A vingança de Bin Laden


O Afeganistão volta às trevas, sem resistência popular.


Nota prévia: apesar de manifestações provocatórias de uns tontinhos irresponsáveis e negacionistas, 80% dos jovens entre os 16 e os 18 anos dirigiram-se ordeiramente aos centros de vacinação para serem inoculados, no passado fim de semana. Foi uma operação de grande sucesso e uma demonstração de civismo da parte daqueles que poderiam, por eventual imaturidade, ser a população mais renitente. Os poucos que faltaram terão sido fundamentalmente os que estavam férias, sendo provável que procurem os centros de vacinação nos próximos dias. Este grupo etário tinha uma relativa autonomia de decisão e usou-a no bom sentido, defendendo-se e mostrando-se solidário com os mais frágeis. Foi bonito! Uma palavra também é devida à “task force” e ao almirante Melo Gouveia, cuja serenidade e capacidade de planeamento tem sido fundamental. Foi uma sorte o seu antecessor, Francisco Ramos, um médico político, ter-se demitido, evitando o que seria a inevitável politização da campanha.

1. Vinte anos depois, o Afeganistão voltou às mãos dos talibãs, os fundamentalistas islâmicos que controlavam um dos países do mundo mais difíceis de conquistar e dominar. Lá se perderam objetivos de domínio de ingleses, soviéticos, americanos e ocidentais, em momentos históricos diferentes. Não admira que assim tenha sido porque, muito antes deles, grandes conquistadores tentaram e não conseguiram submeter os povos daquele país de paisagens lunares, povoado de tribos diferentes que, alternadamente, se guerreiam e se entendem, há séculos. Foi naquele mosaico de várias etnias e ramos religiosos islâmicos que, durante um domínio talibã, que o protegia, Bin Laden se refugiou, desenvolveu a Al Qaeda e gizou o plano de ataque às Torres Gémeas, ocorrido a 11 de setembro de 2001, horrorizando o mundo civilizado. As inesquecíveis imagens foram vistas planetariamente em direto, constituindo um choque traumático para o ocidente e uma alegria para os fanáticos do antiamericanismo, do islamismo extremista e para certos movimentos radicais de esquerda e de extrema-direita do Ocidente. Vinte anos depois do maior atentado terrorista a um país ocidental, os americanos tinham anunciado a saída do Afeganistão, precisamente para 11 de Setembro. Pensavam ingenuamente ter lá deixado um regime minimamente sólido, depois de nele investirem 80 mil milhões de dólares e a vida de 2400 dos seus soldados e dos de outros países. Portugal foi um deles. Ali perdeu dois militares. De nada valeram esses esforços e o envolvimento de forças da NATO. Voltámos às trevas do passado e à barbárie. Trump tomou a decisão de retirar e Biden concluiu a operação. Bin Laden, abatido no Paquistão para onde tinha fugido depois da invasão do Afeganistão pelos americanos, pode voltar a ser um mártir e um herói para fanáticos assassinos. Foi ele quem mais deu ânimo e força aos movimentos islâmicos, criando a Al Qaeda e potenciando as suas derivações, como o Estado Islâmico ou os assassinos que atuam no norte de Moçambique, no Chade, na Nigéria ou no Congo. São as forças do terror e da opressão que se servem da religião. No Afeganistão, são essas forças que se financiam através da exportação de droga e contribuem para operações terroristas em muitos pontos do globo. Os regressados talibã aparecem agora com uma linguagem mais moderada, mas obviamente é apenas propaganda porque substancialmente mantêm as mesmas práticas assassinas. Como sempre acontece em situações semelhantes, a chegada dos novos senhores é antecedida da fuga desordenada dos que controlavam a situação. Deixam para trás civis e colaboradores que serão torturados e abatidos. Neste caso, acresce ainda o estado de escravidão imposto às mulheres e às crianças, sobretudo meninas. A fuga sobressaltada dos americanos e ocidentais de Cabul remete para o que aconteceu no Vietname e mais tarde no Irão com a queda do Xá. Tristemente, relembra também casos lamentáveis passados com a França e com Portugal, nos seus processos de descolonização. O futuro internacional do Afeganistão é uma incógnita. Internamente haverá sangue e crimes contra a Humanidade. Externamente, os talibãs terão de ter cuidados especiais. Se é verdade que podem contar com o apoio do Paquistão e com alguma proteção russa, há hoje uma nova superpotência mundial que não vai deixá-los contaminar a sua comunidade muçulmana: trata-se da China. O mais certo é os chineses arranjarem ali um compromisso que suborne os fanáticos islâmicos. Se a paciência de chinês não resultar, Pequim não hesitará em atuar energicamente. O mundo ocidental vai, entretanto, sentir um ainda maior afluxo de refugiados afegãos desesperados e perseguidos. Portugal mostrou-se disponível, mas, pelo que se viu antes, é apenas mais uma forma de propaganda cínica. Os refugiados vivem um drama sem solução, nem integração possível, a não ser em casos muito excecionais. Por muito cruel que seja, os povos são os primeiros responsáveis pelas suas situações internas e os principais culpados dos seus dramas. As populações são vítimas das suas circunstâncias e são elas que, em primeira linha, têm de resistir e lutar pelos seus direitos, convicções e liberdades. Não há que aceitar a sistemática atribuição a terceiros de responsabilidades que são dos seus nacionais. Que o diga a Europa que soube reconstruir-se num ambiente de paz, depois de duas guerras que ceifaram 70 milhões de vidas e que tinham razões económicas, tribais, étnicas e religiosas na sua origem, como no Afeganistão

2. Joacine Katar Moreira, uma das vedetas jet set da esquerda politicamente correta, veio há dias dizer que deveriam ser André Ventura e Ribeiro e Castro a ajudar a limpar os graffitis feitos no Padrão dos Descobrimentos por uma ativista francesa especializada em conspurcar monumentos evocativos da história. Moreira, claro, aproveitou logo a boleia para se fazer lembrada e tratar de fascistoides os dois políticos que ela odeia. Dias antes tinha dado uma entrevista de verão ao Público, desinteressante. Joacine está na política como uma daquelas moças que vão a concursos para casar com agricultores, ou seja para se tornar conhecida e valorizar o visual, uma vez que as ideias são basicamente primárias. É aproveitar enquanto dura a legislatura porque obviamente já ninguém lhe pega para outra voltinha. Desde logo, porque quem usa o ódio como arma acaba por apenas prejudicar aqueles que diz defender e expô-los ainda mais a discriminação, neste caso racial. Politicamente, Joacine está isolada e suscita efeitos perversos à causa da justiça e da igualdade que cinicamente diz defender.

3. António Costa está de férias e deixou-nos entregues a Mariana Vieira da Silva, na qualidade de primeira-ministra em exercício. Foi um alívio. Mariana é sensata e responsável. Foi o melhor cenário de substituição que se arranjou. Imaginem o que seria levarmos com o Siza (o homem dos subsídios fantasmas), o Santos Silva (que também não deu por nada do Afeganistão), o Matos Fernandes (o inaugurador de poisos de bicicletas) ou, terror absoluto, o próprio Cabrita que, entretanto, continua sem revelar a velocidade a que circulava o seu automóvel oficial quando atropelou mortalmente um trabalhador numa autoestrada. Quanto a Costa, fez o que se esperava. Antes de se pôr ao fresco por uns dias, deixou o recado de que não tenciona remodelar. Percebe-se. Como diz o povo: para pior já basta assim!

Escreve à quarta-feira