Proibir é um exercício de imposição da autoridade do Estado que implica sérias intrusões na esfera de liberdade individual como parte do compromisso de integração numa determinada comunidade.
Proibir não pode ser um impulso leviano, assente na vontade de alguns montados numa circunstância qualquer, sem memória e noção da realidade e dos impactos reais nas dinâmicas das comunidades e dos territórios.
Proibir não pode ser como o PAN fez com a proibição de abates de animais nos canis, aprovada na Assembleia da República no quadro dos negócios políticos de sustentação de maiorias parlamentares, sem cuidar antecipadamente que, no terreno, as autarquias tinham capacidade para lidar com as consequências da legislação aprovada. Aprovar a lei, nos termos em que ocorreu, sem financiamentos e novas capacidades instaladas, foi pasto para a emergência de novos espaços ilegais de contenção de animais e para outras ilegalidades, em total divergência com o bem-estar animal.
Não é possível prosseguir uma vertigem proibicionista sob a bandeira do bem-estar animal e de visões urbano-modernistas sem nexo com a realidade e as dinâmicas do Mundo Rural sem ter noção de que se está a instalar uma inaceitável cultura de intolerância assente em gostos pessoais, em circunstâncias e num fundamentalismo que deslaça ainda mais o ambiente social. Não é pela imposição da minha vontade, assente num abuso de posição circunstancial, que posso contribuir para construir algo de positivo.
Não é aceitável a promoção de um debate público baseado alegadamente na visão progressista, urbana, dos modernistas do bem-estar animal contra os bárbaros selvagens e retrógrados dos defensores das tradições taurinas e de outras dinâmicas existentes no espaço rural, onde se integra a caça. É uma leviandade social que só pode levar à geração de um ambiente de intolerância assente no gosto pessoal. Se pago impostos que suportam o contrato de concessão do serviço público de televisão à RTP, que resolve excluir a transmissão televisiva de touradas, por que razão tenho obrigação de contribuir para uma programação que não é plural, diversificada e sintonizada com os meus gostos individuais.
O Partido Socialista que, na sua origem, foi o Partido da Liberdade, da Democracia e da Tolerância não pode continuar a deixar-se aprisionar por interesses parlamentares particulares a troco da manutenção do poder. Mesmo num quadro em que tudo é negócio, em que a política se confunde muitas das vezes com essas dinâmicas, os princípios não se negoceiam e a tolerância é um princípio estruturante da democracia e da sociedade portuguesa.
O PAN pode ter todos os impulsos de intolerância, cavalgando o momento e as fragilidades de uma liderança que prometeu tudo, mas nunca conseguiu as vitórias para governar de modo próprio. Não pode contar com aquiescência de quem é suposto ter responsabilidades acrescidas nos equilíbrios da República e do Estado de Direito, pelo que fez na afirmação da democracia e pelo compromisso que tem em diversos territórios locais com tradições taurinas e com relevantes dinâmicas associadas ao Mundo Rural e a interações milenares entre o Homem e a natureza.
O PAN comporta-se como os talibãs. Têm uma visão própria da realidade, uma interpretação, que consideram suprema e querem impô-la a todos, à força, se necessário, em função da circunstância das fragilidades políticas da manutenção do poder. Contam com alguns fundamentalistas dispersos e com o mercantilismo de valores de quem está no exercício do poder, num turno político com demasiadas expressões de intolerância, de proibicionismo e de fundamentalismo higiénico da sociedade. Portugal democrático nunca foi, nem pode ser isso, mas no tempo da outra senhora proibir era letra de lei estabilizada.
Ninguém é obrigado a gostar de touradas como não é imposto a alguém que tenha de ter um qualquer animal de companhia enclausurado num apartamento urbano, ao arrepio do que ditaria a genética e o pleno bem-estar animal.
Os talibãs podem tentar impor o seu gosto pessoal, arremessando contra as touradas e contra dinâmicas do espaço rural, sem ter qualquer preocupação com as esferas de liberdade individual de outros, as realidades locais ou a importância estratégica das atividades em causa para as comunidades e os territórios diferentes dos mundos asséticos e perfeitos em que vivem.
Há hoje uma deriva urbana alegadamente progressista contra o Mundo Rural, em boa parte, contra aqueles que nunca estiveram no centro das preocupações dos decisores políticos e económicos, por falta de escala eleitoral, por afastamento em relação aos centros de poder e por incapacidade para gerar capacidade de influenciar as decisões.
Nos corredores do poder, é fácil arremessar contras essas comunidades e territórios porque não têm relevância para o pragmatismo vigente, porque são de baixa densidade ou não conseguem gerar sinergias de combate à intolerância. Acresce que estes talibãs do gosto não precisam de se preocupar com as consequências ou com a geração de alternativas, ainda que fosse essa a vontade das comunidades afetadas. Bastaria a proclamação e imposição da visão fofinha para que os cidadãos, as comunidades e os territórios em causa tivessem a obrigação de se sentirem libertados e reconfortados, ainda que a viverem do ar, depois de erradicadas as diabolizadas práticas e pilares das economias locais.
O PAN comporta-se como se estivesse no país dos talibãs, os interlocutores permitem-no. Hoje as touradas, amanhã a caça, depois outras tradições, sempre afastadas de qualquer preocupação com as pessoas e com os territórios rurais. Pelo que valem para as economias locais e pelo que representam para a economia nacional, interna e externamente, em tempo normal e num quadro de resiliência como o que vivemos, é mais que tempo de o Mundo Rural contra-atacar a intolerância e os talibãs. Esse será um impulso democrático importante, de defesa das liberdades individuais e da tolerância, mas também de corte com as negociatas com os fundamentalismos particulares vigentes e as visões fofinhas da realidade que alimentam os extremismos em crescendo no espetro da representação democrática. Chega de oportunidades para os extremismos e os fundamentalismos.
NOTAS FINAIS
CERNELHA. Subitamente, com as memórias e a homenagem pela governação, sublinhou-se a relevância política e da política do patrão do grupo Impresa, razão maior de explicação de tanta coisa do panorama audiovisual e social.
RABEJADOR. Fugir do presente, projetar o futuro é a moda da rentrée. É a sucessão de Costa no PS, as convicções do PR sobre a saída de Costa e as expectativas de vitória de Rio nas autárquicas de 2025. Silly Season todo o ano?
Escreve à segunda-feira