Sentidos de vida: outra reflexão preguiçosa de verão (III)


Portugal é, digam alguns jornais e alguns canais de televisões a eles ligados o que disserem, um país de baixíssima criminalidade e de enorme segurança.


Costumo passar, desde miúdo, parte das minhas férias numa agora popular e populosa praia do Algarve.

É uma praia tradicionalmente escolhida por famílias com crianças, dada a pouca perigosidade do mar, a extensão de areia fina e a quase inexistência de ventos e correntes de mar fortes.

Talvez por isso e pelo imenso calor que se faz sentir por volta das treze horas, com uma regularidade quase religiosa, se assista a uma debandada massiva de milhares de banhistas em direção à povoação.

Em vez de comerem sandes na praia, vão almoçar a casa ou aos restaurantes e, depois, vão fazer e pôr os filhos a fazer a sesta, regressando, quase todos, a meio da tarde.

Nesse intervalo de tempo, deixam no areal as suas sombrinhas e muitos dos seus pertences, que recuperam quando regressam e ali se estabelecem, de novo, até depois das sete da tarde.

O que é de ressaltar é que, rarissimamente, se ouve alguém queixar-se de lhe faltar qualquer coisa que tenha deixado na praia nesse intervalo de tempo. 

Portugal é, de facto, digam alguns jornais e alguns canais de televisões a eles ligados o que disserem, um país de baixíssima criminalidade e de enorme segurança.

Há tempos, jantei com um empresário brasileiro – um homem conservador, mas de espírito aberto – que optou, há anos, por realizar a sua vida e os seus negócios em Portugal.

Na sequência de muitas conversas que nessa noite ocorreram, disse-me que nós, portugueses, não sabíamos, verdadeiramente, o que era a liberdade.

“Liberdade” era, segundo ele, o que sentia no nosso país, quando, por exemplo, passeava ao fim da tarde com a mulher no paredão de Cascais, sem correr qualquer risco de ser importunado ou assaltado.

Foi essa a razão, aliás, que o fez optar por residir e trabalhar em Portugal. 

A conversa evoluiu então, necessariamente, para as condições sociais existentes atualmente no Brasil, em outros países da América Latina e no nosso país, e para a repercussão que nos seus fenómenos criminais elas tiveram ao longo destes anos.

Falou-se de como, logo após o 25 de Abril, no nosso país – em contraste com o que sucedeu com o concomitante crescimento das favelas brasileiras – as forças políticas de esquerda e de direita do arco constitucional acordaram e se empenharam em acabar com a maioria das barracas e bairros da lata que circundavam Lisboa e outras cidades, substituindo-as por bairros sociais mais aprazíveis, saudáveis e, mesmo, mais integradores.

Essa circunstância, a par da criação de um estado social efetivo – por muito insuficiente que ainda seja – permitiu que, depois de derrubada a ditadura e o estado policial que a caracterizava, e apesar das muitas convulsões sociais e económicas que o país foi sofrendo, a criminalidade tivesse, progressivamente, decrescido em Portugal, sendo hoje uma das menores do mundo.

 É evidente que para a diminuição da criminalidade no nosso país – e, pelo contrário, o seu recrudescimento no Brasil – confluem muitas outras circunstâncias, que não apenas as boas ou más condições de habitação e urbanismo das suas cidades.

Como referi, o facto de em Portugal se ter, progressivamente, edificado um estado social efetivo que, entre outos aspetos, contempla uma educação pública de qualidade, um serviço nacional de saúde eficaz e um conjunto de sistemas de pensões e apoios às pessoas mais carenciadas que, mesmo que obviamente insuficiente, contribui para impedir situações de miséria e marginalidade extremas, ajuda muito a que fenómenos de criminalidade massiva e violenta não tenham aqui lugar, como acontece em alguns países da América Latina.

Não deixa, por isso, de ser estranha a ideia, absolutamente alarmista e enganosa, sobre a realidade criminal vivida na nossa sociedade, que certos jornais e canais televisivos nos transmitem permanente e sadicamente. 

O medo como instrumento de ação política é – todos sabemos – uma arma poderosa.

Ele gera mais medo e, sobretudo, muitos ódios.

O tempo de eleições é, reconhecidamente, atreito a todo o tipo de demagogias e, hoje, estas – com o apoio consciente ou meramente oportunista de alguns media – constituem a base essencial do discurso político de muitos dos novos radicalismos e populismos.

É, pois, importante que as forças políticas que deram e dão corpo ao arco constitucional mantenham, sobre a segurança e a criminalidade, a sua tradicional posição de serenidade responsável.

Nesta matéria – como em outras – o discurso tremendista dos novos populistas começa a influenciar os mais expostos a situações de insegurança e criminalidade, sendo que estes são, em regra, os mais carenciados e os que vivem em zonas mais problemáticas.

Como se constata, porém, do exemplo da América Latina, assegurar e preservar a liberdade e a segurança dos cidadãos passa mais pelo reforço do equilíbrio dos seus rendimentos e da justiça social do que pelo incremento de medidas, sempre e sempre mais repressivas, securitárias e lesivas dos direitos, liberdades e garantias constitucionais. 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sentidos de vida: outra reflexão preguiçosa de verão (III)


Portugal é, digam alguns jornais e alguns canais de televisões a eles ligados o que disserem, um país de baixíssima criminalidade e de enorme segurança.


