Macaulay Culkin. A infância roubada e a vida perdida

Macaulay Culkin. A infância roubada e a vida perdida


Depois de se ter “reformado” aos 14 anos ao ficar longe das luzes da ribalta, o ator Macaulay Culkin, agora com 41, volta aos ecrãs na décima temporada da série da FX – American Horror Story.


De todos os “mitos modernos” em torno das tão conhecidas estrelas de Hollywood, a queda da estrela infantil Culkin é a que mais nos tem “desconcertado” há vários anos. Talvez por nos termos “deliciado” com a personagem Kevin McCallister, protagonista do filme Home Alone que, com apenas 10 anos, lhe valeu uma indicação ao Globo de Ouro como Melhor Ator de Comédia e dois prémios – American Comedy Award e Young Artist Award. Por outro lado, talvez nos parece difícil compreender como é que uma criança com um sucesso tão precoce e um talento tão inato se tenha perdido, esquecido e transformado em algo que não perspetivávamos.

Depois de anos afastado por escolha própria, o ator regressa agora para participar na décima temporada da série americana de terror produzida por Ryan Murphy e Brad Falchuk, transmitida pela emissora de televisão FX e promete surpreender.

 

AMERICAN HORROR STORY A nova temporada de American Horror Story, estreou no dia 25 de agosto na televisão americana e, apesar de ainda não conhecermos uma data de lançamento em Portugal, já existem algumas pistas daquilo que se pode esperar desta série que tem cativado as atenções de todo o mundo: em todas as temporadas há uma história nova, com personagens distintas, enquadradas num universo diferente.

Desta vez, os produtores e argumentistas apostaram num “Double Feature”. Ou seja, vão existir duas narrativas na mesma temporada, espalhadas pelos dez episódios. À partida não haverá intersecções, com os primeiros seis capítulos a contar uma história e os últimos quatro centrar-se-ão num enredo diferente. A primeira parte chama-se Red Tide e tem um imaginário mais aquático, com uma narrativa recheada de criaturas pertencentes às profundezas do oceano. Um tema de fantasia já pedido pelos fãs há bastante tempo. A segunda parte de American Horror Story: Double Feature passa-se em terra, no deserto árido de “Death Valley”. Aqui, o tema estará relacionado com extraterrestres.

A temporada vai contar com alguns dos principais atores regulares, mas também com algumas novidades. Parte do elenco vai poder entrar nas duas narrativas: Finn Wittrock vai interpretar um escritor em dificuldades, que se muda para Provincetown com a sua mulher (Lily Rabe) e a filha de ambos. Rapidamente vão cruzar-se com dois misteriosos locais (Evan Peters e Frances Conroy). O elenco inclui ainda Sarah Paulson, Neal McDonough, Angelica Ross, Billie Lourd, John Carroll Lynch.

Macaulay já se tornou na personagem preferida dos fãs que tiveram oportunidade de assistir, mostrando um outro lado do seu trabalho. O ator interpreta um prostituto, atrevido e viciado em drogas.

A CRIANÇA PRODÍGIO Os seus finos cabelos loiros, grandes olhos azuis e sorriso inocente continuam os mesmos e transportam-nos para as ruas de Nova Iorque na década de 90, em plena época natalícia (altura em que se passa o filme Home Alone). É quase impossível que não sejamos invadidos por esse sentimento de nostalgia quando, todos os anos, as televisões nacionais nos relembram da genialidade daquele menino que fica sozinho em casa, depois da família se ter esquecido dele, viajando até Paris.

Contudo, parece que não foi só Kevin que ficou sozinho em casa e é possível que a ficção se tenha transportado metaforicamente para a realidade… O menino cresceu, ficou rico, sofreu com a fama que não escolheu, afastou-se da luz das ribaltas, quebrou a relação com o pai (seu manager), criou uma banda com músicas sobre pizza, foi preso e agora, volta com o objetivo de mostrar o homem por trás da personagem que o continua a assombrar, já que mais ninguém soube nada sobre ele (e o que se soube, nunca abonou a seu favor).

Na verdade, a trajetória da vida de Culkin é a precipitação de uma explosão atómica. Aos 12 anos já tinha participado em oito produções – Rocket Gibraltar; See You in the Morning; Uncle Buck; dois filmes da sequela Home Alone; Jacob’s Ladder Only the Lonely e My Girl – que o tornaram no ator mais novo e de maior sucesso de todos os tempos. Aos 14 anos, o artista emancipou-se legalmente dos pais que lutavam para obter a sua fortuna de 17 milhões de dólares, equivalente a 14 milhões de euros, com o divórcio. Aos 17 anos casou-se, separando-se dois anos mais tarde… A partir daí, seguiram-se as polémicas em torno do consumo de drogas que o levou à prisão, a busca pelo seu paradeiro e a relação íntima que mantinha com Michael Jackson. A pergunta que se impõe é: porquê?

