Vender crédito aos cobradores do fraque


Não é razoável admitir que um banco decida vender uma carteira de crédito malparado a terceiros com desconto por norma significativo (entre 70 a 80%) e não tenha nenhuma obrigação de informar o devedor.


O volume de crédito malparado, e a sua gestão, são desafios para a banca portuguesa e que, normalmente, tem impacto no financiamento da economia e até do país nos mercados internacionais. Em Portugal, este tipo de crédito caiu de quase 50 mil milhões registados em 2016 para menos de 15 mil milhões, revelando uma evolução notável, mas mesmo assim ainda superior a muitos outros países europeus.

A venda de carteiras volumosas de créditos malparados (NPL’s) contribuíram para essa evolução, ajudando a diminuir o nível de crédito não produtivo a que a banca portuguesa está exposta.

Com a crise pandémica, e apesar da banca estar mais bem preparada que na anterior recessão, é expectável que venha a aumentar os níveis de crédito malparado. Este tipo de crédito, coloca enorme pressão aos balanços dos bancos porque consome recursos próprios essenciais para a atividade bancária, colocando a banca portuguesa em desvantagem face aos concorrentes.

Ainda recentemente alguns bancos portugueses, na sequência do fim das moratórias, anunciaram a negociação de grandes volumes de crédito malparado com entidades fora do sistema financeiro.

Só a CGD tem em negociação uma carteira de quase 1000 milhões de NPL’s.

Mas, apesar da necessidade de evitar introduzir mecanismos que travem a necessária recuperação económica, pelo impacto negativo que possam ter na solvabilidade das instituições financeiras, urge o reforço contundente da proteção dos devedores contra práticas abusivas dos credores.

Se é verdade que os devedores bancários estão sujeitos a uma regulamentação transparente e que esta tem evoluído na linha da importância da proteção do consumidor, já os credores que, por exemplo, adquirem, carteiras de NPL’s têm gerado significativa desproteção dos cidadãos, particulares, mas também empresas.

É verdade que algumas entidades de supervisão, como o Banco de Portugal têm emitido orientações setoriais no sentido de proibir contactos desleais e práticas abusivas. Contudo, os relatos de procedimentos ilegítimos continuam a ser abundantes, justificando a necessidade de um normativo que regule transversalmente a matéria e que assegure a proteção dos devedores.

Além disso é preciso garantir a possibilidade de intervenção fiscalizadora das entidades públicas porque, na verdade, as empresas que adquirem as carteiras e crédito malparado não dependem de nenhum regulador e estão em roda livre.

Mas mais. Não é razoável admitir que um banco decida vender uma carteira de crédito malparado a terceiros com desconto por norma significativo (entre 70 a 80%) e não tenha nenhuma obrigação de informar o devedor.

Na prática o banco transfere o crédito de um cidadão para uma entidade terceira alterando por completo os termos da relação contratual sem informar o devedor!

De resto, apesar da sensibilidade do tema, pode-se também questionar porque razão o devedor não fica com a possibilidade de adquirir o seu próprio crédito com o desconto concedido à entidade terceira?

Portanto, há matéria crítica que deve ser trabalhada de forma urgente para assegurar a proteção dos consumidores no que concerne, por exemplo, aos seguintes aspetos: às diligências de cobrança extrajudicial de “terceiras entidades”; introduzir o dever de informação por parte do banco ao devedor, caso a sua dívida seja “cedida’’; estabelecer um quadro contraordenacional capaz de reforçar a proteção dos consumidores; equacionar a possibilidade dos mesmos direitos de aquisição de dívida por parte do devedor aquando a cedência de uma carteira de NPL’s; incluir este tipo de “terceiras entidades” num quadro adequado de supervisão.

 

Economista e vice-presidente do grupo  parlamentar do PS


Vender crédito aos cobradores do fraque


Não é razoável admitir que um banco decida vender uma carteira de crédito malparado a terceiros com desconto por norma significativo (entre 70 a 80%) e não tenha nenhuma obrigação de informar o devedor.


O volume de crédito malparado, e a sua gestão, são desafios para a banca portuguesa e que, normalmente, tem impacto no financiamento da economia e até do país nos mercados internacionais. Em Portugal, este tipo de crédito caiu de quase 50 mil milhões registados em 2016 para menos de 15 mil milhões, revelando uma evolução notável, mas mesmo assim ainda superior a muitos outros países europeus.

A venda de carteiras volumosas de créditos malparados (NPL’s) contribuíram para essa evolução, ajudando a diminuir o nível de crédito não produtivo a que a banca portuguesa está exposta.

Com a crise pandémica, e apesar da banca estar mais bem preparada que na anterior recessão, é expectável que venha a aumentar os níveis de crédito malparado. Este tipo de crédito, coloca enorme pressão aos balanços dos bancos porque consome recursos próprios essenciais para a atividade bancária, colocando a banca portuguesa em desvantagem face aos concorrentes.

Ainda recentemente alguns bancos portugueses, na sequência do fim das moratórias, anunciaram a negociação de grandes volumes de crédito malparado com entidades fora do sistema financeiro.

Só a CGD tem em negociação uma carteira de quase 1000 milhões de NPL’s.

Mas, apesar da necessidade de evitar introduzir mecanismos que travem a necessária recuperação económica, pelo impacto negativo que possam ter na solvabilidade das instituições financeiras, urge o reforço contundente da proteção dos devedores contra práticas abusivas dos credores.

Se é verdade que os devedores bancários estão sujeitos a uma regulamentação transparente e que esta tem evoluído na linha da importância da proteção do consumidor, já os credores que, por exemplo, adquirem, carteiras de NPL’s têm gerado significativa desproteção dos cidadãos, particulares, mas também empresas.

É verdade que algumas entidades de supervisão, como o Banco de Portugal têm emitido orientações setoriais no sentido de proibir contactos desleais e práticas abusivas. Contudo, os relatos de procedimentos ilegítimos continuam a ser abundantes, justificando a necessidade de um normativo que regule transversalmente a matéria e que assegure a proteção dos devedores.

Além disso é preciso garantir a possibilidade de intervenção fiscalizadora das entidades públicas porque, na verdade, as empresas que adquirem as carteiras e crédito malparado não dependem de nenhum regulador e estão em roda livre.

Mas mais. Não é razoável admitir que um banco decida vender uma carteira de crédito malparado a terceiros com desconto por norma significativo (entre 70 a 80%) e não tenha nenhuma obrigação de informar o devedor.

Na prática o banco transfere o crédito de um cidadão para uma entidade terceira alterando por completo os termos da relação contratual sem informar o devedor!

De resto, apesar da sensibilidade do tema, pode-se também questionar porque razão o devedor não fica com a possibilidade de adquirir o seu próprio crédito com o desconto concedido à entidade terceira?

Portanto, há matéria crítica que deve ser trabalhada de forma urgente para assegurar a proteção dos consumidores no que concerne, por exemplo, aos seguintes aspetos: às diligências de cobrança extrajudicial de “terceiras entidades”; introduzir o dever de informação por parte do banco ao devedor, caso a sua dívida seja “cedida’’; estabelecer um quadro contraordenacional capaz de reforçar a proteção dos consumidores; equacionar a possibilidade dos mesmos direitos de aquisição de dívida por parte do devedor aquando a cedência de uma carteira de NPL’s; incluir este tipo de “terceiras entidades” num quadro adequado de supervisão.

 

Economista e vice-presidente do grupo  parlamentar do PS