Um passeio pelos crimes de Lisboa

Um passeio pelos crimes de Lisboa


Nesta tour de uma hora e meia, os visitantes passam por vários locais da capital onde acontecerão diversas atrocidades. O dark tourism é já conhecido pelo mundo, e leva pessoas a viajar para locais que deixam as emoções à flor da pele. Em Lisboa, as visitas acontecem às sextas-feiras e sábados à noite.


É sexta-feira à noite na capital. Alguns juntam-se em restaurantes para celebrar a chegada do fim da semana com uma refeição mais requintada, outros preferem relaxar num bar ou numa esplanada enquanto ouvem música e dançam.

No entanto, nem todos têm planos tão lineares. Um grupo de vinte pessoas junta-se pelas 21h debaixo do Arco da Rua Augusta para dar início a uma noite de histórias, onde os crimes serão os protagonistas. Numa caminhada de 1h30 a 2h00 vão fazer um roteiro por Lisboa com paragens por locais onde algo de sinistro aconteceu.

A primeira fica logo ali no ponto de partida – é o local onde se deu o regicídio do Rei D. Carlos. Tiago Paixão, o storyteller que nos conta o segredos mais mórbidos da capital, explica de maneira sugestiva todos os detalhes que só os mais corajosos anseiam saber.

O criador deste «passeio em formato storytelling sobre os aspetos mais terríficos e tenebrosos da história da cidade de Lisboa», como o descreve, é Marco Pedrosa, ator, humorista e guionista. Além dos Crimes de Lisboa, Marco tem outro projeto a decorrer de momento, a peça de teatro Amor e Redes Sociais, a decorrer no Hard Club do Porto.

A ideia deste passeio nasceu em 2017 com o objetivo de criar algo «único e distintivo» no que toca ao dark tourism em Portugal. Por enquanto, explica-nos Tiago, este passeio é algo mais «restrito e pouco publicitado», pois pretende chegar à população através do «passa a palavra».

«Não queremos anunciar em plataformas como o TripAdvisor porque queremos algo mais restrito. Daqui a um tempo é possível que isso aconteça e passemos a ter sessões em inglês também», adianta à LUZ Tiago Paixão.

Depois da Praça do Comércio, onde se ouve a primeira história, é (quase) sempre a subir. Paramos na Igreja da Madalena, na Sé e continuamos por Alfama. Subimos até ao Miradouro de Santa Luzia, onde ficamos a descobrir o porquê de Lisboa ser a cidade das Sete Colinas, e ao do Chão do Loureiro, onde aprendemos mais sobre o terramoto de 1755 e ficamos a interrogar-nos se o Marquês de Pombal não terá sido um vilão.

Perto do Museu do Aljube ficamos a conhecer a casa onde morou o último carrasco do país, a sua história e o que o fez embarcar nessa profissão. Se nos deparássemos com o portão fechado que encerra o pátio, seria pouco provável que tivéssemos coragem para o abrir, especialmente à noite. O beco é escuro e no seu lado esquerdo está uma mesa com uma pequeno altar e uma imagem de Nossa Senhora. É quase irónico, dado quem ali morou.

Avançamos no percurso e no tempo. Os nomes Valentina, Maria João e Fernanda deixarão de nos ser indiferentes: a história de como o estripador de Lisboa tirou a vida a estas três mulheres na década de noventa do século passado ecoará permanentemente na nossa, fazendo-nos questionar o seu paradeiro.

Desde o massacre dos Távoras até aos misteriosos crimes que decorreram no Aqueduto, passando pela Matança da Páscoa, em que morreram às mãos dos portugueses mais de 4000 judeus, depois deste roteiro, será impossível voltar a andar em Lisboa da mesma maneira.

Da Mouraria e de Alfama, descemos até ao Rossio, onde termina a visita. Um passeio que poderia ser cansativo, devido à sua extensão e à irregularidade do piso, acaba por nos fazer esquecer que estamos a andar. Aqui, os ouvidos e os olhos trabalham muito mais do que as pernas, suscitando algum medo e ansiedade. Os arrepios agitam a pele e chegam à espinha. 

