O ataque de 11 de Setembro teve um impacto reduzido em termos financeiros. “Acabou por ser mais uma tragédia humana do que financeira”, admitem os analistas contactados pelo i. Nuno Mello da XTBreconhece, no entanto, que a política monetária que a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) adotou, na altura, acabou por ser muito pouco restritiva, assente em baixas taxas de juros, o que levou “ao facilitismo do crédito e à bolha imobiliário de 2007 e 2008 que se contagiou pelo mundo”.
Mário Martins, analista da ActivTrades lembra que, a 11 de Setembro de 2001, a economia global, mas em particular a norte-americana, atravessava a contração ocorrida após o rebentamento da bolha das dot.com “com inúmeras nuvens cinzentas no horizonte quanto à capacidade de se recuperar da crise num período razoável de tempo, questionando-se inclusive a preponderância futura do setor tecnológico na economia”.
O que mudou? Para os analistas não há dúvidas: passou a existir uma maior aposta e um maior investimento na defesa. “Depois do atentado de 11 de Setembro seguiram-se duas guerras muito dispendiosas e uma aposta sem precedentes na Defesa. Estes dois fatores, aliados a uma política de juros historicamente baixos fizeram a dívida americana mais que quintuplicar neste período de 20 anos. Todo este dinheiro que foi investido em defesa e segurança interna poderia ter sido gasto no aumento da produtividade do país como forma de luta contra as duas potências económicas que ameaçam os EUA – Rússia e China”, diz Nuno Mello.
Uma opinião partilhada por Mário Martins que quando questionado sobre as mudanças na economia americana admite que “pouco mudou”, reconhecendo que “além de um impulso significativo mas parcialmente temporário no setor da Defesa – que registou uma infusão de verbas oriundas do Orçamento Federal dos EUA – houve um incremento no setor tecnológico em produtos e serviços associados às medidas impostas em alguns locais, como os aeroportos”.
Raio-x Mas vamos a números. No final de 2001, a dívida pública norte-americana era de 5,7 biliões de dólares, um valor que compara com mais de 27 biliões de dólares no final de 2020. “Para isto também contribuíram os sucessivos aumentos dos limites de endividamento. A taxa de desemprego era de 6,4% em 2001 e atualmente é de pouco mais de 5%. A evolução do PIB e do investimento também foi positiva neste período de 20 anos”, refere ao i Nuno Mello.
É certo que a taxa de desemprego foi subindo nos dois anos seguintes aos atentados, mas foi descendo até à chegada da crise do subprime, em 2007, e essa sim transformou-se numa crise financeira e económica à escala mundial. E que ganhou maiores contornos com a falência do Lehman Brothers. Um gigante financeiro -– o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos – que com o seu colapso mudou para sempre a história económico-financeira mundial ao simbolizar a maior crise desde o crash de 1930. Logo a seguir foi a vez da seguradora AIG ser alvo de um resgate milionário da Fed no valor de 85 mil milhões de dólares (mais de 72 mil milhões de euros).
Mas antes do colapso do Lehman Brohters, os sinais já eram visíveis. Desregulação financeira, derivados financeiros sobrevalorizados mas apoiados pelas agências de rating, créditos hipotecários de alto risco (subprime) funcionaram com um rastilho para a crise que rebentou. Antes da queda do gigante norte americano já tinham sido intervencionados alguns bancos.
No entanto, apesar das perdas imediatas nos mercados financeiros e que só foram recuperadas cerca de sete anos depois dos atentados, a reação da Fed para evitar o pânico foi imediata: em cada um dos três dias seguintes ao ataque, injetou 100 mil milhões de dólares (mais de 84 mil milhões de euros) no sistema financeiro.
E as medidas não ficaram por aqui. Após os ataques, baixou por quatro vezes a taxa de juro de referência. Se em janeiro de 2001 a taxa era de 6,5%, depois das reduções fixou-se nos 3,5%.
Riscos Nuno Mello deixa um alerta em relação às atuais incertezas. “O orçamento trilionário de Biden deve levar a dívida pública dos EUA para níveis recorde novamente, mas com a saída do Afeganistão, os EUA podem voltar novamente a concentrar-se naquele que é considerado o maior desafio geopolítico do século XXI: os seus rivais estratégicos: Rússia e China”.
Em resultado dos défices acumulados de anos a dívida pública americana tem registado uma tendência de subida nos últimos 20 anos. E os números falam por si. Para este ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) acredita que a dívida norte-americana deverá fixar-se em 133% do produto interno bruto (PIB), ou seja, acima dos patamares portugueses: 131% do PIB.
Já Mário Martins garante que “vinte anos depois o mundo recupera de uma crise onde a tecnologia desempenhou um papel fundamental para manter a vida o mais normal possível, sem uma disrupção completa, o que está a provocar uma escassez de semicondutores que pode fazer perigar a recuperação económica”.
E acrescenta: “Há duas diferenças significativas entre os dois cenários, no mercado laboral e apesar dos níveis de desemprego atualmente elevados o principal problema está em conseguir cativar as pessoas para preencher os postos de trabalho disponíveis, ou para ajustar as competências existentes para as novas necessidades. Já ao nível da dívida as duas décadas transformaram o papel dos bancos centrais, de intervenientes importantes para os mais importantes de forma destacada”.
É certo que, segundo um estudo levado a cabo pelo Center for Risk and Economic Analisys refere que o impacto do 11 de Setembro na economia norte-americana foi “efémero”. De acordo com o documento, a economia perdeu entre 35 a 109 mil milhões de dólares (entre 29 a 92 mil milhões de euros). Ainda assim, uma percentagem relativamente pequena, uma vez que, equivale entre 0,5 a 1% do PIB norte-americano.
A importância geoestratégica dos EUA também foi beliscada. “Recursos que podiam ser utilizados para aumentar a capacidade produtiva do país foram usados na segurança”, conclui o estudo. As economias emergentes afirmaram-se numa década em que os EUA se endividaram.
Riscos Agora com a saída das tropas americanas do Afeganistão as contas não são animadoras. A presença dos EUA no país deixa uma fatura pesada na ordem dos 2,26 biliões de dólares (cerca de 1,9 biliões de euros), de acordo com as contas do The Costs of War Project, da Brown University. Feitas as conta, este valor inclui mais de 143 270 milhões de dólares (mais de 121 mil milhões de euros) em reconstrução, ou seja, superando o chamado Plano Marshall através do qual os EUA deram uma nova vida à Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Ainda assim, neste montante não está incluído o que o Governo norte-americano é obrigado a gastar com os veteranos que participaram na guerra.
Ainda esta semana, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, avisou que o país poderá entrar em outubro numa situação de incumprimento da dívida nacional se o Congresso não aprovar um aumento do limite da dívida.
Numa carta enviada aos líderes do Congresso, a governante refere que se o Congresso não aprovar um aumento do limite da dívida, o departamento que dirige ficará sem dinheiro e esgotará as medidas “extraordinárias” para manter o governo federal dentro do seu limite de dívida legal em algum momento do próximo mês.
“Uma vez esgotadas todas as medidas disponíveis e o dinheiro disponível, os Estados Unidos não poderão cumprir as suas obrigações pela primeira vez na nossa história”, acrescenta a missiva da secretária do Tesouro dos EUA. E, de acordo com a responsável, não há dúvidas: se o Tesouro ficar sem meios para evitar um incumprimento sem pedir mais dinheiro emprestado, a incapacidade dos EUA para pagar as suas dívidas poderia criar um terramoto no sistema financeiro.