Johnny Depp. Associação contesta prémio para “espancador de mulheres”

Johnny Depp. Associação contesta prémio para “espancador de mulheres”


O ator norte-americano vai receber um prémio de carreira do Festival de Cinema de San Sebastián. Mas nem toda a gente concorda com a distinção. A associação espanhola de Mulheres Cineastas e de Meios Audiovisuais (CIMA) relembra a sua faceta “abusiva” e “violenta” contra as mulheres.


Venerado por fãs, considerado pelo Festival de San Sebastián e por grande parte da indústria cinematográfica “um dos mais talentosos e versáteis atores do cinema contemporâneo”, à beira de fazer 60 anos Johnny Depp tem vivido um “pesadelo” que se arrasta desde 2016, com as acusações de violência doméstica da sua ex-mulher, a atriz Amber Heard. Agora, abre-se uma “fresta de luz”, com o anúncio da entrega do galardão de carreira do Festival de Cinema de San Sebastián, que se realizará no dia 22 de setembro, naquela que será a sua terceira passagem pelo festival basco. Mas nem tudo é um “mar de rosas”.

O ator já participou na Donostia Zinemaldia em duas ocasiões: acompanhando o realizador americano, Terry Gilliam, na apresentação do filme Fear and Disgust em Las Vegas e, no ano passado como co-produtor e co-estrela do documentário Crock of Gold: A Few Rounds with Shane MacGowan.

Na altura, Depp deu várias entrevistas bebendo txakoli (vinho branco ligeiramente espumante, muito seco, com elevada acidez e baixo teor alcoólico, produzido no País Basco espanhol, na Cantábria e no norte de Burgos, em Espanha), parecendo já estar a adivinhar que haveria motivos para comemorar: “Depp já interpretou escritores, polícias infiltrados ou foragidos, em elencos que o colocaram ao lado de figuras como Marlon Brando, Faye Dunaway, Jerry Lewis, Penélope Cruz, Helena Bonham Carter, Javier Bardem, Kate Winslet, Mark Rylance, Dustin Hoffman, Judi Dench, Antonio Banderas, John Malkovich, Marion Cotillard, Forrest Whitaker, Al Pacino, Benedict Cumberbatch, Morgan Freeman, Benicio del Toro, Michelle Pfeiffer, Leonardo Di Caprio e Christopher Plummer, entre muitos outros”, recordou o festival criado em 1986 para “reconhecer o extraordinário contributo ao mundo do cinema dado por grandes figuras que ficarão para sempre na sua história”.

 

A linha que separa a carreira da vida pessoal

Contudo, nem toda a gente ficou agradada com este anúncio. As primeiras críticas não se fizeram esperar e repetem a acusação que se ouve e assombra Depp há mais de quatro anos: “Espancador de mulheres”.

A Associação espanhola de Mulheres Cineastas e de Meios Audiovisuais (CIMA, na sigla em castelhano) foi a primeira a mostrar o seu descontentamento, condenando, na passada terça-feira, a decisão do Festival de Cinema de San Sebastián de atribuir um prémio de carreira a um ator acusado de violência doméstica. Em declarações à agência Associated Press (AP), a presidente da CIMA, Cristina Andreu, mostrou-se “muito surpreendida” com a decisão do festival, afirmando que o prémio “diz muito sobre o evento e a sua liderança e passa uma mensagem terrível ao público: ‘Não interessa se és um abusador, desde que sejas um bom ator’”. A responsável pela associação acrescentava que a CIMA, que mantém ligações estreitas com o festival, está a “estudar os próximos passos a dar”.

 

O pesadelo de Depp

Em 2018, Johnny Depp processou o The Sun por difamação, depois do tabloide britânico ter publicado um artigo a relatar as agressões do ator à ex-mulher, colando-lhe o rótulo de “espancador de mulheres” e considerando-o “um perigo” para Heard. Porém, o ator acabou por perder a ação em tribunal. Já em março deste ano, um tribunal britânico recusou-lhe a possibilidade de recorrer da condenação pela agressão da ex-mulher, a modelo e atriz norte-americana Amber Heard, considerando que a sua tentativa de reverter a decisão “não tinha perspetiva real de sucesso”.

Um mal nunca vem só e, na sequência da polémica, o artista foi afastado das luzes da ribalta, nomeadamente do elenco do próximo filme da saga Fantastic Beasts, sendo substituído pelo ator Mads Mikkelsen para interpretar Gellert Grindelwald na terceira parte da série. Nessa altura, a revista especializada Variety chegou a questionar se a carreira do ator conseguiria sobreviver a estes revezes.

Mas não foi apenas o veredicto do juiz que fez estragos na reputação de Depp. Há muito tempo que a sua vida tem sido marcada por excentricidades e vícios. Há testemunhos sobre jatos particulares cheios de cocaína ao pequeno almoço. E, em 2018, o artista revelou, numa entrevista à Rolling Stone, que a sua fortuna de 650 milhões de dólares, mais de 500 milhões de euros, se havia esgotado, acusando os ex-gerentes de roubo.

 

A vida antes da escuridão

John Christopher Depp II, mais conhecido por Johnny Depp, nasceu em Owensboro, nos EUA, no dia 9 de junho de 1963 e até ao final da adolescencia acreditou que a sua carreira passaria pelos grandes palcos de música. Aos 12 anos recebeu a sua primeira guitarra, começando a tocar em bandas de garagem. Aos 16 anos já liderava os The Kids, mais tarde rebaptizados Six Gun Method, tendo migrado para a Florida com a família. Lá conheceu a maquilhadora Lori Anne Allison, com a qual esteve casado durante dois anos. Allison apresentou-o a Nicolas Cage que, por sua vez, o incentivou a experimentar a representação com a ida ao casting daquele que seria o seu primeiro filme e a alavanca de que precisava para entrar no mundo do cinema – Pesadelo em Elm Street – em 1984. A sua carreira só viria a “explodir” seis anos depois, com a grande produção de Tim Burton, Eduardo Mãos de Tesoura. Três vezes nomeado para os Óscares, vencedor de um Globo de Ouro (em 2008, por Sweeney Todd, também de Tim Burton), conquistou ainda um prémio de melhor ator do sindicato da profissão pela sua interpretação do capitão Jack Sparrow, no primeiro filme da saga Piratas das Caraíbas.

Além do prémio de San Sebastián, Depp será distinguido na República Checa, no Festival Internacional de Cinema Karlovy Vary (KVIFF). Aquele que é considerado o principal evento cinematográfico do Leste Europeu “prestará homenagem à extensa carreira do aclamado ator e ao legado duradouro na indústria cinematográfica global”. O diretor executivo do KVIFF, Krystof Mucha, e o diretor artístico, Karel Och, não pouparam nos elogios: “Nós admiramos o Sr. Depp há já muito tempo e estamos emocionados em lhe conceder esta homenagem”.