de Segunda Opinião Médica de índole…


O acto médico pericial (perícia médica/peritagem médica), nomeadamente de carácter médico-legal e actividade inspectiva no âmbito da Saúde, por inerência da sua natureza técnica, não é, nem integra quaisquer actos que possam configurar, em circunstância alguma, um serviço de assistência médica, incluindo os prestáveis por tecnologias e Telemedicina, nem de Segunda Opinião Médica de índole clínica e assistencial, ou seja, de Prestação de Cuidados de Saúde.

Não obstante, constata-se ainda alguma confusão na comunidade, nomeadamente quanto ao conceito deste acto médico, que é distinto do acto médico assistencial, desde logo pela sua génese e objecto.

Esta confusão pode levar a crer – erroneamente – que todas as actividades exercidas por Médicos, no exercício da profissão médica, nomeadamente actividades médico-legais e actividades inspectivas realizadas com a participação de Médicos e levadas a cabo por entidades que regulam e inspeccionam as actividades em Saúde e actividades de regulação disciplinar médica, configuram Prestação de Cuidados de Saúde.

Esclareça-se, pois, a comunidade.

No exercício da Medicina, as figuras de Médico Assistente e de Médico Perito são distintas, tanto nas suas competências, como nas actividades que desempenham e respectivo propósito. São, por princípio, funções incompatíveis.

Dispõe o n.º 1 do Artigo 102.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, publicado no Diário da República, 2ª Série – n.º 139 – de 21 de Julho de 2016, que “As funções de médico assistente e médico perito são incompatíveis, não devendo ser exercidas pela mesma pessoa.”.

Ao Médico Assistente (Médico no exercício de funções assistenciais de cuidar) cabe, inequivocamente, a prestação de cuidados, que englobam o diagnóstico clínico, a indicação, prescrição e execução de tratamentos, e acompanhamento médico com vista ao bem-estar físico, psicológico e emocional do “seu” paciente, com o qual é estabelecida uma relação técnica estreita confiável e de compromisso quanto a cuidados.

Ao Médico Perito (Médico no exercício de funções de carácter pericial) cabe apreciar e avaliar, não só os elementos que lhe tenham sido confiados para execução do acto pericial, como também, quando pertinente, examinar os Cidadãos (sob avaliação) e responder a questões formuladas por qualquer entidade que o nomeie para execução de um conjunto de actos que, não tendo finalidade terapêutica ou curativa, podem auxiliar a tomar uma decisão, nomeadamente nos domínios judicial, administrativo e/ou extrajudicial.

O Médico Assistente tem um compromisso directo com o “seu” doente/paciente (Cidadão submetido aos cuidados do Médico Assistente), no âmbito da prestação de cuidados a este mesmo Cidadão, já entre o Médico Perito e o examinado (Cidadão submetido ao exame pericial do Médico Perito ou sobre quem recai a avaliação) não existe uma relação de compromisso, salvo no que concerne, e apenas, à concretização do acto de acordo com as boas práticas periciais, enquadrando o quadro clínico do examinado nas normas legais ou administrativas aplicáveis à avaliação pericial (perícia). Em circunstância alguma pode existir um compromisso no sentido dos resultados, já que o papel do Médico Perito é auxiliar as entidades decisoras, sejam estas organizações administrativas ou autoridade judicial.

Originário do latim, o termo perícia pode ser definido como “vistoria/inspecção ou exame de carácter técnico e especializado”.

A perícia, também comummente denominada «peritagem médica», latu sensu, no âmbito da Medicina, é, pois, um procedimento executado por um ou mais Médicos que consiste na execução de uma avaliação presencial (exame médico pericial) e/ou documental com vista à discussão e eventual emissão de uma opinião técnica e independente relativamente ao objecto, com o propósito de apoiar qualquer entidade terceira, nomeadamente as instituições judiciais.

São exemplos paradigmáticos de actos médicos periciais as avaliações/pareceres em contexto de dano corporal e avaliações/pareceres em contexto de dano psíquico/psicológico e outras avaliações/pareceres em contexto de atribuição de uma eventual incapacidade permanente ou de verificação da situação de doença, assim como as peritagens médico-sociais e outras de carácter médico-legal, nomeadamente avaliações em contexto de Juntas Médicas. Outros actos há que, tendo natureza pericial, não estão classificados como tal. Veja-se o caso das avaliações da aptidão física, mental e psicológica para a condução de veículos ou para outros fins (procedimentos concursais, etc.).

O acto pericial é, por princípio, único. Poderá, eventualmente, repetir-se, nos casos de continuidade de sessões da avaliação e/ou de reavaliação face à disponibilização de novos elementos e/ou quando são percepcionadas potenciais alterações da condição de saúde/doença que eventualmente justifiquem a alteração de parâmetros médico-periciais/médico-legais.