O PASSADO SUFOCANTE O passado atribulado de Macaulay Culkin explica as razões pelas quais passou de ser uma das maiores estrelas de Hollywood para uma vida de relativo anonimato, longe do público, marcada por todos estes problemas. Antes de se tornar mundialmente conhecido, o pequeno Culkin morava num apartamento com dois quartos com os pais e os sete irmãos. Uma família humilde que o seu pai sustentava trabalhando na paróquia local.

O patriarca era também um ator de teatro bastante frustrado que atuou com Laurence Olivier, em Beckett. A sua obsessão era deixar o pequeno apartamento onde moravam os nove membros da família através do sucesso dos filhos. À medida que estes iam começando a andar e a falar, levava-os a castings. O objetivo era que vingassem no meio para que a família pudesse levar uma vida melhor. Kit já havia acompanhado dois dos seus filhos a castings. Contudo, só o conseguiu com Macaulay que tinha um ar angelical, um carisma muito próprio e uma ótima memória para decorar falas (o que era uma vantagem valiosa enquanto criança na indústria). Depois de fazer algumas participações importantes ainda nos anos 80, com apenas 10 anos, foi contratado para ser o protagonista de Home Alone. O argumentista John Hughes era o mesmo que o tinha dirigido no ano anterior no filme Uncle Buck.

A produção de 1991, foi um sucesso inacreditável. Na altura, tornou-se no terceiro filme com maior receita de bilheteira de sempre, o que permitiu a Kit Culkin deixar o emprego e dedicar-se a tempo inteiro à carreira do filho, de quem era manager.

Para interpretar a personagem de Kevin, o jovem ator tinha recebido o equivalente a cerca de 240 mil euros e, no ano seguinte, por participar no filme My Girl, tornou-se na primeira criança a ganhar um milhão de dólares, atualmente o equivalente a 847 mil euros, por trabalhar num filme. A sua cara depressa ficou conhecida em todo o mundo, pois a personalidade do personagem não correspondia aos arquétipos infantis do cinema norte-americano (travesso, rejeitado ou perverso): Macaulay passou a ser “o novo menino de Hollywood”.

A fama tinha tomado proporções tão grandes que, três anos mais tarde, em 1993, a revista Premiere nomearia Kit Culkin uma das 50 pessoas mais poderosas de Hollywood. O problema foi que as suas ambições começaram a transformar-se em chantagens, o que acabaria por resultar numa série de conflitos não só no seio familiar como no universo de Hollywood.

AS CHANTAGENS DE CULKIN Além do segundo filme da saga Home Alone – Lost in New York, e outras comédias familiares, o ator fez o filme The God Son, primeiro projeto marcado pela chantagem do pai aos estúdios da 20th Century Fox, com quem já havia trabalhado antes.

Três semanas antes do início das filmagens os produtores já tinham escolhido o ator principal que seria Jesse Bradford. Contudo, Kit Culkin considerava que o papel de um filho psicopata seria bom para Macaulay demonstrar a sua versatilidade, mostrar que conseguia fazer papéis mais dramáticos. Por isso, o também manager exigiu aos estúdios da Fox que contratassem Macaulay.

Como o realizador do filme recusou, já que mudar de ator à última hora implicaria um atraso de vários meses na rodagem, a perda de milhões de dólares no orçamento e o abandono de uma equipa inteira durante vários meses, Kit ameaçou-o dizendo que se este não desse o papel ao seu filho que o jovem deixaria de gravar a sequela de Home Alone.

E o estúdio acabou por ceder: preferia-se ajoelhar diante de Kit Culkin do que deixar de produzir Home Alone 2. Além disso, o pai ainda exigiu que contratassem uma das suas filhas, Quinn, para interpretar a irmã de Macaulay na história.

O filme resultou no despedimento de dois realizadores, atrasou-se nove meses e foi um fracasso nas bilheteiras.

Para a produção de The Nutcracker, Culkin voltou a fazer ameaças. Na altura, numa reportagem do The New York Times, um produtor descreveu o caso como sendo de “assédio, extorsão e chantagem”. Quando os estúdios decidiram acrescentar uma narração do ator Kevin Kline que ajudava a esclarecer a história do filme, pois as crianças que o tinham, em fase de testes, tinham considerado a narrativa confusa, Culkin exigiu que retirassem esse voz-off, pediu alterações nos efeitos sonoros e na ordem dos nomes do elenco.

