Sentidos de vida: Outra reflexão preguiçosa de verão (II)


Importa que possamos poder parar e reequacionar o que nos é, ou não, fundamental e a maneira como queremos – sós e em comunidade – usufruir da vida.


Como aqui referi, o tempo de férias, se não fizermos dele uma corrida mais cansativa do que a que ocorre durante o período de trabalho, pode, também, permitir-nos reequacionar a vida e as suas prioridades.

Estas nem sequer são, em muitos casos, reais e resultam, frequentemente, de campanhas publicitárias concebidas para nos fazerem sentir necessidades que, realmente, não existem ou, pelo menos, não existem com a importância que, num dado momento, lhes damos.

Compramos, por isso, objetos de que, verdadeiramente, poderíamos prescindir.

Somos aliciados para múltiplas viagens e atividades de que, em rigor, não chegamos a desfrutar.

De tão breves, apenas as lembramos, aliás, através de fotos ou selfies que, justamente, atestam que por lá passámos ou que, por sua causa, experimentámos, fugazmente, uma ou outra sensação inédita.

Muitas das que consideramos prioridades das nossas vidas são, na realidade, manipuladas de forma mais ou menos subtil, mas sempre interessada e interesseira.

Não, não me refiro àquelas que, inevitavelmente, temos de cumprir, ou mesmo aos prazeres mais mirabolantes a que, também, temos direito e que tão bem nos fazem para suplantar a chateza das rotinas diárias.

A vida não é só feita de necessidades a que importa atender: pelo contrário, ela não pode realmente ser bem e livremente preenchida se não sonharmos e realizarmos alguns desses sonhos, por mais inconsequentes que, depois, eles nos pareçam.

Uma sociedade que não lhes dê espaço acaba, mais cedo ou mais tarde, por implodir.

Em todo o caso, importa que possamos, por vezes, parar e reequacionar o que nos é, ou não, fundamental e a maneira como queremos – sós e em comunidade – usufruir da vida.

Há já uns anos, durante uma visita profissional a um país que fizera parte da federação jugulava, pude conversar com uma juíza que, a dado passo, me disse: «vês o vestido que uso? É bonito, não é? Antes não o poderia ter comprado. Não tinha dinheiro para isso, nem, na verdade, ele estaria facilmente disponível nas nossas lojas da época. E bem gostaria eu, na altura, de o ter usado quando ia ao teatro e à ópera; o que fazia, então, com frequência.»

Respondi-lhe que o vestido era deveras bonito e lhe ficava muito bem.

A referida juiz, agradeceu o elogio, mas acrescentou: «Pois, mas agora que tenho o vestido – este e uns tantos outros de que gosto – não posso mais ir ao teatro e à ópera, como usualmente fazia e gostava de fazer. Trabalho muito mais, falta-me tempo e disposição para  conseguir sair à noite, depois de um muito mais longo e penoso dia de labor. Antes, trabalhava muito menos horas e podia ter outras atividades, sociais, culturais e desportivas. Além disso, os bilhetes do teatro e, principalmente, os da ópera, são, agora, muito mais caros e eu tenho de fazer opções. Antigamente, nem pensava nisso. Só pensava em como gostaria de levar, para esses espetáculos que então frequentava regularmente, um vestido como este.»

As opções que fazemos – ou que outros fazem por nós – acabam, realmente, por nos marcar a vida e a forma como a vivemos.

Saber e conseguir determinar a nossa vida é uma arte difícil, principalmente quando tais opções importam, igualmente, aos que nos cercam e connosco vivem, sejam eles os familiares mais próximos, os amigos ou, tão só, os nossos concidadãos: os outros – as mulheres e homens – que partilham do nosso destino comum.

Se o mercado nos vai suscitando – umas vezes bem, outras mal – um conjunto de necessidades mais ou menos reais, mais ou menos supérfluas, é importante que, democraticamente, consigamos também, a nível político, definir outras prioridades que nos ajudam a completar-nos como pessoas únicas que somos e, também, como sujeitos ativos e partes integrantes de uma comunidade que se deve dedicar, organizada e solidariamente, a procurar realizar o bem comum e a justiça social.

As nossas prioridades e necessidades – e a maneira como as gerimos – não devem poder, pois, ficar determinadas apenas pelo marketing comercial e o sistema económico e social que o engendra e governa.

Ter tempo para refletir e poder assim, ponderada e conscientemente, fazer opções é, também, uma maneira de viver a liberdade.

