Restaurante tradicional onde todos se conhecem e se entra ao serviço sentado quando já se dominam os mínimos da sociabilidade gastronómica e se manuseiam os talheres sem hesitações na escolha entre o garfo para as ostras e o gancho para a canilha. Raros os que se sentaram pela primeira vez antes dos doze anos, alguns os que, sem saberem que iam para a última ceia, foram levantados da mesa para, sem transição ou incómodos, serem entregues aos cuidados de uma empresa lutuosa.
Almoço dominical, numa das mesas em versão de quorum mínimo, mínimos os serviços de conversação, fornecidos pelo maître que por dever profissional perguntava:
– Como está o pernil, minha Senhora?
A Senhora, que também só por convenção social era dele, aquiesceu:
– Está bom mas as batatinhas são uma perdição…
– Vou já mandar buscar mais! – e, lépido, saiu pela esquerda baixa.
Do fundo da sala emergiu pela porta principal um alegre cavalheiro grisalho empurrado por gentil menina, curvilínea e bronzeada, sorrindo as alegrias recentes, dependuradas em vários sacos e saquinhos de papel, a bem da consciência ambiental no tratamento de resíduos e do melhor brilho dos logótipos comerciais. O cavalheiro foi reconhecido por alguns comensais a quem atirou saudações com a mão direita, ao mesmo tempo que com a sobrante, e não sem dificuldade, procurava estreitar as carnaduras da moça. Descreveram uma larga elipse, acompanhando o bordo das mesas, arrancando sorrisos a muitos dos cavalheiros, mergulhos dos olhos no prato por parte das consortes, curiosidade dos adolescentes de ambos os géneros, discriminadas as moças que ouviram um tossicar seco de mães e avós, sucedâneo do pingalim aplicado ao equídeo que se distrai com o cheiro a palha.
Conhecedor das realidades da vida e das conveniências do comércio, o maître interceptou a parelha, evitando, in extremis, uma segunda Victory Lap:
– Muito gosto em voltar a vê-lo Senhor Engenheiro. A mesa do costume?
– Faz favor, ó Costa. E traga uma garrafa de champagne.
Costa, experiente nos exercícios de trigonometria restaurativa, identificou rapidamente a mesa mais recatada e traçou a rota. A chegada teve as suas dificuldades. A menina não queria afastar-se dos pertences e ensaiou um estacionamento da sacaria em cima da toalha de pano. Costa, um herói do nosso tempo, emprestado à restauração, atalhou:
– Se quiser trago já uma mesinha de apoio para colocar as prendinhas.
Ouviu-se um “’tá bem!” e o rosto do Engenheiro abriu-se num sorriso de beatitude ao re-encontrar a harmonia que Costa fazia reinar naquele universo.
Não obstante o empenho de Costa, os efeitos das ondas gravitacionais fizeram-se sentir. Na mesa dos serviços mínimos conviviais ouviu-se:
– Quem é aquela que está com o Matos?
O inquirido fingiu olhar pela primeira vez para as redondezas que envolviam Matos em sinusóides oscilantes e informou com secura:
– É a nova amante.
A consorte suspendeu a ascensão do garfo onde arpoara uma batatinha nova, ergueu o braço destro, mostrou o indicador túrgido e proclamou:
– A nossa é muito melhor!
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990