A intervenção do Médico Perito não pode, em circunstância alguma, passar pela assistência clínica e acompanhamento clínico do Cidadão, salvo em situação de emergência ou urgência (ex. situação de perigo para a vida daquele Cidadão), pois o Médico, qualquer que seja, é obrigado a prestar auxílio, nomeadamente fazendo o encaminhamento clínico daquele Cidadão “doente”. Quando tal acontece a relação entre aquele Médico e aquele Cidadão transforma-se e tem o Médico o dever de pedir escusa, invocando a existência de conflito de interesses, em eventuais actos periciais que lhe sejam requeridos para aquele mesmo Cidadão, sob pena da eventual nulidade do acto.

As actividades periciais médicas não estão circunscritas ao domínio público e judicial. Têm lugar, tanto na esfera pública como no domínio privado e são, do mesmo modo, executadas, por entidades públicas e entidades privadas.

É nosso dever instar os decisores políticos a legislar e regulamentar as actividades periciais em Saúde e a instituir, nas várias esferas do Direito, um regime específico de impedimentos, incompatibilidades e suspeições, claro e inequívoco, aplicável ao Médico no exercício de funções periciais – em contexto público e em contexto privado – que garanta a ausência de conflito de interesses e incompatibilidades daquele profissional, individualmente, e das demais entidades envolvidas em processos de realização de actos médicos periciais.

Acautelando na legislação a separação das duas funções médicas – Assistencial e Pericial – e a aplicação do dito regime de impedimentos, incompatibilidades e suspeições, conseguiria o poder político garantir um melhor serviço à comunidade e ao próprio Sistema de Justiça.

Esta clarificação de conceitos e funções, e a proposta aqui apresentada visam o bem da comunidade em geral e melhoria do Sistema de Justiça, designadamente no que concerne a actividades médicas periciais. Porém, não é de admirar que o mero acto de trazer tais matérias à reflexão e discussão públicas provoque desagrado, seja por ignorância, seja por vício, a alguns dos profissionais e instituições cuja inexistência de interesses não estará, porventura, garantida.

Artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.

 

*Texto da autoria de Pedro Meira e Cruz, Director na Best Medical Opinion e Peritos Médicos na Best Medical Opinion


Literacia em Saúde: O Acto Médico Pericial e os Actos Médicos Assistenciais


O acto médico pericial (perícia médica/peritagem médica), nomeadamente de carácter médico-legal e actividade inspectiva no âmbito da Saúde, por inerência da sua natureza técnica, não é, nem integra quaisquer actos que possam configurar, em circunstância alguma, um serviço de assistência médica, incluindo os prestáveis por tecnologias e Telemedicina, nem de Segunda Opinião Médica de índole…


O acto médico pericial (perícia médica/peritagem médica), nomeadamente de carácter médico-legal e actividade inspectiva no âmbito da Saúde, por inerência da sua natureza técnica, não é, nem integra quaisquer actos que possam configurar, em circunstância alguma, um serviço de assistência médica, incluindo os prestáveis por tecnologias e Telemedicina, nem de Segunda Opinião Médica de índole clínica e assistencial, ou seja, de Prestação de Cuidados de Saúde.

Não obstante, constata-se ainda alguma confusão na comunidade, nomeadamente quanto ao conceito deste acto médico, que é distinto do acto médico assistencial, desde logo pela sua génese e objecto.

Esta confusão pode levar a crer – erroneamente – que todas as actividades exercidas por Médicos, no exercício da profissão médica, nomeadamente actividades médico-legais e actividades inspectivas realizadas com a participação de Médicos e levadas a cabo por entidades que regulam e inspeccionam as actividades em Saúde e actividades de regulação disciplinar médica, configuram Prestação de Cuidados de Saúde.

Esclareça-se, pois, a comunidade.

No exercício da Medicina, as figuras de Médico Assistente e de Médico Perito são distintas, tanto nas suas competências, como nas actividades que desempenham e respectivo propósito. São, por princípio, funções incompatíveis.

Dispõe o n.º 1 do Artigo 102.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, publicado no Diário da República, 2ª Série – n.º 139 – de 21 de Julho de 2016, que “As funções de médico assistente e médico perito são incompatíveis, não devendo ser exercidas pela mesma pessoa.”.

Ao Médico Assistente (Médico no exercício de funções assistenciais de cuidar) cabe, inequivocamente, a prestação de cuidados, que englobam o diagnóstico clínico, a indicação, prescrição e execução de tratamentos, e acompanhamento médico com vista ao bem-estar físico, psicológico e emocional do “seu” paciente, com o qual é estabelecida uma relação técnica estreita confiável e de compromisso quanto a cuidados.

