Por mais que corra, deixe de fumar, faça ioga e meditação, devore curcuma, kombucha ou batidos detox, não há maneira de fugir à poluição do ar que respiramos. E isso é algo que está a tirar até seis anos de vida a milhares de milhões de pessoas, alertou ontem um estudo do Instituto de Política Energética da Universidade de Chicago (EPIC na sigla inglesa), que verificou que a poluição do ar é um risco ainda maior para a saúde das populações do que os acidentes de viação, o tabagismo, a guerra ou o VIH/SIDA.
A não ser que se tomem medidas para que o nível de partículas do ar global desça abaixo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é que cada ser humano perca em média 2,2 anos da sua vida. Isto numa altura em que fenómenos climáticos extremos tornam os incêndios florestais – as partículas libertadas por incêndios podem ser até dez vezes mais mais danosas do que as libertadas por chaminés de fábricas ou tubos de escape, segundo um estudo publicado este ano na Nature – cada vez frequentes.
Para quem vive em regiões mais poluídas, e experienciou um ar mais limpo ao longo da pandemia, com sucessivos confinamentos a diminuir a circulação de veículos e produção industrial, o peso da poluição atmosférica é mais claro do que nunca, salientou Michael Greenstone, professor da EPIC e um dos autores do Air Quality Life Index (AQLI), que mede a poluição do ar em função do impacto na esperança média de vida.
Com a covid-19, “tornou-se perfeitamente aparente o importante papel que políticas públicas têm e podem ter em reduzir os combustíveis fósseis que contribuem tanto para a poluição do ar local como para as alterações climáticas”, salientou Greenstone. “Esses políticas podem melhorar a nossa saúde e prolongar as nossas vidas”.
A noção de que perdemos tanto tempo de vida com a poluição atmosférica pode ser alarmante, mas está bem fundamentada. Mesmo a curto prazo, a poluição atmosférica pode causar impactos, causando sintomas como irritação nos olhos e garganta, danos nos pulmões, ataques de asma. Contudo, a longo prazo, até pode chegar a causar problemas crónicos, “potencialmente afetando cada órgão do corpo”, alertou o Forum of International Respiratory Societies, num artigo publicado na Chest, em 2019. O que causa maior preocupação são as partículas mais finas, que entram nos pulmões, “são prontamente apanhadas pelas células, levadas pela corrente sanguínea, expondo praticamente todas as células no nosso corpo”.
No caso do coração, há um aumento do risco de ataques cardíacos, com o estreitamento de artérias e enfraquecimento dos músculos. No que toca ao cérebro, a poluição tem sido associada a maior propensão para redução da inteligência, demência, dificuldades de sono. Órgãos como o pâncreas ou rins podem tornar-se suscetíveis a inflamações, enquanto o fígado, encarregue de se livrar de toxinas, pode ser também afetado. Já o impacto nos órgãos reprodutores pode ser a diminuição da fertilidade. A lista continua, e deverá crescer à medida que a investigação continua, dado que muitos médicos “não fazem ideia de que a poluição pode afetar os órgãos em que se especializam”, salientou na altura Dean Schraufnagel, um dos responsáveis pelos artigos da Forum of International Respiratory Societies, ao Guardian.
Desigualdade Como em quase tudo neste mundo, os impactos da poluição atmosférica são desiguais. Entre os principais pontos de preocupação estão metrópoles como a cidade de Ho Chi Minh, Jakarta ou Bangkok, cada vez mais cheias de gente, com uma indústria sem grandes regulamentações, para produzir bens ao mais baixo custo, que muitas vezes vêm parar às nossas mãos, sem que tenhamos de lidar diretamente com as consequências disso. Mesmo em países na África Subsaariana, os efeitos da poluição do ar são comparáveis ao da malária e do HIV/SIDA. Mesmo estas ameaças são frequentemente desprezadas, por devastarem sobretudo populações mais desfavorecidas, mas a poluição do ar “ainda assim recebe menos atenção”, lamenta o relatório do EPIC.
Entre os países em risco, salienta-se a Índia, onde se estima que a má qualidade do ar mate mais de um milhão de pessoas por ano. A poluição média é de mais de 70 microgramas de poluente por metro cúbico de ar. Já no Porto, por exemplo, a região com maior poluição do atmosférica em Portugal, segundo o EPIC, esse valor é de apenas 5.
O drama da Índia atinge particularmente o norte do país, em megacidades como Nova Deli, que tem mais de 20 milhões de habitantes. Aqui, poderia ganhar-se até uma década em esperança média de vida se os níveis de poluição chegassem ao exigido pela OMS, ou seja abaixo do limiar de 10 microgramas de poluente por metro cúbico de ar.
Mesmo na Europa, a desigualdade parece ser um fator no que toca à poluição atmosférica, com o problema centrado sobretudo nos países do Leste, sendo a Polónia o afetado, em particular nas cidades de Varsóvia e Lódz. Algo que tem sido associado à pobreza energética, com famílias a terem de queimar carvão ou madeira – os mais desesperados chegam a queimar plástico ou pneus – dentro de casa, em fogões domésticos, para sobreviver ao duro inverno polaco.
No entanto, nem tudo são más notícias. Nas últimas décadas, a poluição do ar na Europa decresceu uns 15%, com os europeus a ganharem uns três meses de esperança média de vida, segundo o EPIC. Mas os avanços mais significativos são na China, que passou de exemplo do que não fazer a modelo de como melhorar drasticamente a qualidade do ar. Ninguém esquece as imagens de multidões de máscara, muito antes da covid-19, porque mal dava para respirar em cidades como Henan, no nordeste do país, em 2016, devido a um smog que fazia lembrar Londres na primeira metade do séc. XX. Desde que a China começou a sua “guerra à poluição”, em 2013, houve uma quebra de 29% nas partículas poluentes no ar, regista o relatório do EPIC. O resultado será um aumento de 1,5 anos na esperança média de vida, caso seja uma tendência sustentada.