Tirando uma abstenção recorde da qual nenhum político quererá tirar conclusões sérias, é improvável que os resultados das autárquicas, marcadas para daqui a um mês, tenham consequências desestabilizadoras imediatas no PS e no PSD, os dois partidos fundamentais do país, ou em quaisquer outros, tirando o CDS.
António Costa está para durar e não será a eventual perda de meia dúzia de câmaras que afetará o partido “glutão” em que o PS está transformado, ocupando tudo o que é lugar público ou privado onde possa colocar a sua gente. Enquanto dura, vida doçura. E já cá cantam 731 mil funcionários públicos, fora os que trabalham para empresas e outras corporações estatais. Isto para não falar dos privados que vendem serviços, equipamentos e consultas ao Estado. Estamos na pré-troika!
Mesmo assim, Costa está sereno e confiante. Até deu mais uma entrevista, publicada em dois fascículos no Expresso (deve lá ter uma cunha fantástica!) onde, no fundo, deixou dois recados fundamentais, no meio de uma conversa banal sem apontar um desígnio nacional transformador. Um dos recados é que não tenciona remodelar o Governo (o que pode ser só para despistar). O outro é que não vai decidir se é candidato a novo mandato de chefe do Governo antes de 2023. Está assim explicado aos putativos sucessores que têm de aguentar os ímpetos, desde logo no congresso do PS que se realiza no fim de semana que vem. Aproveitem para se mostrar ou calem-se, mas não abusem. Costa vai certamente utilizar o Congresso para lançar formalmente a campanha autárquica, apelando à unidade e assegurando que estão criadas as condições de retoma, devido ao abrandamento da pandemia e à chegada da ‘‘bazuca’’. Vem aí, portanto, mais um massacre de promessas, a maioria das quais ficará por cumprir. Quanto a eventuais sucessores é, agora, óbvio que Costa tem favoritos (Mariana, Ana Catarina e Medina). Sobra um que, manifestamente, não lhe enche as medidas e que ele mantém de rédea curta – Pedro Nuno Santos –, confiando que o tempo mostrará, para mal dos contribuintes, que a criatura é apenas mais uma personificação do princípio de Peter. Pedro Nuno está para a política como os futebolistas de praia para o futebol de onze: não tem estofo para o desafio, mas é muito habilidoso. Para a sua potencial longevidade tranquila, António Costa conta também com a probabilidade, cada vez maior, das autárquicas correrem suficientemente bem a Rui Rio para que este resista a uma nova eventual ofensiva de um dos oposicionistas internos. Rio ficaria assim à beira de conseguir uma das estratégias que sempre desenhou: o poder cair-lhe no colo em 2023, beneficiando da velha máxima de que as eleições não se ganham, mas perdem-se. Em reforço dessa tese, Rui Rio tem ainda a vantagem de ter muitas maneiras de fazer as contas autárquicas em seu benefício. Na prática, é impossível cair abaixo das 98 Câmaras com que o PSD ficou nas últimas autárquicas, quando, nas de 2005, tinha 158, vindo sempre a descer desde então. Mesmo não ganhando municípios especialmente emblemáticos (designadamente, Lisboa que estava ao seu alcance) bastará que proclame bem alto que inverteu a tendência e que vem aí a “remontada” nas legislativas, para usar um termo futebolístico castelhano. Claro que a futurologia é sempre perigosa na crónica política. Mas, para já, a previsão é de tranquilidade nas hostes sociais-democratas. Há um aparelho instalado e sereno, mesmo que parcialmente avariado.
Num campo mais à direita, quem joga a cabeça é Rodrigues dos Santos. É praticamente impossível imaginar que possa manter-se à frente do CDS. Objetivamente, não tem as qualidades políticas mínimas que o tornem protagonista de um relançamento. O CDS está em perigo de colapso. E, contrariamente ao que muitos afirmam, pode não ser por causa do Chega. É mais pelo seu coletivo, pelos seus erros e a sua incapacidade em propor soluções e ganhar terreno na sociedade, o que envolve rigorosamente todos os seus dirigentes e notáveis. É de resto uma coisa cíclica que se abate sobre o Largo do Caldas e que agora se agrava com a existência do Iniciativa Liberal que, esse sim, desgasta mais diretamente os centristas, apesar das últimas semanas não terem sido brilhantes para Cotrim de Figueiredo.
A noite eleitoral dirá se o Chega é, ou não, um partido com uma consolidação efetiva e em que estratos capta eleitorado. O mais provável é ir buscar ao PSD gente saturada de pagar para todos sem ter retorno nenhum. É provável que também pesque em áreas socialistas e comunistas, onde existem tensões sociais com minorias. Outro núcleo que pode sustentar o Chega é a mobilização de abstencionistas tradicionais, que se sintam agora motivados pelo discurso de Ventura, o qual, mesmo assim, tem visto a sua imagem desgastada por excessos de oportunismo político, que acabam por ser contraproducentes. É o caso manifestamente do funambulismo em que tem andado a respeito das vacinas, sobretudo depois de ter sido contaminado pelo vírus. Ter Bolsonaro e Trump como referências não é receita certa em Portugal.
No PAN, Bloco e PCP/Verdes as situações são diferentes. PAN e Bloco não arriscam grande coisa porque só correm para lugares em assembleias de freguesias, municipais ou, eventualmente, vereações. Já o PCP tem outros problemas e bem complicados. Se não mantiver Setúbal (que pode ir para o PS ou para o PSD onde é liderado pelo prestigiado Fernando Negrão), recuperar Almada, o Barreiro e Alcochete, tudo na Península de Setúbal, será a prova acabada do definhar do PCP. Mesmo assim, não seriam de esperar mudanças internas ou de posicionamento estratégico face ao Governo. De facto, é improvável que no PCP e no Bloco, dois partidos dominados hoje por uma aristocracia interna enraizada, haja turbulência pública. Um resultado negativo será escondido com o apoio da imprensa para se passar à etapa seguinte, ou seja, o Orçamento do Estado, o dinheiro da ‘‘bazuca’’ e os benefícios para cada uma das respetivas clientelas. E, neste caso, é mais do que óbvio que todos têm de viver numa espécie de triângulo amoroso político, envolvendo PS, PCP e Bloco. Uma novela mexicana do melhor que há. A não perder, a partir de outubro. No fim, ficará tudo na mesma com o Orçamento aprovado e o quartel-general tranquilo em Abrantes. Até que um dia FMI, agências de rating e quejandos voltem a olhar para nós de lado…
Escreve à quarta-feira