Ao Médico Perito (Médico no exercício de funções de carácter pericial) cabe apreciar e avaliar, não só os elementos que lhe tenham sido confiados para execução do acto pericial, como também, quando pertinente, examinar os Cidadãos (sob avaliação) e responder a questões formuladas por qualquer entidade que o nomeie para execução de um conjunto de actos que, não tendo finalidade terapêutica ou curativa, podem auxiliar a tomar uma decisão, nomeadamente nos domínios judicial, administrativo e/ou extrajudicial.

O Médico Assistente tem um compromisso directo com o “seu” doente/paciente (Cidadão submetido aos cuidados do Médico Assistente), no âmbito da prestação de cuidados a este mesmo Cidadão, já entre o Médico Perito e o examinado (Cidadão submetido ao exame pericial do Médico Perito ou sobre quem recai a avaliação) não existe uma relação de compromisso, salvo no que concerne, e apenas, à concretização do acto de acordo com as boas práticas periciais, enquadrando o quadro clínico do examinado nas normas legais ou administrativas aplicáveis à avaliação pericial (perícia). Em circunstância alguma pode existir um compromisso no sentido dos resultados, já que o papel do Médico Perito é auxiliar as entidades decisoras, sejam estas organizações administrativas ou autoridade judicial.

Originário do latim, o termo perícia pode ser definido como “vistoria/inspecção ou exame de carácter técnico e especializado”.

A perícia, também comummente denominada «peritagem médica», latu sensu, no âmbito da Medicina, é, pois, um procedimento executado por um ou mais Médicos que consiste na execução de uma avaliação presencial (exame médico pericial) e/ou documental com vista à discussão e eventual emissão de uma opinião técnica e independente relativamente ao objecto, com o propósito de apoiar qualquer entidade terceira, nomeadamente as instituições judiciais.

São exemplos paradigmáticos de actos médicos periciais as avaliações/pareceres em contexto de dano corporal e avaliações/pareceres em contexto de dano psíquico/psicológico e outras avaliações/pareceres em contexto de atribuição de uma eventual incapacidade permanente ou de verificação da situação de doença, assim como as peritagens médico-sociais e outras de carácter médico-legal, nomeadamente avaliações em contexto de Juntas Médicas. Outros actos há que, tendo natureza pericial, não estão classificados como tal. Veja-se o caso das avaliações da aptidão física, mental e psicológica para a condução de veículos ou para outros fins (procedimentos concursais, etc.).

O acto pericial é, por princípio, único. Poderá, eventualmente, repetir-se, nos casos de continuidade de sessões da avaliação e/ou de reavaliação face à disponibilização de novos elementos e/ou quando são percepcionadas potenciais alterações da condição de saúde/doença que eventualmente justifiquem a alteração de parâmetros médico-periciais/médico-legais.

A intervenção do Médico Perito não pode, em circunstância alguma, passar pela assistência clínica e acompanhamento clínico do Cidadão, salvo em situação de emergência ou urgência (ex. situação de perigo para a vida daquele Cidadão), pois o Médico, qualquer que seja, é obrigado a prestar auxílio, nomeadamente fazendo o encaminhamento clínico daquele Cidadão “doente”. Quando tal acontece a relação entre aquele Médico e aquele Cidadão transforma-se e tem o Médico o dever de pedir escusa, invocando a existência de conflito de interesses, em eventuais actos periciais que lhe sejam requeridos para aquele mesmo Cidadão, sob pena da eventual nulidade do acto.

As actividades periciais médicas não estão circunscritas ao domínio público e judicial. Têm lugar, tanto na esfera pública como no domínio privado e são, do mesmo modo, executadas, por entidades públicas e entidades privadas.

É nosso dever instar os decisores políticos a legislar e regulamentar as actividades periciais em Saúde e a instituir, nas várias esferas do Direito, um regime específico de impedimentos, incompatibilidades e suspeições, claro e inequívoco, aplicável ao Médico no exercício de funções periciais – em contexto público e em contexto privado – que garanta a ausência de conflito de interesses e incompatibilidades daquele profissional, individualmente, e das demais entidades envolvidas em processos de realização de actos médicos periciais.

Acautelando na legislação a separação das duas funções médicas – Assistencial e Pericial – e a aplicação do dito regime de impedimentos, incompatibilidades e suspeições, conseguiria o poder político garantir um melhor serviço à comunidade e ao próprio Sistema de Justiça.

Esta clarificação de conceitos e funções, e a proposta aqui apresentada visam o bem da comunidade em geral e melhoria do Sistema de Justiça, designadamente no que concerne a actividades médicas periciais. Porém, não é de admirar que o mero acto de trazer tais matérias à reflexão e discussão públicas provoque desagrado, seja por ignorância, seja por vício, a alguns dos profissionais e instituições cuja inexistência de interesses não estará, porventura, garantida.

Artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.

 

*Texto da autoria de Pedro Meira e Cruz, Director na Best Medical Opinion e Peritos Médicos na Best Medical Opinion