Enquanto trabalhava no álbum I Remember Yesterday (1977) com Donna Summers, o produtor e compositor italiano Giorgio Moroder, um dos grandes pioneiros da música eletrónica, questionava-se sobre qual seria o “som do futuro”. A resposta seria encontrada através da utilização de sintetizadores e de batidas eletrónicas, resultando na música ‘I Feel Love’, que foi descrita como “o início da música eletrónica” e que ainda hoje é fonte de inspiração artística.
Agora, entre os músicos, a questão não é tanto “qual é o som do futuro?”, mas sim qual é o som para um público que passou quase dois anos fechado em casa e que foi instruído a observar medidas de segurança e de distanciamento social.
Este é o objetivo dos Jungle, duo de produtores ingleses, constituído Tom McFarland e Josh Lloyd-Watson, que teve a gentileza de falar com o i sobre o seu mais recente disco, Loving in Stereo, editado esta sexta-feira.
Depois de quase um ano fechados no estúdio, os Jungle apresentam-se aos seus fãs com um som mais intenso, pulsante e variado. Pela primeira vez convidaram cantores, inclusive o rapper Bas, para participarem nas suas músicas.
Apesar de Josh nos confessar que não acredita que o “som pós-covid” seja o som do futuro, o produtor conta-nos como a música pode ser um elemento de união entre as pessoas e as dificuldades que a pandemia levantou na criação de Loving in Stereo.
O som dos Jungle é muito peculiar, uma vez que é quase sinónimo de verão e concertos ao vivo. Não tiveram medo de lançar este álbum numa altura em que ainda existem restrições para os concertos devido à covid-19?
Nem por isso. Sinto que já ultrapassámos essa fase e o mundo está pronto para avançar. Temos que seguir em frente ou nunca vamos conseguir avançar. Certamente que pensámos nisso e foi uma preocupação inicial, o álbum devia ter sido lançado no ano passado, estas músicas foram feitas para serem tocadas ao vivo, em festivais, e é muito importante para a banda conseguirmos mostrar as músicas a um público, mas acredito que agora estamos num bom local.
Estava a falar de um tópico interessante, que é a necessidade da música ser tocada ao vivo. A impossibilidade de fazer concertos dificultou o processo criativo deste novo disco?
De certa forma, sim. Queríamos fazer músicas que tivessem mais energia e que funcionassem melhor num ambiente de concerto. Tentámos simular essa energia no estúdio e acho que resultou em músicas mais aceleradas e com um som mais enérgico.
Como foi o processo em estúdio para criar esse tipo de ambiência?
Acho que tem a ver com a energia que utilizamos e o andamento que adotamos. Sabemos que precisamos de algo que nos faça levantar e começar a mexer. Quando trabalhamos em estúdio temos que adotar posturas de uma forma mais consciente, temos que entrar nesse espírito enérgico, porque se estivermos a trabalhar e nos sentirmos pessimistas ou negativos vamos criar um ritmo ou uma melodia mais melancólica, o que gera músicas mais soturnas. Por isso, decidimos, conscientemente, criar músicas que sejam mais animadas e inspiradoras.
Não deve ter sido um processo fácil, dado todo o contexto que estamos a viver com a pandemia de covid-19.
Sem dúvida. Muitas das músicas do Loving in Stereo foram feitas pré-covid, mas também tivemos diversas sessões em estúdio durante a pandemia. Tivemos que nos ajustar, mas conseguimos trabalhar.
O objetivo da música dos Jungle é fazer os vossos fãs dançar. Uma vez que não foi possível testar estas músicas ao vivo, como é que sabem que vão funcionar quando forem tocadas ao vivo?
Sabes isso no teu coração, quando és músico tens este sentimento profundo em que sabes o que é importante na música e o que é que vai funcionar. Se nós o sentimos, então sabemos que essa sensação também será partilhada pelas pessoas que estão a ouvir a nossa música.
O comunicado de imprensa que apresentava este disco referia que os Jungle tinham como objetivo criar um disco para “a pista de dança na era pós-distanciamento social”. Pode descrever este novo som e como se diferencia dos trabalhos anteriores?
Não fomos nós que dissemos diretamente essa frase, deve ter sido alguém da equipa de comunicação, porque isso não soa assim tão cool (risos). Mas nós estamos a fazer música que nos faça sentir bem, que nos dê vontade de dançar e que, em última análise, nos faça sentir qualquer coisa. Seja um sentimento de esperança, um sentimento de determinação, de paixão ou até de raiva. Toda a música tem de possuir este elemento-chave que faça despertar algo ao seu ouvinte.
Acredita que a música, especialmente a vossa, que é tão contagiante e dançável poderá ajudar as pessoas a sentirem-se mais confortáveis e a promover a interação sem o distanciamento de segurança?
Acredito que a música é uma expressão muito visceral e um sentimento inato. É algo que nos surge muito naturalmente e, quando estamos a ouvir a música certa, aproveitamos para beber um copo, vamos levantar-nos e começar a dançar. Sinto que isso nos pode ajudar a aproximar e a tornar-nos mais conectados com o próximo, acredito que isso é algo muito bom.
O som de Loving in Stereo é muito diferente do primeiro disco, homónimo, 2014, e de For Ever, 2018. Qual é, para si, a maior diferença entre estes discos?
Estávamos a seguir os nossos instintos para fazer boa música, independentemente de como ela soasse. Se ouvir um bom grupo de vozes vou querer gravá-las. Antes juntávamos tudo em estúdio, mas agora queríamos fazer algo diferente. Queríamos gravar todas as vozes em grupo de forma a soar mais autêntico e real. Era um objetivo que tínhamos há muito tempo.
Neste álbum convidaram músicos para oferecerem a sua voz, nomeadamente o rapper norte-americano Bas. Por que optou por estas colaborações?
Somos grandes fãs de hip-hop desde que criámos este grupo. Antes de adotarmos o nosso som atual, influenciado por grupos neo-soul e funk, fazíamos beats de hip-hop e chegámos inclusive a trabalhar em mixtapes desse estilo musical. Este disco é sobre aquilo que gostamos na música, aquilo que gostamos de ouvir e não sobre o que pensamos que as pessoas possam gostar. Acho que é isso que o faz destacar-se.
Estava a falar sobre fazer uma mixtape de hip-hop. Será que algum dia o vamos ouvir a si e ao seu colega, Tom McFarland, a rappar num disco?
Só fazemos beats, somos produtores antes de sermos cantores e é isso que gostamos de fazer, acho que seria pateta (risos).
Enquanto produtores dos vossos discos, que geralmente contam com um grande número de colaboradores e músicos, sentem que foi mais difícil criar um disco no contexto de pandemia?
Numa primeira fase, eu e o Tom criámos e interpretámos as músicas na minha casa e só depois é que nos dirigimos para o estúdio, onde gravámos todos os músicos, instrumentos de sopro e fomos montando tudo depois desse momento.
Não houve aquele processo de partilhar música através de internet?
Não, isso é um lixo (risos). Se adotássemos esse processo não iríamos conseguir oferecer a sensação de que a nossa música é tocada ao vivo.
Agora que as restrições devido à pandemia estão a acabar será que vamos ter o regresso dos Jungle a Portugal? Recordo-me de vos ter visto no Paredes de Coura e no Super Bock Super Rock e foram sempre muito bem recebidos.
No Paredes de Coura? Esse não foi aquele concerto que tivemos de abandonar o palco três vezes? (risos) Em termos técnicos esse espetáculo foi um desastre, mas adorei o ambiente do festival e toda a sua energia.