Jean-Paul Belmondo. De aspirante a pugilista a emblemático rosto da Nouvelle Vague

Jean-Paul Belmondo. De aspirante a pugilista a emblemático rosto da Nouvelle Vague


O ator francês, conhecido por ter marcado o cinema europeu no último século, morreu esta segunda-feira, na sua casa em Paris. Tinha 88 anos.


“Com uma grande boca, sedutor e herói com a aparência de Mr. Everybody capaz de conciliar comédia e filmes de ação, Belmondo foi o único verdadeiro herdeiro de Jean Gabin durante quase sessenta anos e ofereceu ao cinema de género francês um corpo, um rosto e uma voz . Uma presença incomparável”. É assim que o descreve a imprensa francesa, que se encontra de luto desde ontem. Jean-Paul Belmondo, o ícone do cinema europeu do século XX, morreu esta segunda-feira, aos 88 anos, na sua casa em Paris, confirmou à Agence France Presse o seu advogado, Michel Godest. “Há muito tempo que estava cansado. Morreu tranquilamente”, disse Godest.

A verdade é que há mais de uma semana que circulavam rumores que indicavam que Belmondo teria morrido. Contudo, estes foram desmentidos durante o fim de semana pelo também ator Antoine Duléry. Duléry, de 61 anos, disse numa entrevista à Télé Star, divulgada este sábado, que tinha almoçado com Belmondo na semana passada e que, apesar do ator já não ser jovem, se encontrava bem. “Os rumores são falsos”, garantiu.

Conhecido em França como “Bebel”, Belmondo era também apelidado de o “Le Magnifique” (“O Magnífico”), por causa de uma sátira sobre um agente secreto em que participou nos anos 70.

 

O HOMEM ANTES DO ATOR

Nascido a 9 de Abril de 1933, o ator é o terceiro filho do famoso escultor Paul Belmondo e da dançarina Madeleine Belmondo. Apesar de os pais o terem matriculado nas melhores escolas da burguesia parisiense, o jovem Belmondo nunca teve grande sucesso nos estudos. Contudo, depressa descobriu o prazer do desporto: começando no ciclismo, passando para o futebol e, mais tarde, desenvolveu uma grande paixão pelo boxe. Nessa altura, Jean Paul chegou mesmo a ponderar tornar-se pugilista profissional, porém desistiu após três combates em que saiu vencedor ao primeiro assalto entre 1949 e 1950: “Parei quando o rosto que vi no espelho começou a mudar”, recordaria mais tarde.

Em entrevista ao jornal Le Figaro, Jean-Paul Belmondo confessou que os seus planos de vida não passavam pelo cinema. “Eu queria ser palhaço, sempre fui ao circo. Só gostava disso: do boxe e do circo”, contou o famoso ator que marcou uma era.

Apesar dessa sua “certeza”, aos dezasseis anos, depois de ter sido diagnosticado com uma infeção primária de tuberculose, tendo os seus pais se visto obrigados a enviarem-no para Auvergne – região histórica situada no centro da França – o jovem mudou de ideias. E foi exatamente nesse local, no ar calmo e revigorante do campo, que decidiu tornar-se ator. Seguiu-se então a representação aos 17 anos, começando no teatro.

Em 1952, após duas tentativas falhadas, conseguiu ser finalmente aceite no Conservatório de Paris. A receção foi, porém, tudo menos calorosa, acabando por desistir do curso quatro anos depois. Um dos seus professores previu que nunca teria sucesso por causa da sua “cara de hooligan”, mas não poderia ter estado mais errado: no ano seguinte, o outrora aspirante a pugilista iniciou a sua carreira no cinema, com diversos papéis secundários.

 

A CHEGADA AO MUNDO DA REPRESENTAÇÃO

Depois de alguns anos e várias personagens, tanto no teatro como no cinema (com pequenos papéis), só em 1960 é que o jovem ator viu o seu trabalho reconhecido e as luzes da ribalta a iluminarem-se. A sua representação de um jovem ladrão de automóveis que matava um polícia e tentava persuadir uma rapariga americana a fugir com ele para Itália (Jean Seberg) tornou-o num dos grandes atores da Nouvelle Vague do cinema francês, no filme À bout de Souffle, em português O Acossado (primeira longa-metragem do famoso cineasta Jean-Luc Godard).

Apenas nessa década, Belmondo atuou em 34 filmes realçando a sua importância como o “protagonista do cinema francês”. Não foi preciso muito até que o mundo começasse a falar de si como “um performer multifacetado, capaz de interpretar diversos papéis sob a direção dos maiores diretores” e destacando-se também como um ator “muito físico, que gostava de filmar cenas tensas e agitadas sem forro”. “Nenhum ator desde James Dean inspirou tamanho sentimento de identificação com público”, escreveu o crítico Eugene Archer no New York Times em 1965.

 

O ÍCONE DA NOUVELLE VAGUE

Com salários milionários e a recusar propostas também milionárias de Hollywood, a carreira excecional foi-se dividindo tanto por filmes artísticos como comerciais e, apesar de afirmar que se divertia em ambos (”é como a vida, um dia rimos, no outro choramos”, diria em Veneza), a opção afetou a sua reputação por ter “desperdiçado seu talento indiscutível”: “O que os intelectuais não gostam é de sucesso. Quando um ator tem sucesso, as pessoas viram-lhe as costas e dizem que tomou o caminho mais fácil, que não quer fazer um esforço ou arriscar. Mas se fosse assim tão fácil encher os cinemas, então o mundo do cinema estaria de melhor saúde do que está”, disse Belmondo, lembrou a Reuters, admitindo que não teria tido tanto sucesso durante tanto tempo se fizesse qualquer “porcaria”. “As pessoas não são assim tão estúpidas”, acrescentou.

Jean-Paul Belmondo chegou a inspirar canções e até o rosto do protagonista da banda desenhada franco-belga “Blueberry”, chegando mesmo aos EUA: um episódio da série de comédia “Olho Vivo” de 1967 homenageou-o dando o nome de Paul John Mondebello a um dos agentes vilões.

 

RELEMBRAR O ATOR

O Presidente da República, Emmanuel Macron, homenageou Belmondo num tweet no qual descreve o ator como “um tesouro nacional”, “herói sublime” e “figura de família”.

“Todos nós nos sentimos identificados com ele”, escreveu o governante. Num clima de crise quase permanente, devido aos estragos da pandemia, à ameaça terrorista e aos problemas económicos e divisões sociais, Belmondo sempre relembrou uma França menos angustiada e mais descomplicada do hedonismo. Para si, foi um país, nos anos 60 e 70, que sarou as feridas da Segunda Guerra Mundial e, apesar das tensões, o artista sabia do seu progresso e encarava o futuro com esperança. Foi um produto da época, assim como, de certa forma, outras estrelas como Johnny Hallyday, Alain Delon ou mesmo Brigitte Bardot.

Em 1989, Jean-Paul Belmondo ganhou o Prémio César de Melhor Ator de 1989 pelo filme O Império do Leão (1988), que rejeitou. Foi premiado em 2007 com a Legião de Honra com o grau de Comandante. A sua última aparição no cinema foi em 2009 com o filme Um homem e seu Cachorro, de Francis Huster. Em 2016, recebeu o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.

Em 2001 sofreu um acidente vascular cerebral, recuperou e ainda participou em dois filmes nos anos seguintes. Em setembro de 2019, sofreu uma queda que fragilizou o seu estado de saúde.