Costumo passar, desde miúdo, parte das minhas férias numa agora popular e populosa praia do Algarve.

É uma praia tradicionalmente escolhida por famílias com crianças, dada a pouca perigosidade do mar, a extensão de areia fina e a quase inexistência de ventos e correntes de mar fortes.

Talvez por isso e pelo imenso calor que se faz sentir por volta das treze horas, com uma regularidade quase religiosa, se assista a uma debandada massiva de milhares de banhistas em direção à povoação.

Em vez de comerem sandes na praia, vão almoçar a casa ou aos restaurantes e, depois, vão fazer e pôr os filhos a fazer a sesta, regressando, quase todos, a meio da tarde.

Nesse intervalo de tempo, deixam no areal as suas sombrinhas e muitos dos seus pertences, que recuperam quando regressam e ali se estabelecem, de novo, até depois das sete da tarde.

O que é de ressaltar é que, rarissimamente, se ouve alguém queixar-se de lhe faltar qualquer coisa que tenha deixado na praia nesse intervalo de tempo. 

Portugal é, de facto, digam alguns jornais e alguns canais de televisões a eles ligados o que disserem, um país de baixíssima criminalidade e de enorme segurança.

Há tempos, jantei com um empresário brasileiro – um homem conservador, mas de espírito aberto – que optou, há anos, por realizar a sua vida e os seus negócios em Portugal.

Na sequência de muitas conversas que nessa noite ocorreram, disse-me que nós, portugueses, não sabíamos, verdadeiramente, o que era a liberdade.

“Liberdade” era, segundo ele, o que sentia no nosso país, quando, por exemplo, passeava ao fim da tarde com a mulher no paredão de Cascais, sem correr qualquer risco de ser importunado ou assaltado.

Foi essa a razão, aliás, que o fez optar por residir e trabalhar em Portugal. 

A conversa evoluiu então, necessariamente, para as condições sociais existentes atualmente no Brasil, em outros países da América Latina e no nosso país, e para a repercussão que nos seus fenómenos criminais elas tiveram ao longo destes anos.

Falou-se de como, logo após o 25 de Abril, no nosso país – em contraste com o que sucedeu com o concomitante crescimento das favelas brasileiras – as forças políticas de esquerda e de direita do arco constitucional acordaram e se empenharam em acabar com a maioria das barracas e bairros da lata que circundavam Lisboa e outras cidades, substituindo-as por bairros sociais mais aprazíveis, saudáveis e, mesmo, mais integradores.

Essa circunstância, a par da criação de um estado social efetivo – por muito insuficiente que ainda seja – permitiu que, depois de derrubada a ditadura e o estado policial que a caracterizava, e apesar das muitas convulsões sociais e económicas que o país foi sofrendo, a criminalidade tivesse, progressivamente, decrescido em Portugal, sendo hoje uma das menores do mundo.

 É evidente que para a diminuição da criminalidade no nosso país – e, pelo contrário, o seu recrudescimento no Brasil – confluem muitas outras circunstâncias, que não apenas as boas ou más condições de habitação e urbanismo das suas cidades.

Como referi, o facto de em Portugal se ter, progressivamente, edificado um estado social efetivo que, entre outos aspetos, contempla uma educação pública de qualidade, um serviço nacional de saúde eficaz e um conjunto de sistemas de pensões e apoios às pessoas mais carenciadas que, mesmo que obviamente insuficiente, contribui para impedir situações de miséria e marginalidade extremas, ajuda muito a que fenómenos de criminalidade massiva e violenta não tenham aqui lugar, como acontece em alguns países da América Latina.

Não deixa, por isso, de ser estranha a ideia, absolutamente alarmista e enganosa, sobre a realidade criminal vivida na nossa sociedade, que certos jornais e canais televisivos nos transmitem permanente e sadicamente. 

O medo como instrumento de ação política é – todos sabemos – uma arma poderosa.

Ele gera mais medo e, sobretudo, muitos ódios.

O tempo de eleições é, reconhecidamente, atreito a todo o tipo de demagogias e, hoje, estas – com o apoio consciente ou meramente oportunista de alguns media – constituem a base essencial do discurso político de muitos dos novos radicalismos e populismos.

É, pois, importante que as forças políticas que deram e dão corpo ao arco constitucional mantenham, sobre a segurança e a criminalidade, a sua tradicional posição de serenidade responsável.

Nesta matéria – como em outras – o discurso tremendista dos novos populistas começa a influenciar os mais expostos a situações de insegurança e criminalidade, sendo que estes são, em regra, os mais carenciados e os que vivem em zonas mais problemáticas.

Como se constata, porém, do exemplo da América Latina, assegurar e preservar a liberdade e a segurança dos cidadãos passa mais pelo reforço do equilíbrio dos seus rendimentos e da justiça social do que pelo incremento de medidas, sempre e sempre mais repressivas, securitárias e lesivas dos direitos, liberdades e garantias constitucionais.