É através do Instagram – na página @crimesdelisboa – que as visitas são anunciadas. As sessões decorrem todos as sextas-feiras e sábados, com um público máximo de 20 pessoas, devido à pandemia. 

Turismo obscuro 

O conceito de Dark Tourism (ou turismo oscuro) é já bastante conhecido um pouco por todo o mundo. Baseia-se na visita a locais associados a catástrofes, sofrimento e morte. Podem ser locais de dark tourism casas de serial killers, cemitérios, campos de concentração ou estabelecimentos prisionais inativos, por exemplo.

Uma grande contribuição para o crescimento deste tipo de turismo foi o documentário estreado pela Netflix em 2018 Dark Tourist. Ao longo dos oito episódios, o jornalista neozelandês David Ferrier percorre vários pontos do globo, dando ao telespectador acesso aos locais mais sombrios do mundo.

Os episódios passam-se no México, no Japão, nos Estados Unidos da América e em alguns países europeus, africanos e asiáticos, e são a prova de como, um pouco por todo o mundo, o ser humano sempre sentiu uma certa atração pelo abismo e pela morte. 

Um artigo da revista Forbes publicado em 2019 aponta alguns dos melhores destinos do mundo para a prática do Dark Tourism.

O memorial e museu do 11 de Setembro, em Nova Iorque, nos Estados Unidos está em primeiro lugar da lista. É um tributo às 2977 pessoas que morreram a 11 de setembro de 2001 no ataque às Torres Gémeas. 

Também o memorial e museu de Auschwitz-Birkenau, em Cracóvia, Polónia, integra lista. O campo de concentração Nazi viu mais de 1 milhão de pessoas, entre as quais crianças, perderem a vida entre as suas paredes.

O memorial de Hiroxima, no Japão, é outro dos locais mais conhecidos do mundo pelo acontecimento trágico que lá sucedeu, em 1945. A bomba que detonou a 600 metros da cidade japonesa deixou um número incontável de vítimas. 

Chernobyl, na Ucrânia, também tem espaço na lista de locais mais procurados para o Dark Tourism. O pior acidente nuclear da história aconteceu em 1986 e os cientistas acreditam que serão precisos 20 mil anos para que a cidade se torne habitável de novo. Mais de trinta anos depois a radiação ainda é tão intensa que as visitas têm regras muito especificas para manter os turistas em segurança. É, por exemplo, proibido usar sapatos abertos, calções, saias, comer e fumar.

O Memorial do Genocídio de Murambi, em Ruanda, pode não ser tão conhecido mas causa um impacto igualmente forte. Existem cerca de 50 mil campas na escola que foi palco deste genocídio em 1994. O memorial foi fundado no ano seguinte e nele estão postos vários corpos mumificados das vítimas do massacre.

No estado de São Francisco, nos Estados Unidos da América, está a Penitenciária Federal de Alcatraz, conhecida como ‘a Rocha’. A prisão de alta segurança a dois quilómetros da costa funcionou desde 1934 até 1963, sendo atualmente um museu. Personalidades como Al Capone e Machine Gun Kelly estiveram aqui a cumprir pena. Muitos relatos dizem que um dos aspetos piores da vida em Alcatraz era os prisioneiros verem as pessoas em São Francisco a viverem o seu dia-a-dia normal.

Também as ruínas de Pompeia em Itália são local de peregrinação para os amantes do Dark Tourism. Destruída pela erupção do Vesúvio no ano 79 da nossa era, a cidade só foi descoberta – por acidente – em 1748. Preservada pela cinza vulcânica que a cobriu, recebe cerca de 2 milhões e meio de visitantes por ano.

A lista da Forbes encerra com os Campos da Morte de Choeung Ek, no Camboja. Mais de dois milhões de pessoas foram mortas pelos Khmer Rouge (partido comunista do Camboja), de acordo com um estudo da Universidade de Yale, entre os anos de 1975 e 1978. Os restos mortais de 8895 pessoas foram exumados em 1980 e há crânios expostos remetendo para a brutalidade daquele regime.