Uma discussão que nasce torta dificilmente se endireita. O tema da formação médica, quando surge no mesmo envelope da questão da falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde, tem tudo para correr mal, minar qualquer debate e aumentar a conflitualidade em vésperas da negociação do Orçamento do Estado quando o acesso à saúde é uma das áreas em que o país terá de se fortalecer nos próximos anos – e a escassez de profissionais de saúde é apontada como um desafio à escala global e na Europa envelhecida em particular. Foi o que aconteceu nos últimos dias, com as afirmações do ministro do Ensino Superior, que à boleia da intenção de abrir novos cursos de Medicina e de uma pergunta sobre a exclusividade dos médicos no SNS (que faz parte do programa do Governo e deverá ser mais uma vez um dos pontos quentes do OE 2022 na área da Saúde) meteu no mesmo barco vários temas num registo de conversa de café, sugerindo que o problema da falta de médicos no SNS se poderia resolver com formação mais curta porque um médico de família não precisa da mesma duração de formação de um especialista em oncologia (que já é diferente). A sugestão de Manuel Heitor, naquilo que é a tutela do ministro do Ensino Superior, não fazia qualquer sentido, porque as especialidades são uma formação pós-graduada que nada tem a ver com o país abrir mais cursos de Medicina – com mais vagas para Medicina e com o atual sistema, haverá mais médicos indiferenciados que não poderão ser nem médicos de família nem oncologistas. O ministro tem obrigação de o saber e, podendo ter sido um mal entendido, devia ter esclarecido no dia que proposta em concreto tinha para novos cursos e para a modernização da formação área da saúde ou mesmo para modernizar a formação pós-graduada. Assim, ficou uma ideia populista de que é simples ‘formar’ mais médicos sem colagem com a realidade, nem aqui nem no Reino Unido – em que os candidatos a médicos tiram um curso de Medicina (igual para todos, independentemente da especialidade que venham a seguir) e depois fazem os seus programas de formação pós-graduada nos serviços de saúde. Há cursos mais curtos sim, mas na Europa de Leste. Do protesto dos médicos, que exigem um pedido de desculpa, à correção pública da Associação Médica Britânica, Manuel Heitor perdeu uma oportunidade para apresentar soluções e não promover mais uma polémica estéril. E entretanto mais de um milhão de portugueses vão continuar sem médico de família.
Uma polémica escusada
O tema da formação médica, quando surge no mesmo envelope da questão da falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde, tem tudo para correr mal, minar qualquer debate e aumentar a conflitualidade em vésperas da negociação do Orçamento do Estado quando o acesso à saúde é uma das áreas em que o país terá…







