Para além de uma semana de férias bem passadas com a família – filhos, netos, noras, genros – restou-me, desta vez, algum tempo para, mais sossegada e isoladamente, ler e sobretudo pensar ou, mesmo, procurar não pensar.
Na vida de um ocidental dos nossos tempos, são cada vez menos os momentos que pertencem por inteiro a cada um, mesmo quando dele podem dispor, até pela omnipresença viciante das comunicações digitais que a todos escravizam.
E, todavia, é desses momentos que, como alguns exemplos históricos documentam, nascem, por vezes, as grandes ideias.
Não foi o meu caso: aviso já.
Os momentos de que pude desfrutar sossegado foram-me, sobretudo, úteis para descontrair e reencontrar um ritmo de vida que, creio, se aproxima do que deveria ser um quotidiano normal de quem trabalha e merece descansar, embora eu saiba que, cada pessoa, tem o seu compasso próprio, que é inimitável e é preciso respeitar.
Esta constatação fez-me, contudo, lembrar a anedota do rico armador grego que, depois de emigrar para os EUA, onde levou uma vida de trabalho e aventura, construiu uma fortuna no comércio marítimo.
Já mais velho, regressou à pequena ilha onde nasceu – e donde partiu jovem – e encontrou um velho companheiro de escola primária deitado sobre um muro a apanhar sol.
Abraçaram-se, choraram de alegria, foram beber um copo para uma antiga tasca e o – agora rico – armador quis saber da vida do seu antigo colega de tropelias infantis, agora um homem magro, queimado e enrugado pelo sol, mas aparentemente sereno.
O outro disse-lhe que nunca saíra da ilha, que, quando o mar consentia, ia à pesca, vendia o peixe e assim sobrevivia há muitos anos, ele e a sua família.
O armador explicou-lhe então que o grande petroleiro que avistavam da mesa onde se instalaram a beber vinho era seu e que, como aquele, possuía muitos outros.
Trabalhara muito, enriquecera, e podia, agora, desfrutar da sua fortuna, voltando para a ilha onde nascera e aí passar o resto dos seus dias a apanhar sol, a pescar com os amigos, a beber tranquilamente uns copos: enfim, fazer o que lhe apetecia.
O colega olhou para ele, analisou o seu rosto cansado, os olhos papudos e o corpo flácido e perguntou-lhe, então, se sofrera muito para chegar onde chegara e poder usufruir, agora, do que ele dizia ter sido o seu sonho desde que emigrara.
O armador contou-lhe, durante largo tempo e muitos copos, a sua história: as humilhações que sofrera, os medos, a exaustão, as apostas, os riscos, os pais que morreram sem ele ter sabido a tempo, os filhos de várias mulheres e de que perdera o rasto, os amigos e amigas que desapareceram no percurso, a solidão contínua, e, finalmente, o almejado triunfo e a serenidade que esperava, agora, poder alcançar.
O colega, atónito, quis confirmar: “… e tudo isso para poderes gozar, presentemente, do sol da tua ilha, poderes ir à pesca como eu e beber comigo e com outros velhos companheiros uns copos deste simples vinho grego?”
Sim – respondeu o armador – não é isso uma felicidade que paga todos os esforços que fiz?!
Retorquiu-lhe o pescador grego – lá que é uma felicidade é! Todavia, sem tanto esforço, sem tanto sofrimento meu e dos meus, sem tantos riscos, isso tudo consegui eu desde sempre, também, mantendo-me aqui a apanhar o nosso sol, a pescar os nossos poucos peixes e a beber deste vinho, que tanto dizes apreciar.
Esta pequena anedota fala-nos mais da proporção e do sentido da vida de cada um do que muitas das teorias económicas e filosofias de sucesso, que inundam hoje o espaço mediático e com que alguns procuram – e conseguem demasiadas vezes – moldar as vidas de muitos de nós, tornando-as escravas de triunfos duvidosos, do dinheiro próprio, e, pior ainda, de uns tantos, mais ricos ainda, que dele dispunham já e que, por isso, também conseguem dispor do dos outros.
Poder, ao longo de toda a vida, ter tempo e liberdade suficientes para gozar do sol, usufruir de um bom copo de vinho e da companhia dos familiares e dos amigos é, por isso – digam o que disserem os vendedores de sucessos ilusórios e fortunas hipotéticas – um sinal de progresso social e de humanidade, um direito humano, que é preciso preservar e – mais ainda – democratizar, custe o que custar.
Devolver humanidade à vida das mulheres e dos homens é a tarefa ampla e insubstituível da política: é isso que a distingue da economia – que já prescindiu de ser política – e dos seus mais limitados objetivos.