O patriarca da família estava a tornar-se odiado na indústria de Hollywood e já havia produtores que começavam a comemorar o “crepúsculo” da carreira de Macaulay Culkin. “As pessoas estão a desejar, mas a desejar mesmo, que o miúdo tropece. Estão à espera que a sua voz mude”, disse um produtor anónimo no mesmo artigo ao jornal americano. “É a mesma história de sempre. Precisávamos dele enquanto estava no topo, mas assim que começar a cair, teremos prazer em empurrá-lo para baixo”, acrescentou.

Foi precisamente depois dessa última chantagem que começou o declínio da carreira de Macaulay. O jovem que tinha crescido num quarto partilhado com os irmãos e que passou para uma mansão era obrigado pelo pai a dormir no sofá para que “a fama e o dinheiro não lhe subissem à cabeça”. Nas entrevistas de promoção, o artista tornava-se relutante, distante e arrogante. “O que é que fazes quando não estás a fazer filmes?”, questionou um repórter. “Entrevistas”, respondeu Culkin. “O que achaste do filme?”, perguntou outro jornalista. “Não tive tempo de ver”, respondia o ator.

O DIVÓRCIO DOS PAIS E A REFORMA DO FILHO Em 1995, Kit Culkin e Patricia Bentrup (a mãe da família) separaram-se. Apesar de nunca terem casado, os dois tinham de decidir tanto a divisão da custódia dos filhos, como a gestão das suas carreiras – entretanto, outros Culkin tinham começado o seu percurso profissional enquanto atores, embora todos longe do estrelato de Macaulay.

A verdade é que o casal não detinha posses próprias (viviam exclusivamente da percentagem legal, 15% que retiravam dos rendimentos dos filhos). Na altura, a fortuna de Macaulay estava estimada em cerca de 45 milhões de euros (número que um ano depois baixaria consideravelmente) e, tanto o pai como a mãe queriam ficar com tudo. Patricia Bentrup alegou que Kit era um alcoólico, abusava física e psicologicamente e que a traía com outras mulheres. Kit Culkin, em mais um caso de chantagem, ameaçou tirar à última hora outro dos seus filhos, Kieran, do filme em que ia participar, se não ficasse com o que ele queria. Macaulay tinha 14 anos nesta altura e foi aí que sentiu que tinha de fazer algo para proteger os seus bens.

Conseguiu então que um juiz proibisse os pais de acederem e controlassem o seu dinheiro… Além disso, anunciou que não ia trabalhar mais como ator e começou a gastar a fortuna em vivências e objetos extravagantes. Com o passar do tempo, o ator foi-se afastando da luz da ribalta, comprou um apartamento em Manhattan, e passou a dedicar dias inteiros àquilo que gostava de fazer antes de ser uma estrela de cinema: andar de skate e ver combates de luta livre.

A partir desse ano, o jovem nunca mais se deu com o pai: “O meu pai era um homem abusivo! Não tanto de modo físico, embora tenha havido um pouco disso, mas de modo mental. Pedia um descanso, queria ir de férias pela primeira vez na vida, e ele não parava de assinar contratos para mais filmes. Ninguém me ouvia. O meu pai tinha uma cama gigante e uma televisão enorme e fazia-me dormir com o meu irmão no sofá. Fazia isso para me quebrar o espírito. Por isso reformei-me para desaparecer da face da Terra”, disse à revista Time, uns anos depois, adiantando que depressa percebeu que “nunca se poderia livrar dela”.

Quatro anos mais tarde, o artista casou-se com a atriz Rachel Miner, com quem ficou durante apenas dois anos.

Em 2004, foi detido em Oklahoma City por posse de 17 gramas de marijuana e dois tipos de tranquilizantes. Nesse mesmo ano, teve que testemunhar no caso de abusos sexuais contra Michael Jackson. O rei da pop era próximo de Macaulay (e de outros irmãos Culkin) desde que se tornou conhecido na infância. Contudo o ator testemunhou, ao contrário de outras ex-crianças próximas, que o músico nunca tinha tido qualquer comportamento impróprio com ele, embora tenha confirmado alguns hábitos bizarros do autor de Thriller. Atualmente o ator é padrinho dos dois primeiros filhos do cantor.

Apesar de tudo isso, Macaulay acabou por seguir em frente. Dedicou algum do seu tempo a pequenas aparições, à formação da banda The Pizza Underground, que se dedicava a cantar músicas sobre pizza e a campanhas publicitárias onde voltava a representar Kevin.

Em abril deste ano, Macauly anunciou o nascimento do seu primeiro filho, Dakota Song Culkin, com a sua esposa e atriz, Brenda Song. Em declarações curtas à revista Esquire, o casal disse estar “radiante”. Macaulay Culkin batizou-o de Dakota em homenagem à sua irmã, Dakota Culkin, falecida em 2008.