Escolas perderam mais de 400 mil alunos em dez anos

Escolas perderam mais de 400 mil alunos em dez anos


Este ano poderá registar o menor número de nascimentos de sempre em Portugal, mas a queda de natalidade já se nota bem nos alunos matriculados e no número de escolas.


São cada vez menos os alunos, os professores e as escolas existentes em Portugal. Os jovens que hoje frequentam o ensino secundário, nascidos entre 2003 e 2006, representam uma geração em que ainda nasciam no país mais de 100 mil bebés por ano. Os que nasceram em 2014, o ano com menos nascimentos em Portugal – 82 367 –, vão entrar para o segundo ano e, quando chegarem ao secundário, serão menos 30 mil alunos do que atualmente neste nível de ensino.

E a tendência está à vista:_entre o ano letivo de 2009/2010 e o de 2019/2020 o número de alunos nas escolas portuguesas desceu de 2 014 831 para 1 595 312, uma diferença de mais de 419 mil alunos. Foram encerradas nesse período de tempo 3451 escolas. Este ano, fecha mais uma: a escola de Ventosa, no concelho de Vouzela, que, se abrisse este setembro, contaria apenas com dois alunos matriculados.

Apesar de, segundo referiu a diretora do Agrupamento de Escolas de Vouzela ao Jornal do Centro, a freguesia de Ventosa não ter falta de crianças, as mesmas encontram-se a frequentar escolas em Vouzela.

A responsável explicou que esta não é uma situação nova e que a escola pode voltar a abrir quando existirem mais crianças interessadas em frequentá-la. O mesmo aconteceu no passado ao estabelecimento de Paços de Vilharigues, no mesmo concelho, “que esteve também suspenso e reabriu há dois anos”.

Em 2010, quando José Sócrates era primeiro-ministro, uma resolução do Conselho de Ministros determinou que as escolas do ensino básico deveriam funcionar com um mínimo de 21 alunos. “Esta orientação permitirá encerrar, até ao final do ano letivo de 2010-2011, aquelas escolas cuja dimensão prejudica o sucesso escolar dos seus alunos. Com efeito, há uma relação entre a dimensão das escolas e o sucesso escolar, na medida em que as escolas de muito pequena dimensão apresentam taxas de insucesso escolar muito superiores à média nacional”, justificava a decisão. No entanto, casos como o desta escola em Vouzela mostra que esta medida não foi seguida à risca, uma vez que no ano passado a Escola de Ventosa esteve em funcionamento com apenas seis crianças e, de acordo com uma portaria de 25 de maio de 2021, estavam com autorização excecional de funcionamento para o 1.º ciclo do ensino básico até ao final do ano letivo 2020-2021 46 escolas, mais de metade na região do Centro.

Ao i, David Sousa, o vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, explica que, apesar da existência da portaria, “é feita uma análise caso a caso” e o que acontece é que “o Ministério da Educação vai permitindo [que as escolas continuem abertas com] um menor número de alunos do que aquele que está previsto” de modo a tentar encontrar alternativas válidas para a situação das crianças, que muitas vezes habitam em locais isolados.

 

Prejuízos a nível da convivência

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, 2021 pode ser o ano em que número de nascimentos ficará pela primeira vez abaixo dos 80 mil. Se tal se verificar, quando for altura de ingressarem no primeiro ciclo do ensino básico (ou seja, em 2027), o número de alunos matriculados nas escolas do primeiro ciclo rondará os 300 mil alunos – sendo que no ano de 2019/2020 estavam matriculados 386 583 alunos. Fecharão mais escolas?_José Resende, sociólogo e professor catedrático na Universidade de Évora, explica que há várias coisas a ter conta na hora de pesar os benefícios e as desvantagens de encerrar escolas com um número reduzido de alunos e deslocá-los para outras instituições. Por um lado, há que ter em conta “a aprendizagem cognitiva”, mas, por outro, também a “convivência e a solidariedade” são fatores a analisar. Para o sociólogo, “não se pode generalizar nem os efeitos negativos, nem os efeitos positivos destas deslocações”.

“Tem de existir uma articulação entre as escolas e as câmaras municipais”, refere José Resende, de modo a que, por exemplo, seja garantido transporte quando a escola em que a criança estava fecha. Nesta equação, também devem ser tidos em conta os encarregados de educação, uma vez que, quando a cargo destes, a deslocação pode refletir-se num aumento da despesa da família.

Se é praticamente consensual que um elevado número de alunos por turma pode ser prejudicial para a aprendizagem, o que acontece é que a interação com poucas crianças também se pode vir a refletir negativamente no futuro. Aí, David Sousa vai ao encontro das preocupações que levaram a criar uma regra, lembrando que há vários “estudos que indicam que escolas com um número residual de alunos têm tendência a ver o resultado escolar afetado”.

É certo que “em escolas mais povoadas” pode existir uma maior tendência para se assistir a “casos de indisciplina e de rebeldia, que é normal entre as crianças”, acrescenta José Resende, mas também isso “é importante do ponto de vista da própria socialização individual e global, uma vez que é a assim que as crianças e os adolescentes aprendem a administrar os conflitos existentes”. O professor destaca ainda a vantagem de as crianças poderem socializar com outras  “de várias etnias, de várias idades e de várias classes sociais”, algo que só acontece quando se encontram em escolas com um maior número de colegas.

Se manter as escolas abertas pode também ter vantagens, a tendência tem sido a contrária, afetando mais os concelhos do interior. Há 33 municípios onde não existe ensino secundário, noticiou recentemente o Jornal de Notícias, tendo as crianças de deslocar-se para os concelhos vizinhos para poder fazer a escolaridade obrigatória. Se o fosso entre litoral e interior continuará a aumentar ou não é algo que só o futuro o dirá, mas o número de nascimentos não descola e a tendência tem sido para menos escolas, seja por desativação ou fusão em novos edifícios, com as antigas escolas primárias por onde passaram ainda as gerações mais velhas em vias de extinção. Na década de 60, Portugal chegou a ter 17 mil escolas de 1.º ciclo e hoje há 3.589 estabelecimentos de ensino com essa oferta. Na altura, no entanto, poucos iam além desse nível de educação, quando hoje os aluno do 3º ciclo e secundário são a maior geração nas escolas.