Sentidos de vida: Outra reflexão preguiçosa de verão (II)


Importa que possamos poder parar e reequacionar o que nos é, ou não, fundamental e a maneira como queremos – sós e em comunidade - usufruir da vida.


Como aqui referi, o tempo de férias, se não fizermos dele uma corrida mais cansativa do que a que ocorre durante o período de trabalho, pode, também, permitir-nos reequacionar a vida e as suas prioridades.

Estas nem sequer são, em muitos casos, reais e resultam, frequentemente, de campanhas publicitárias concebidas para nos fazerem sentir necessidades que, realmente, não existem ou, pelo menos, não existem com a importância que, num dado momento, lhes damos.

Compramos, por isso, objetos de que, verdadeiramente, poderíamos prescindir.

Somos aliciados para múltiplas viagens e atividades de que, em rigor, não chegamos a desfrutar.

De tão breves, apenas as lembramos, aliás, através de fotos ou selfies que, justamente, atestam que por lá passámos ou que, por sua causa, experimentámos, fugazmente, uma ou outra sensação inédita.

Muitas das que consideramos prioridades das nossas vidas são, na realidade, manipuladas de forma mais ou menos subtil, mas sempre interessada e interesseira.

Não, não me refiro àquelas que, inevitavelmente, temos de cumprir, ou mesmo aos prazeres mais mirabolantes a que, também, temos direito e que tão bem nos fazem para suplantar a chateza das rotinas diárias.

A vida não é só feita de necessidades a que importa atender: pelo contrário, ela não pode realmente ser bem e livremente preenchida se não sonharmos e realizarmos alguns desses sonhos, por mais inconsequentes que, depois, eles nos pareçam.

Uma sociedade que não lhes dê espaço acaba, mais cedo ou mais tarde, por implodir.

Em todo o caso, importa que possamos, por vezes, parar e reequacionar o que nos é, ou não, fundamental e a maneira como queremos – sós e em comunidade – usufruir da vida.

Há já uns anos, durante uma visita profissional a um país que fizera parte da federação jugulava, pude conversar com uma juíza que, a dado passo, me disse: «vês o vestido que uso? É bonito, não é? Antes não o poderia ter comprado. Não tinha dinheiro para isso, nem, na verdade, ele estaria facilmente disponível nas nossas lojas da época. E bem gostaria eu, na altura, de o ter usado quando ia ao teatro e à ópera; o que fazia, então, com frequência.»

Respondi-lhe que o vestido era deveras bonito e lhe ficava muito bem.

A referida juiz, agradeceu o elogio, mas acrescentou: «Pois, mas agora que tenho o vestido – este e uns tantos outros de que gosto – não posso mais ir ao teatro e à ópera, como usualmente fazia e gostava de fazer. Trabalho muito mais, falta-me tempo e disposição para  conseguir sair à noite, depois de um muito mais longo e penoso dia de labor. Antes, trabalhava muito menos horas e podia ter outras atividades, sociais, culturais e desportivas. Além disso, os bilhetes do teatro e, principalmente, os da ópera, são, agora, muito mais caros e eu tenho de fazer opções. Antigamente, nem pensava nisso. Só pensava em como gostaria de levar, para esses espetáculos que então frequentava regularmente, um vestido como este.»

As opções que fazemos – ou que outros fazem por nós – acabam, realmente, por nos marcar a vida e a forma como a vivemos.

Saber e conseguir determinar a nossa vida é uma arte difícil, principalmente quando tais opções importam, igualmente, aos que nos cercam e connosco vivem, sejam eles os familiares mais próximos, os amigos ou, tão só, os nossos concidadãos: os outros – as mulheres e homens – que partilham do nosso destino comum.

Se o mercado nos vai suscitando – umas vezes bem, outras mal – um conjunto de necessidades mais ou menos reais, mais ou menos supérfluas, é importante que, democraticamente, consigamos também, a nível político, definir outras prioridades que nos ajudam a completar-nos como pessoas únicas que somos e, também, como sujeitos ativos e partes integrantes de uma comunidade que se deve dedicar, organizada e solidariamente, a procurar realizar o bem comum e a justiça social.

As nossas prioridades e necessidades – e a maneira como as gerimos – não devem poder, pois, ficar determinadas apenas pelo marketing comercial e o sistema económico e social que o engendra e governa.

Ter tempo para refletir e poder assim, ponderada e conscientemente, fazer opções é, também, uma maneira de viver a liberdade.